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"Mas mulher também assedia". Sim. E por que eles não dizem nada?

Por Flávia Azevedo

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 14 de janeiro de 2018 às 09:20

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Pra você ver como não presta pra ninguém esse patriarcado. Pra você ver que o melhor é todo mundo de igual pra igual. Mulher também assedia, sim. Usa o fato de ser chefa pra pegar o estagiário, deixa homens em situações desconfortáveis. Não é o mais comum, mas claro que tem. E fazem isso na maior tranquilidade. Por que? Porque elas sabem que homem, a isso, não reage.

Pra reagir seria preciso ter muita coragem. Enfrentar os amigos, expor fragilidade. O que é que se espera de um homem assediado? Que, no mínimo, não se incomode (seria muita "viadagem"). Mais do que isso, que ele vá lá e pegue a mulé. Pelo menos uma vez, pra mostrar que é macho. Seja quem e como ela for. Pepeka de jeito nenhum pode ser uma coisa dispensável.

Mesmo que ele não queira. Mesmo que tenha que tomar remedinho pro pinto que sobe com outra,  mas com aquela não funciona nem a pau. Mesmo que tenha nojo da pessoa e não tope nem beijar. Mesmo pensando em outra pra conseguir transar. Mesmo que tenha um amor e o corpo peça pra ser só com ela. O que gente ordinária espera do homem tradicional é que, mesmo sem desejo, ele vá lá e "faça o trabalho".

Obrigado mesmo nenhum é. Mas obviamente há uma expectativa no senso comum. Homem ainda vai porque "tem que ir". Pra não ser chamado de "viado", "frouxo", "brocha". Com medo de julgamentos, homens estupram a si mesmos todos os dias, por aí. Porque sexo sem desejo é o que? E muitos nem vão, mas engolem assédios porque macho (que é macho mesmo) não reclama de mulher querendo dar.

Tenho pena? Não tenho. Porque se digo "estupro", é metafórico. O literal sofremos nós, em geral. É pesado e nem se compara. Nenhuma mulher pega homem à força, como muitos deles nos fazem. Mas é inevitável pensar: essa cobrança de virilidade equivale à exigência da "pureza" feminina. Também eles são ensinados a viver sexualidade como instrumento de posicionamento social. Mulher respeitável, se guarda. Homem que é homem, se dá. Está clara a perversidade?

De certa forma, esses "machos tradicionais" também são vítimas do sistema que ajudam a perpetuar. É o cipó voltando pro lombo de quem mandou dar.  Raciocínio perigoso, eu sei. Mas, banco. Porque me parece elementar.

Obviamente há sofrimento nessa cobrança de performance, nesse "comer" obrigatório onde afetos e desejos profundos se perdem, onde a pessoa violenta a si mesma e acha normal. Adaptando a frase clássica, "ninguém nasce babaca, torna-se babaca". E esse processo não deve ser fácil.

Tá mudando? Tá! Tenho fé numa nova masculinidade. O que quero pra mim, desejo a todo(a)s. Que se possa dizer sim e não com a mesma naturalidade. Mulheres, com menos amarras. Homens, com menos pressão. Ambos livres de julgamentos de terceiros. Pessoas que, sinceramente, consigam não se importar.

Homens assediam mulheres. Muito. Por medo de violência, ficamos caladas por muito tempo. Só que estamos mais fortes e aprendendo a falar. Mulheres assediam homens. Menos, mas acontece. E isso não é banal. Por medo do ridículo, eles ainda não conseguem sequer assumir o incômodo, que dirá verbalizar. Tudo efeito da mesma lógica. Tá tudo no mesmo balaio. Este só um exemplo, entre muitos possíveis, pra falar de consciência e reação.

Fato é que quanto mais nos revemos e entendemos a nossa condição, mas percebo fragilidades na masculinidade tradicional. E o que eu sei, pra terminar a conversa, é que na minha cabeça, toda hora rola Hegel. A dialética não para de me interpelar. Resumindo, ele diz assim: o verdadeiro cativo é o senhor e não o escravo. E é exatamente isso que vejo. Mas aí já é outro papo.