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Sonho de ser pai

Ser pai não é só doar seu DNA: se fosse assim, aquele holandês dos mil filhos seria o melhor pai do mundo. É dar amor e presença, cuidar, criar, conhecer. O resto é arremedo

  • M
  • Mariana Paiva

Publicado em 4 de agosto de 2024 às 10:13

Conheci esses dias uma moça que disse: meu marido sonha em ser pai. Foi rindo que ela me contou a resposta que deu a ele: "Eu também, meu sonho é ser pai". Não disse mais nada, e nem precisa: a gente entende bem do que essa moça tá falando. Quantos homens devem suas carreiras inteiras às mulheres que cuidaram de seus filhos e filhas?

Dividimos salas de aula, reuniões de trabalho e outras vizinhanças com homens que são pais e que nem parecem. Onde anda uma mãe tem geralmente um celular com notificação ativada, pro caso de uma emergência, um pingente, uma tatuagem de nome, alguma pista. Você olha pra um pai e não sabe dizer que ele é um pai: muitas vezes não há sinais.

E sim, antes que comece o mimimi de "nem todo pai, porque eu não sou assim", a gente sabe que toda regra tem suas exceções, e ainda bem. Relaxe então que esse papo não é com você. Mas pode ser com alguém próximo, então fique aqui. Por mais que a coisa tenha melhorado, os pais ainda precisam comer muito feijão com arroz pra valer meia mãe que seja.

Uma amiga que é mãe solo me contou que tem um colega que é pai de quatro crianças, uma de cada mãe. Os plantões no trabalho ele dá como se não houvesse amanhã, de boa. Quatro crianças. Como vão e voltam da escola, quem faz a merenda? Com quem fazem o dever de casa, quem aprende matemática pra poder ensinar, quem leva no médico pra tomar vacina, quem leva na emergência se cair na escola? Quem penteia e amarra o cabelo da menina? A mãe. Ou melhor, nesse caso do senhor super fértil, as mães.

Mulheres que tantas vezes não têm rede de apoio para serem mães, e que exercem uma maternidade solitária. Em casa, nas famílias, nos trabalhos. Em empregos que marcam reuniões para a hora de colocar a criança pra dormir, no contraturno, às vezes no único tempo livre que aquela mãe tem pra estar com o filho. Tudo porque, verdade seja dita, quem tem rede de apoio é o pai. A mãe segurando as pontas, mandando crianças saudáveis e educadas para a escola, comprando presentes pros aniversários dos amiguinhos, dizendo não, botando limites, levando no médico, fazendo a parte dura que se chama dia a dia. Tem suas exceções? É claro que sim. Mas não é delas que falamos aqui.

Ou vocês nunca viram um homem "sufocado" quando um bebê nasce, espairecendo na rua, enquanto a mulher está em casa sem dormir, sem tomar banho e sem comer direito, tentando descobrir por que o neném tá chorando? Um clássico, mas é claro que isso a rede social não conta: segundo ela, todo pai é mais onipresente que Peppa Pig. O clássico "bonitinho, mas ordinário".

Talvez dê pra contar também a história de um pai que pressionou a companheira a ter filhos, porque é mais velho que ela, e quando a criança nasceu, interrompeu um almoço dela pra avisar que a bebê tinha feito. Perguntado se não podia limpar só daquela vez, ele respondeu: "Você sabe que eu não gosto de cocô". E quem é que gosta, alecrim dourado? A mãe?

Carreiras que crescem a olhos vistos, enquanto outras vão ficando para trás: parece escolha, mas não é. Podia ser responsabilidade compartilhada, todo mundo crescendo junto. Mas olhe aí ao redor: o que tem de pai cheio de mestrado e pós-graduação e mãe que mal teve tempo de estudar não tá escrito. É que alguém tem que cuidar da criança. Nisso vai tempo, muito tempo, e nem precisa ser bom de matemática pra saber que dividido por dois ficava bem mais leve.

Assim caminha a humanidade: fazendo festa de dia dos pais na escola, cantando musiquinha chamando de herói, botando gravatinha nas crianças. Celebrando quem mal sabe se o filho tá com as vacinas em dia, quem não conhece as amizades da filha, quem nunca prestou de fato atenção naquela pessoinha que colocou no mundo. Que tá ali seguindo o fluxo dos antepassados, de não "deixar faltar nada", frase que sempre se refere a bens materiais. Isso quando paga (taí um bando de ação de pensão alimentícia na justiça que não me deixa mentir).

Ser pai não é só doar seu DNA: se fosse assim, aquele holandês dos mil filhos seria o melhor pai do mundo. É dar amor e presença, cuidar, criar, conhecer. O resto é arremedo.

Mariana Paiva é escritora, palestrante, consultora em Pessoas e Diversidade na Awá Cultura e Gente, head de DE&I no RS Advogados e doutora pela Unicamp