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Malu Fontes
Publicado em 25 de dezembro de 2017 às 09:44
- Atualizado há um ano
Não deixa de ser muito curioso vermos o que ontem era o óbvio do óbvio do óbvio sendo transformado em textões que, de tão grandes, ninguém lê em rede social e que passarão de hashtags para teses literalmente acadêmicas. Não é outra coisa senão uma ressignificação do que antes já foi óbvio a chuva de elogios ao clipe da funkeira carioca Anitta, chamada por alguns de a funkeira adestrada, cujo lançamento quebrou a internet, não pela música, mas pela estética do clipe e pela performance corporal da cantora.
Na década de 90, se dava o debut de Carla Perez rebolando na tela do Fantástico e ela transformava-se em um ícone da gostosura da mulher brasileira. A coreografia e as curvas de Carla eram elogiadíssimas na época, mas quase que exclusivamente pelos homens. Para a época, seu rebolado e sua bunda eram tidos pelas feministas como uma típica alienação ao machismo e ao patriarcado. Agora, Anitta entra em 2018 como a diva do pop brasileiro que lacra contra o machismo branco e opressor, por ser dona do seu corpo e ter o direito de fazer dele o que quiser, incluindo usar a bunda para sensualizar. E todo mundo aplaude a mulher empoderada.
Celulites Traduzindo em realidade, vamos combinar que, na prática, entre Carla Perez e Anitta, pouca coisa mudou na forma como os homens brasileiros tratam suas mulheres. Os últimos episódios de homens, namorados, maridos ou ex-qualquer dessas coisas que mataram mulheres, aqui bem perto ou país afora, infelizmente só comprovam a manutenção do machismo, apesar das novas teorias e dos novos conceitos, apesar da instituição do feminicídio como tipologia de crime, apesar de todo o empoderamento feminino. Já quanto à linguagem e aos modos de nomeação dos fenômenos, a mudança entre os anos 90 e hoje foi radical.
E é exatamente essa mudança nos modos de nomeação dos fenômenos que explica o fato de feministas com currículo acadêmico do tamanho do velho testamento escreverem textos laudatórios e cheios de palavras desconhecidas até há pouco dizendo o quanto Anitta é feminista. Ressaltam o quanto o clipe bombado “Vai Malandra” é um hino feminista, o quanto a bunda rebolativa de Anitta representa o leite derramado na cara dos caretas e o quanto suas celulites são o triunfo do corpo natural feminino contra o machismo branco opressor que exige obediência a padrões de beleza corporal inatingíveis.
Plástica Como apostos, dois detalhes a serem reiterados quanto a Anitta e à estética de “Vai malandra”. O primeiro: se há alguém que não empunha bandeira alguma contra corpo natural é Anitta. Ao contrário: com pouco mais de incríveis 20 anos nunca escondeu de ninguém as intervenções cirúrgicas que já fez para mudar de aparência. Seus lábios e seu nariz são clássicos da cirurgia plástica precoce. O segundo: que o machismo é opressor ao ponto de matar, ninguém duvida. Mas quando se trata de celulite no corpo feminino, a ausência dela costuma ser uma cobrança muito mais manifestada pelas mulheres que pelos homens. Mas, como marketing, dizer que rebolar a bunda exibindo celulite é vanguardista, inovador e feminista cola que é uma beleza. E, se é assim, não vamos negar o valor político do derrière de Carla Perez. Ok, diferentemente dela, Anitta canta. Mas quem presta atenção a esse detalhe no clipe?
*Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Facom/UFBA