A música que toca dentro da sua cabeça

Há tempos que não vou ao centro antigo, numa dessas caminhadas sem destino que equivalem a uma espécie de zoomie boêmio dentro da noite, veloz. Perdoem, mas não resisti à tentação de enfiar o título do livro de Gullar na frase. Uma vírgula empresta algum charme à citação, que não chamaria de paráfrase, fica elegante, quase uma dor.

Eis que estou uma máquina de referências hoje. Não desista ainda, caro leitor. Outro dia, estive pensando sobre qual seria o ponto em que deixamos a juventude e a vida adulta acena, como se nos saudasse: ei, vem pra cá, acabou! Cheguei à conclusão de que a juventude acaba quando você para de ouvir a música que toca dentro da sua cabeça.

É assim como se a vida apertasse o pause ou erguesse a agulha que deslizava antes nos sulcos de algum vinil interior. A juventude acaba quando cessa a trilha sonora do seu filme, a playlist invisível e subjetiva, aquela que pontuava cada gesto, cada ação, cada frase. Canções que te enchiam de medo, que te davam coragem, uma para cada cena.

Fiquei passada ao ler algo parecido sobre essas canções que só nós escutamos, como se tocassem dentro do nosso corpo, num desses romances autobiográficos de Emmanuel Carrère. É que isso de ter uma jukebox no ouvido forja sentidos em qualquer lugar. O que escuto enquanto escrevo agora? Ah, Lenny Kravitz canta It Ain't Over 'Til It's Over.

Dizem que é o acúmulo de energia que provoca o fenômeno do zoomie, que existe mesmo e que se resume a pequenos lapsos de insanidade que atingem quase todos os cães domésticos. São uns surtos engraçados, que também são chamados de Períodos de Atividade Aleatória Frenética. Calma, nada que force um tutor a correr para o médico.

Funciona assim: de repente, do nada, os cachorros disparam pela casa, saltando de modo estabanado sobre os móveis, em corridas desordenadas e aparentemente injustificáveis, que só têm fim quando, rendidos pelo cansaço, eles cedem ao alívio da ansiedade e retomam o seu cotidiano normalzinho e bem-comportado de pets.