Artigo

Sobre Captura, Sobre Cérebros

O positivismo tóxico impõe baixa tolerância ao negativo, daí a forja, a gênese, de jovens com espíritos frágeis

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  • Matheus Oliva

Publicado em 31 de dezembro de 2023 às 15:25

Viver é batalhar. Balela o positivismo tóxico e epidêmico vigente nas redes sociais, o culto à felicidade constante, ao sucesso inexorável, aos elevados padrões estéticos e materiais. Errada a supressão das muitas e necessárias emoções negativas, fundamental conhecê-las, entendê-las e absorvê-las. O aprender com os erros e fracassos. O positivismo tóxico impõe baixa tolerância ao negativo, daí a forja, a gênese, de jovens com espíritos frágeis. Geração despreparada para a vida adulta. Nascidos com um celular à mão, integrado aos olhos, comandante do cérebro. Não sabem o que é batalhar pela liberdade e a realização. A liberdade que só o conhecimento proporciona. A realização que só o auto-sustento permite. Uma visão de mundo míope, um perigo humanitário. O foco de 4, 5, 6 horas por dia em vídeos aleatórios de 30 segundos. O que virá daí? Cérebros avançados capazes de absorver informações e conhecimento de maneira extraordinariamente veloz ou cérebros condicionados a não raciocinarem nem interpretarem? Estão em liberdade ou aprisionados?

Atos suicidas estão comprovadamente em proporções crescentes, estudos científicos correlacionam os dois fenômenos. O surgimento dos celulares integrados em redes sociais e a incapacidade de suportar a própria existência, negando-se a viver, enredados em ilusões produzidas para cacifar com as atenções viciadas de usuários. Ignorar ou invalidar as experiências e emoções negativas nutrem covardia, medo, auto-engano, incompreensão do mundo, depressão e desespero. Enredo preocupante de um clichê contemporâneo.

A vida nunca será fácil. Junto à respiração, o choro é a primeira expressão do ser humano ao ser expelido do conforto uterino. Antes de abrir os olhos, a criança berra indefesa, começou a batalha da misteriosa e maravilhosa existência. Ninguém pode dizer que será um mar de rosas, que será fácil. Dizê-lo é falsear o futuro, é iludir o incauto, é como a promessa populista de melhores dias sem que os mesmo surjam até o ocaso da vida esperançada em uma inexistente felicidade perene.

As lutas e as dificuldades da vida são companheiras das pessoas batalhadoras, das persistentes, das conquistadoras, dos espíritos virtuosos, empreendedores, incansáveis, determinados. Sabedores dos dissabores e resistentes a eles, física e psiquicamente.

O fenômeno das redes sociais é global, atinge mormente a maior nação livre e desenvolvida do mundo com cerca de 74 milhões de habitantes nascidos entre 1995 e 2012. No Oriente, a maior nação autocrática do mundo tenta restringir com tacape a utilização das telas pelos jovens, para não se desorientarem. Na França, escolas já são obrigadas por lei a restringir o uso dos celulares em suas dependências. No Brasil, jovens de todos espectros sociais são seduzidos e capturados pelo positivismo tóxico, pela efemeridade dos relacionamentos, pelo narcisismo comparativo das redes sociais. Atuar é necessário. Resgatar valores humanos, relacionamentos pessoais, conversas, risadas, apoio, solidariedade, choros, compreensão do luto, da dor da perda, da fatalidade, compreensão das virtudes, do que é certo, do que é errado, do que pode e do que não pode. Das leis da natureza, a voracidade dos predadores, a fragilidade das presas. Saber atacar a vida, saber se proteger da vida. A batalha pelo peixe, pelo alimento é laboriosa, é preciso conhecimento, dedicação, disciplina e paciência para tecer a trama da tarrafa da vida. É preciso habilidade, força e experiência para jogar a rede, enredar o peixe para sobreviver. O perigo é ser enredado pelas redes sociais, as tarrafas algorítmicas lançadas para pescar cardumes de jovens. Cabe aos mais experientes desenredá-los enquanto é tempo.

A vida é maravilhosa, não é fácil. Que 2024 você possa vencer todas as batalhas apresentadas em seu caminho e possa sobretudo suportar e compreender as agruras que certamente acontecerão. Gratidão por ler em 2023.