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Publicado em 27 de abril de 2025 às 05:00
Jorge Mario Bergoglio foi arcebispo de Buenos Aires antes de se tornar papa, em 13 de março de 2013. Com ele, a Igreja católica teve, pela primeira vez, um pontífice romano oriundo do continente americano. Foi também o primeiro jesuíta a ser eleito papa. Mas a sua eleição não despertou apenas um sentimento de júbilo no seio daquela congregação religiosa. Bergoglio ainda era visto com desconfiança por setores jesuítas que suspeitaram de que, como provincial (responsável) da Companhia de Jesus na Argentina, ele não havia feito o necessário para proteger aos padres Orlando Yorio e Ferenc Jalics, sequestrados e torturados pela ditadura argentina, em 1976. >
Sua eleição ao pontificado ocorreu em momento de grave crise na Igreja católica. Em boa medida, a renúncia de Bento XVI havia sido motivada por sua incapacidade de enfrentar as denúncias de corrupção e de abusos sexuais que pesavam contra membros da cúria e do episcopado em diversas partes do mundo. Em um artigo sobre a crise da Igreja e a eleição do novo papa, publicado em 2013, o sociólogo argentino, Fortunato Mallimaci, afirmava que aquela renúncia era o signo visível da crise profunda do catolicismo romano, bem como do fracasso de um modelo simbólico e institucional comprometido com a centralização e manutenção do poder após os estremecimentos causados pelo Concílio Vaticano II. >
A Bergoglio, que como arcebispo de Buenos Aires havia sanado os problemas financeiros da sua arquidiocese, caberia a tarefa de melhorar a situação das finanças do Vaticano e oferecer uma resposta à sociedade a respeito dos escândalos financeiros e sexuais que, no mais das vezes, contaram com o silêncio conivente de autoridades eclesiásticas. Mais do que isso, competiria a ele propor saídas para a crise de um modelo de Igreja em descompasso com o tempo do mundo. >
A escolha do nome foi um bom indicativo do que estava por vir. Difícil encontrar no panteão dos santos católicos algum que combine menos com a riqueza e fausto da cúria romana do que Francisco. Mais do que palavras, Francisco, o papa, mostrou por ações cotidianas – habitar em uma suíte da casa Santa Marta e não no palácio apostólico, carregar sua própria mala de mão – que não se dobraria ao tratamento principesco reservado aos pontífices romanos. Mas não foi só na simplicidade do viver que o papa se aproximou do exemplo de Francisco. >
Na encíclica Laudato si’ (2015), Francisco se dirige a toda a humanidade para propor uma reflexão “sobre o cuidado da casa comum”. Face à emergência climática, muitos tomaram consciência dos impactos ecológicos no antropoceno e vêm lutando contra importantes atores globais que se opõem a todo e qualquer compromisso real com políticas ambientais voltadas à redução dos danos causados ao planeta pela atividade humana. Em sua reflexão, o papa lembra de São Francisco de Assis enquanto exemplo “por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral”. E aponta como no santo “são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior”. >
Francisco continuou sua reflexão sobre a casa comum e seus habitantes na encíclica Fratelli tutti (2020), propondo, como disse Leonardo Boff, uma revolução paradigmática, substituindo o reino do Dominus (onde o ser humano é Dono/Senhor) pelo do Frater (do irmão, da fraternidade universal e da amizade social). Sinal dos novos tempos, o papa ao propor uma nova cultura de respeito às diferenças cita Vinícius de Morais: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. >
Nesta despedida daquele que buscou promover um reencontro da Igreja com o mundo contemporâneo em toda a sua diversidade, nós, habitantes da casa comum, esperamos que a vida, em sua arte, encontre outro Francisco para ajudar na busca de paz e bem. >
Evergton Sales Souza é Professor Titular do Departamento de História da Ufba>