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Paulo Sales
Publicado em 13 de janeiro de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Acaricio Pudim, nosso cachorrinho de apenas dois meses de vida. Pequeno e vulnerável, ele é totalmente dependente da nossa boa vontade e atenção: precisa de água, comida, vacina, carinho, cuidado. Pudim é um privilegiado, um lindo cão da raça Yorkshire, esperto e brincalhão, que foi bem tratado desde o nascimento, assim como sua mãe e seus irmãos. Enquanto observo suas brincadeiras pela casa, penso nos animais que não tiveram destino semelhante e lutam para sobreviver em ambientes hostis. Como o cachorrinho sem patas dianteiras abandonado semana passada no Rio Grande do Sul. Ou o coala desesperado e sedento fugindo das labaredas na Austrália, onde milhões de animais já foram mortos pelo fogo.>
Por mais dolorosos que sejam, esses dois casos não dão conta da extensão dos estragos causados pelo homem às demais espécies do planeta, a começar pelos maus-tratos contra animais domésticos. São muitos os exemplos, que obedecem às mais diversas “necessidades”. Desde experiências aviltantes com macacos e cães para a indústria cosmética até a linha de montagem que extermina todos os dias milhares de bois, porcos e frangos para consumo. Passando pela caça de focas e visons para transformar suas peles em casacos, a devastação ambiental que destrói o habitat de milhares de espécies, o extermínio de gigantes como elefantes e rinocerontes para a retirada de marfim e queratina e a caça “esportiva”, que assassina alguns dos mais belos exemplares já produzidos pela natureza.>
Se alguns casos acima se justificam em parte diante do que se tornou a civilização, outros são apenas amostras da nossa bestialidade. Mata-se muitas vezes sem pretexto, sem objetivo, sem sentido, já que apertar um gatilho é quase tão fácil quanto dar um peteleco numa formiga que sobe no nosso braço. Era isso o que faziam os viajantes de trem nos Estados Unidos do século 19, ao atirar por diversão em bisões enormes que ocupavam pradarias a perder de vista. É isso o que ainda fazem os caçadores de gorilas no Quênia, dizimando populações inteiras da espécie. Alguém já viu a imagem de um gorila acariciando sua cria? Ou o seu olhar contemplando o vazio? Somos nós ali, apenas sem a capacidade de despejar opiniões inúteis ou fuçar redes sociais alheias.>
É como se destruíssemos seres humanos. Mas não é isso que já fazemos, corriqueiramente? A imagem que me vem à mente é a de Ralph Fiennes no papel do nazista Amon Goeth em A Lista de Schindler, atirando a esmo em homens e mulheres espalhados pelo campo de concentração. Mas não precisamos ir tão longe no tempo, no espaço ou na ficção: na semana passada indivíduos atearam fogo num morador de rua que dormia na calçada em São Paulo. O morador morreu. O que justifica tamanha aberração? “O horror, o horror”, como disse Kurtz em Apocalypse Now.>
A mim, restam apenas a perplexidade e a impotência diante desse horror. E a constatação de que preciso cuidar ainda mais e melhor de quem está ao meu lado. Seja gente ou seja bicho.>