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Sem bebidas alcoólicas, ressacas e fervos noturnos: abstinência é o novo hit

Essa mudança de comportamento é protagonizada por pessoas de um perfil bem distinto: brancas em geral, que frequentam as melhores academias com trajes Track&Field, e são orientadas por nutricionistas que prescrevem Whey

Publicado em 11 de maio de 2025 às 08:57

Abstinência é o novo hit
Abstinência é o novo hit Crédito: imagem gerada por IA

Tenho visto dezenas de artigos sobre uma notória mudança no comportamento de um público diverso - de adolescentes a maiores de 50 anos - que tem perdido o interesse por bebidas alcoólicas, ressacas e fervos noturnos.

Pesquisas apontam para um sem-fim de direções; psicanalistas explicam transtornos; a indústria inventa Tanqueray e Freixenet sem álcool; produtores promovem festas diurnas na hora do café da manhã; donos de boates decretam falência e os poucos inimigos do fim que ainda restam vagam órfãos noite adentro rogando por uma saideira à meia-noite do sábado antes que o boteco os despeje.

MAS VAMOS POR CLASSES

Que costume de pobre é diferente de costume de rico e classe média.

Na minha percepção, essa mudança de comportamento é protagonizada por pessoas de um perfil bem distinto: brancas em geral, que frequentam as melhores academias com trajes Track&Field, e são orientadas por nutricionistas que prescrevem Whey. Essas pessoas não querem fugir da realidade sintética das redes, elas gostam de pertencer àquilo e realmente precisam de um Iphone de última geração para manter o padrão de qualidade de sua imagem. Para isso seguem rigorosamente a cartilha do viver bem e melhor e por muito mais tempo. Elas percebem, e isso é bom, que o álcool e o desregramento acabam com a pessoa, que as envelhecem, que lhes rouba o viço, a energia, o brilho. E é claro que esse público diurno - da academia, da praia, da salada, do suco verde, do corpão - vai trocar fácil a balada noturna que compromete o sono da beleza (porque remam às 6h) por uma balada diurna, com bebidas sem álcool à base de cafés e matchás (e uma série de novos produtos bacanérrimos e oportunos - que eu amo, inclusive), na hora do café da manhã sem comprometer nem um tostão de sua vitalidade. Faça uma pesquisa na internet e veja se não é esse o público das festas sem álcool.

Já a pessoa pobre e preta, só quer que aquela balada sem graça de patricinha acabe logo que é pra ela finalizar o serviço em tempo de não perder o Sussuarana R2 das16h05 e passar no depósito para comprar 12 latinhas de Devassa para relaxar antes que comecem os pipoco' de facção no bairro. Vá dizer pra ela que álcool não faz bem que ela é capaz de taca-lhe uma voadora pelas venta'. Que mané ressaca, minha senhora? Ressaca é café, digo matchá, pequeno!

JUVENTUDE ABSTÊMIA

Várias pesquisas têm mostrado que boa parte dessa fatia dos abstêmios modernos é composta pelos jovens. É uma galera que tem medo de fazer besteira, correr perigo ou de serem associados a pessoas com transtornos - e também por influência de mães e pais - buscam uma vida e formas de socialização mais saudáveis, e acham chiquérrimo drinks sem álcool. Eu sei porque aqui em casa tem um desses.

Eu acho lindo. Quando vejo as pessoas começando a parar de beber, de fumar e de comer bicho, eu vejo, em alguma medida, um processo de evolução da raça humana.

NOITE VAZIA

Acontece que essas mudanças de comportamento impactam ainda mais no problema do esvaziamento da vida noturna. Sim, o esvaziamento da noite é um problema e eu vou dizer o porquê.

Salvador, desde que a conheço, e lá se vão 36 anos, nunca teve exatamente uma grande vocação para a boemia - talvez pelo fato de ser uma cidade marítima e solar -, mas havia muita vida noturna e muitos bares onde era possível, senão amanhecer o dia, quase isso. E em segurança. Da Pituba à Baixa CG (Carlos Gomes) eu me lembro de andar tranquilamente na alta madrugada. Já hoje parece que vivemos em clima de toque de recolher desde que a noite cai.

Além da violência e insegurança pública, os preços dos alimentos e bebidas nunca estiveram tão altos, e antes de sair a inevitável matemática da crise, vai logo fazendo as contas: pelo valor de duas garrafas de Heineken no barzinho, com uma porção de bolinhos, taxa, e Uber de ida e volta, ela compra um pacote de 12 latinhas e tira-gosto “até umas zora” sem correr perigo de vida dentro de sua casa. Como é que sai?

AÍ QUE MORA O PERIGO

A noite sempre foi revolucionária porque promove a alegria; une e reúne as pessoas em torno das artes libertadoras e das filosofias de mesas de bar, onde molhamos a palavra seca e desembaraçamos os pensamentos. Eles não gostam disso.

Quando as pessoas deixam de se relacionar nos espaços públicos para encerrarem-se em grupos fechados ou em suas casas, fatalmente rolando os feeds das redes sociais e consumindo avidamente conteúdo de streaming, as big techs e sistemas de controle de massa agradecem e cozinham os nossos miolos.

Katia Najara é cozinheira livre, consultora e gestora executiva em projetos gastronômicos @katia_najara