As quatro instituições da origem da cidade

Quando da chegada de Thomé de Souza em Salvador, foram criados o governo central, a Câmara Municipal, a Igreja Católica e a Santa Casa de Misericórdia da Bahia

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  • Nelson Cadena

Publicado em 28 de março de 2024 às 05:00

Quando da chegada de Thomé de Souza em Salvador, já faz 475 anos, quatro instituições foram criadas: governo central, que deixou de ter essa característica quando da transferência da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, para ser regional; Câmara Municipal; Igreja Católica, se não instituída oficialmente, representada pelos seis jesuítas que vieram com o governador; e a Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

Alguns historiadores queimaram em vão as sobrancelhas na controvérsia sobre a criação da Santa Casa que atribuíam em datas diferentes a de 1549, cogitava-se, 1551 e 52. E até o local de implantação chegou a ser questionado. A Santa Casa da Bahia, de fato, é contemporânea da fundação da cidade. A prova é que, em julho de 1549, no seu testamento, o marinheiro Estevão Fernandez de Tavora, falecido pelas inclemências do inverno, deixou um legado de 1800 reis em mercadorias que tinha a receber do erário para a Misericórdia.

Ainda em 1549, o meirinho João Lopez, o bombardeiro Pero Gonçalves e o grumete Antônio, tripulantes da nau Conceição, contribuíram compulsoriamente com a Santa Casa, por ordem do poder público, como punição por faltas disciplinares cometidas. Valores em alimentos e roupas do soldo a receber do governo, não se tinha numerário em espécie, naqueles primórdios citadinos. Se fosse hoje, o trabalhador receberia uma recarga do celular, um talão de vale metrô, vales Big-Mac e uma caixa de cerveja. Pagava-se em mercadorias naqueles idos e era o suficiente.

A Santa Casa da Bahia é a única instituição privada daqueles primórdios da cidade, excluídos governo e legislativo e os representantes da igreja que não era instituição oficial, não tinha sido instituído o bispado ainda. Sobreviveu de doações e em especial de legados de pessoas falecidas, de pequena monta como os referidos e alguns bem expressivos. A invasão holandesa de 1624 destruiu toda a documentação referente a esses legados de maior vulto, mas, quando se trata de dinheiro, a memória do ser humano faz milagres e foi assim que a Santa Casa, ouvindo um aqui, outro acolá, conseguiu recuperar essa relação.

Abriu-se um livro contábil mais detalhado do que o desaparecido, especificando data e finalidade dos legados. Os recuperados de memória somaram 10,4 contos de reis, dentre os quais o do primeiro provedor Diogo Muniz Barreto, que aportou 200 mil reais. O maior montante, correspondente a 3,4 contos de reis, veio de Mércia Rodrigues, esposa de Garcia D’ Avila e esse dinheiro financiou a construção de imóveis em terrenos doados por Simão da Gama e Andrade à Santa Casa. Outras contribuições significativas, anteriores à invasão dos batavos, foram as do provedor da Fazenda Real, Baltazar Ferraz, em 1591 e a do padre Francisco de Araújo, ambas de 1,2 contos de réis.

Após a expulsão dos holandeses e ao longo do século XVII a instituição recebeu 84,9 contos de réis, em moeda corrente, casas, fazendas, escravos, gado e até dívidas de terceiros que o jurídico da instituição cobrava na justiça. E no início do século XVIII, o rico potentado João Mattos de Aguiar legou 217,1 contos de réis. Requereu como parte de sua doação, divisor de águas nas finanças da instituição, onze mil missas a seu favor, na intenção de expiar os pecados. Desnecessário. Não sabia que “Não existe pecado do lado de baixo do Equador”.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras