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Publicado em 1 de junho de 2024 às 05:00
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(Juro que não estou me beneficiando do fato de continuarmos vivendo em um país no qual a ‘comunicação enganosa em massa’ é permitida por lei. Tá sabendo, né? Votaram lá no Congresso e resultado que, para a maioria dos deputados, inventar lorotas - e divulgá-las em larga escala - é um direito de todo ser humano. Permanece assim: fake news pode e é legal. Só que pra mim não é. De forma que o título deste texto é uma interpretação dos fatos, veja a diferença. Não estou enganando ninguém, apenas convidando a pensar.) >
Eu estava por fora dessa consumição entre o jogador Éder Militão e a mãe da filha dele, Karoline Lima. Isso, até que uma amiga me mandou um link junto com o recadinho ‘ela tem uma história parecida com a sua, pensei em você escrever sobre’. Acabou que fui me inteirar da fofoca e, gente, quanta semelhança! Minha amiga tem razão, mas as coincidências não surpreendem. A verdade é que, tirando as cifras milionárias envolvidas no caso de lá eles, a maioria de nós - se passou separação com filho no meio - viveu o mesmíssimo. Ou vai viver.>
(Em graus diferentes, claro. Mas o comum é acontecer. Então, se você é mulher e tá pensando em emprenhar do ‘presente de deus’, se ligue antes de decidir.)>
‘Vai acontecer o que, criatura?’, você pode estar me perguntando, se padecer da mais comovente ingenuidade. Como resposta, eu poderia fazer um powerpoint explicando as etapas da metamorfose pela qual é frequente que ‘mozões’ comecem a passar, assim que as ‘princesas’ dizem ‘tô grávida’. Da regressão e competição (com o bebê!) pela atenção da recém-parida até a fuga desesperada das obrigações afetivas e financeiras pós-separação, é tudo corriqueiro e deve estar contabilizado, por nós, pelo menos como possibilidade. Na falta do powerpoint, apenas converse com mulheres que são mães e se separaram. >
Não sou pessimista nada. Acontece que a gente não faz 50 anos apenas sentindo fogachos e saudade do colágeno. Rola de ficar mais sabida também. Por exemplo, já tô cansada de acompanhar a manjadíssima construção da imagem da ‘mãe que não presta’, como um dos atos do tal ‘regalo do altíssimo’ (que virou pai do filho), quando o romance acaba. Normalmente, a ‘mãe que não presta’ é conhecida, também, como ‘a louca da minha ex’. Conhece a personagem? Pois. Eu também. >
Aí, é o seguinte: não sei nada sobre a tal Karoline Lima, mas muito sobre a função das acusações contra ela que acabaram de sair da boca de duas babás. Nesses embates, a estratégia da ‘outra parte’ comumente é jogar a credibilidade da mulher no vento, desgraçar a reputação da criatura e isso é muito fácil. Como sabemos, no ambiente e tempo em que habitamos, a mãe/mulher calada já tá errada e não só nas salas de audiência das varas de família, nas quais a mãe chora e o filho não vê. >
Nos ‘tribunais’ das redes sociais é a mesma coisa, o que tem bastante peso agora que quase todo mundo vive da opinião alheia. Esta que surge muito mais dos nossos limites do que das nossas grandezas, que são bem mais o retrato dos nossos sadismos do que da ‘empatia’ que todo mundo gosta de dizer que tem. Enfim, com a ‘opinião pública’ convencida de que a mãe não presta, fica mais fácil pro ex-mozão, - agora ‘genitor’ que tá do outro lado - fazer valer suas vontades. Evidentemente, com ele confortavelmente sentado num lugar chamado ‘o cara é gente boa, coitado’. >
Tudo tão surpreendente quanto o sabor de um Big Mac, mas espie os argumentos desse tal caso. De acordo com duas criaturas que já trabalharam cuidando da filha do ex-casal, Karoline gosta de mesmo é de farra. Dizem que ela bebe forte, que sai casamiga de segunda a segunda, que já esperava a babá vestida com roupa de rua e bem maquiada, doida pra ganhar o pasto. Também que não troca as fraldas da menina nem acompanha nas aulas de natação. Que o negócio dela é só mesmo fazer selfie posando de mãe e postar nas redes sociais. >
Dizem também que ela nunca nem dormiu com Cecília, que as babás é que fazem isso e muito mais. Uma das babás diz que a mãe é ‘totalmente ausente’, provavelmente - como qualquer um de nós - bem ciente do impacto que as palavras ‘mãe’ e ‘ausente’ causam, quando aparecem na mesma frase. É que há uma corrente na fofoca afirmando que essas mulheres foram pagas pra ‘falar mal’ de Karoline. Outra corrente acredita na ‘delação espontânea’, digamos.>
Não sei. Minha curiosidade pelo caso específico é bem menor do que o interesse no comportamento coletivo. De tudo, em minha cabeça sobra apenas a constatação de que basta uma mãe ser acusada dos comportamentos mais comuns de pais, pra virar uma pária. Isso é uma arma. Ainda. Em 2024. É que dos pais, esperamos ausência mesmo. Tanto que as chuvas de biscoitos e ‘parabéns’ e ‘que super pai’ aparecem assim que um deles surge fazendo o normal, ou seja, aquilo que toda mãe, normalmente, faz. Das mães, cobramos entrega total, devoção incansável, presença constante. Tanto que qualquer comentário sobre comportamento que contradiga essa imagem já é, em si, condenação.>
Observando essa história - com certo humor e muita honestidade - você vai ver que de acordo com as babás, a filha de Éder Militão tem dois pais. É isso que elas falam, com outras palavras. Que a mãe, Karoline, se comporta como um pai do tipo mais comum. Provavelmente, até com mais presença do que o genitor da criança que nem mora na mesma casa e também não sabemos se já trocou alguma fralda ou acompanhou a menina na bendita natação. >
Muitas pessoas seguem com ‘vida normal’ depois de botar filhos no mundo. Terceirizam cuidados, dormem a noite inteira sem ouvir choro algum, seguem fazendo as mesmas farras e viagens. Em momentos de lazer, tiram fotos com as crianças e postam nas redes sociais. Tudo normal. Para o nosso senso comum, em que situação isso vira problema? Exatamente. Quando quem age assim é a mãe. Aí, como você sabe, o mundo acaba. Ainda. Em 2024. >
Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo>