1 aninho tema Baby Shark

A pessoa mãe não havia sequer processado o puerpério e as avós já queriam saber: e a festa de 1 aninho?

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  • Colunista Kátia Najara

Publicado em 27 de agosto de 2023 às 09:04

Baby Shark
Baby Shark Crédito: Divulgação

Não, não estava preparada. Não tinha condições, não queria ver ninguém. Já bastavam as incessantes visitas desde o nascimento do bebê, sem que esperasse, sem que soubesse. Desde a barriga rasgada e a descoberta de que as suas divinas tetas não tinham bico – arrastando-a a uma maratona insone de coleta de leite para que o bebê atingisse o peso ideal para sair da maternidade – ainda não tivera um minuto de descanso.

Sentia-se incapaz de olhar-se no espelho. Não reconhecia-se naquele inchaço e morria de medo de cruzar o olhar com a tristeza de seus próprios olhos. Tinha a auto-estima nos pés, queria fica sozinha, fingia dormir quando alguém chegava. “Anda estressada, a minha pombinha”- explicava o marido à sociedade enquanto tentava bolinar-lhe aos três meses de parto, tempo que considerou - balizado pela sua retumbante ignorância acerca da mulher – como ideal para a retomada das atividades sexuais do casal. Mas acontece que a pessoa mãe não lembrava àquela altura nem de que tinha vulva, e o mais perto que chegara dali era na coceira do corte. Estava separada de sua própria vulva pela barriga disforme; completamente desconectada de seus chacras básicos. E o marido querendo ousadia.

Estava completa e doloridamente só. Ninguém seria capaz de enxergar-lhe por dentro. Nem mesmo as avós que passaram por tudo aquilo em modo automático, ignorando as suas próprias vulvas, tudo pelo social. Teriam sentido a dor dos mamilos machucados, tanto quanto agora a sentia enquanto ouvia pelo celular as dezenas de áudios com sugestões da sogra para o aniversário do netinho? Pagaria tudo, que não se preocupasse. Mas era preciso decidir entre o salão de festas do prédio e a casa de buffet infantil; o tema – Baby Shark estaria em alta (mas... não é aquele tubarão que devora a banhista? cri cri cri); o bolo, o menu de doces e salgadinhos; a lista de convidados (que já estava em 103 adultos e 9 crianças); a possibilidade de aproveitar para comemorar também o aniversário do pai, logo depois; as lembrancinhas; a roupinha do bebê, a roupinha da babá... e aquela voz foi ficando cada vez mais distante conduzindo-a aos poucos para um estado de sono profundo.

É PIQUE! É PIQUE! É PIQUE, É PIQUE, É PIQUE! É HORA! É HORA! É HORA, É HORA, É HORA! RÁ! E acordou do sono profundo com o filho no colo diante de mais do que 112 pessoas, todas estranhas, até mesmo as conhecidas. Mal conseguia respirar dentro de um vestido azul que parecia fazer parte da decoração. O que seria a dor dos calos do sapato novo? Nada. Sentiu a mão fria do marido a apoiar-lhe o corte da primeira fatia de um imenso bolo mais cenográfico do que real, que será fragmentado em muitas fatias para os kits fim de festa em papel alumínio para serem encontrados semanas depois em diferentes congeladores da vida.

Agora, um pouco mais desperta e aproveitando-se de sua invisibilidade, a pessoa mãe percorria o buffet infantil naquele fim de festa de 1 aninho do seu filho, tão alheio e exausto em seu colo quanto ela mesma.

Os adultos espalhavam-se empanturrados nas mesas onde jaziam sobras de risoles, quibes e coxinhas frias e sem emoção sobre guardanapos encharcados de óleo de soja transgênico; copos com restos de cerveja duvidosa que já chegaram quentes aguardavam nas mesinhas stand by por garçons exauridos “quase todos pretos”; bochechas vermelho-Ballentines, barrigas fenomenais estufando camisas polo listradas; maquiagens derretidas, scarpins “carcanhados”; bexigas murchas na piscina; cinquentões no pebolim, e a gritaria das poucas crianças lá fora entre o pula-pula e a piscina de bolas, que já a embalavam de novo rumo ao sono profundo, quando ouviu o chamado animado da vovó para a foto da família com o Baby Shark, depressa antes que o bebê caísse no sono. Chegou tropeçando na caixa de presentes cheia de brinquedos Estrela e mini camisas pólo listradas.

OLHA O PASSARINHOOOOOOOO! FLASH!

Uma curiosidade que guardava: ver impressa aquela foto. Não viu. Fugiu com o filho para nunca mais. E passa muito bem, obrigada.