Inclusão: muito além da palavra

É preciso riscar do dicionário das empresas as ironias, os preconceitos disfarçados de preocupação, as piadas das quais algumas pessoas riem, enquanto outras ficam silenciadas em sua dor

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  • Mariana Paiva

Publicado em 28 de abril de 2024 às 11:00

Inclusão é uma palavra mais bonita que real. É como estar brincando de roda e abrir espaço pra caber mais gente. Tem gente que, quando chega alguém novo, aperta forte a mão de quem tá do lado, pra garantir o lugar onde está. Tem gente que solta a roda, chega pra trás, fica no vazio até aconchegar o jeito de quem vem de lá. É assim incluir.

Nas famílias, todo mundo que vê uma criança se transformar em irmã ou irmão sabe como é difícil ensinar a inclusão em casa: tem uma outra pessoa que precisa mais que você. Menor. Mais frágil. Seus brinquedos, sua mãe, o peito que você mamava (ou ainda mama) não é mais só seu. Tudo ao redor desmorona.

É assim também nas empresas. Não à toa é mais fácil ensinar a usar menos água no banheiro e papel na impressora do que incluir: veja bem, o S do ESG (traduzindo: meio ambiente – social – governança) é difícil mesmo de fazer acontecer de verdade. Porque faz tempo que as músicas nas escolinhas já pararam de atirar o pau no gato (porque o “gato é nosso amigo”), e já entendemos que o mundo tá caminhando pro fim – ou ponto de não-retorno, escolha como chamar – se a gente não parar urgente de fazer besteira com a natureza. Mas veja bem, apesar de tanto livro de autoajuda, seguimos tirando nota baixa no tratamento com outros seres humanos. Estamos longe de saber incluir, e, no trabalho, o que mais vemos são adultos fazendo birras que deixariam crianças envergonhadas.

São mesmo bonitas as iniciativas de contratar pessoas das chamadas minorias sociais nas empresas. Bonito quando uma mulher preta e periférica chega a um cargo de liderança. Mas ela se mantém lá? Por quanto tempo? E a custo de ouvir – e calar – diante de quantos absurdos, de quantas violências disfarçadas de brincadeiras inocentes? Quanta gente tá chorando nos banheiros das empresas que ganham selo de melhores empresas para trabalhar?

Pra começarmos a falar de inclusão no trabalho é preciso riscar do dicionário das empresas as ironias, os preconceitos disfarçados de preocupação, as piadas das quais algumas pessoas riem, enquanto outras ficam silenciadas em sua dor. Por onde começar? Por políticas de respeito que sejam seguidas à risca pelas lideranças, que é de onde vem o exemplo. Por treinamento e sensibilização dessas pessoas para os temas de diversidade, equidade e inclusão, para que elas nem desrespeitem nem permitam qualquer desrespeito sob suas gestões. São as únicas respostas possíveis.

Um jeito, enfim, de pessoas de todos as formas ocuparem os lugares que lhe são de direito, além da porta de casa e no mercado de trabalho. E se trabalhar e receber pagamento por isso é sobretudo dignidade no mundo em que vivemos, que mais pessoas possam ter acesso a ela: pessoas com deficiência, de raças distintas, de orientações e gêneros variados, independente de quanto pesem, do CEP onde morem, de quem amem, se são ou não neurotípicas. Uma roda tão grande que, se a gente para pra pensar, ainda hoje, deixa tanta gente de fora. A gente nunca devia naturalizar o absurdo que é.

Ainda mais se pensar em termos empresariais: quanto mais diversidade uma empresa tem, mais ela está preparada para lidar com cenários diversos, com mercados consumidores que pedem por novos produtos, mais inovação chega. Gente diferente traz novas ideias, né? É aquilo. Mas não: a gente finge que não vê esses dados e faz empresas à imagem-semelhança da gente, todo mundo parecidinho, mesma vibe. E quando falta inovação ainda reclama!

Incluir significa repensar as estruturas todas: será que elas ainda fazem sentido para o mundo que está ao redor de nós? Essa empresa está preparada para quais cenários? Para quais ela não está? Talvez a diversidade e a inclusão sejam a resposta para grande parte das dores das empresas brasileiras, mas vamos lá: conseguimos mesmo ter essa conversa?

Se incluir já é difícil com quem vem da mesma família que a gente (como diz o povo, “meu sangue até muriçoca tem”), imagine com quem vem de outro lugar. É aprender fazendo, fingindo naturalidade até uma hora se acostumar e quem sabe até se pegar gostando de conhecer outros mundos além do nosso. Inclusão é um salto de fé na humanidade, e mais que isso: uma contramão possível. Ninguém disse que era fácil.

* Mariana Paiva é escritora, jornalista, idealizadora da consultoria Awá Cultura e Gente, head de Diversidade, Equidade & Inclusão do RS Advogados, e doutora em Teoria e História Literária na Unicamp