Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Tudo será daqui pra frente

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 15 de novembro de 2020 às 05:08

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Lembro de quando era fácil juntar sete crianças para o caruru de Cosme. Em torno da bacia, elas comiam com as mãos. O cheiro do dendê, um perfume. Em minha casa, a cada fim de ano, minha mãe corria os cômodos com o incenso e os cânticos. Seus santos católicos convivendo em paz com os preceitos de meu pai.

Quando lançamos suas cinzas no Morro do Cristo, a luminosa cidade e o mar margeavam um templo aberto a todas as religiões. Nenhum incômodo ao pequeno ritual de despedida não fosse o vento devolvendo às nossas vestes um pouco do que ela foi, numa carícia. Pacificamente, o entorno nos acolhia como um ventre.

Tudo que eu guardo da minha infância na Cidade Baixa, e de mais precioso em meu coração, cabia naquela pequena caixa de madeira com as cinzas de minha mãe. E o meu passado, e o nosso passado juntas, voando contra o azul de um dia qualquer de dezembro de 2015, subiu em liberdade em direção aos céus.

Aqui estou, parecia dizer com suavidade a força que nos movimenta. E eu escutei a sua voz a cada esquina que dobrei nos últimos cinco anos, entre banhos de folhas sagradas, mantras indianos, orações católicas e doses de fluoxetina. Aqui estou, parecia dizer com suavidade o Tempo, que me queria inteira para o agora.

Porque presente é o sempre de alguma estação provisória. Evapora a cada signo que se escreve, ao que se descreve, contém em si todos os devires. Se este ano for aquele em que abrimos os olhos para a impermanência das coisas, ainda que a sociedade não mude substancialmente, já terá cumprido seu papel divisor.

Nunca estivemos diante de tantos prenúncios de um fim de mundo subjetivo, e golpes sucessivos, e testes de resistência. Dois mil e vinte segue sacudindo o cotidiano como se ele fosse um globo de neve de vidro (nada mais natalino, penso), peso de papel kitsch sobre aquilo que já foi escrito. Tudo será daqui pra frente.