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Victor Uchôa: sofrência ampla, geral e irrestrita

  • D
  • Da Redação

Publicado em 10 de janeiro de 2015 às 03:36

 - Atualizado há 2 anos

Caro leitor ou bela leitora, permita-me fazer um relato daquilo que ninguém me contou - eu vi e ouvi, nesta cidade onde todo mundo é d’Oxum. Escadaria do Paço lotada, Ladeira do Carmo idem, Verão transbordando do povaréu e eis que Gerônimo, ele mesmo - o homem, o mito -, entre clássicos como Jubiabá e Kirica na Buçanha, interpreta Pecado de Amor. Pecado de Amor, para os não iniciados, é um desses perfurantes sucessos de Pablo, ele mesmo – o homem, o agudo.Se Gerônimo rendeu-se à sofrência e caiu no arrocha, podemos todos concluir que, desde a primeira terça-feira do ano da graça de 2015 – e até o dia em que se prove o contrário -, tudo é permitido nesta terra (quase) sem lei.  

Sofrência, alguém me ensinou, é a fusão de sofrimento com carência. Naquela terça-feira de Centro Histórico abarrotado, ninguém parecia estar sofrendo muito. Mas, quando soaram os acordes e Gerônimo, auxiliado por sua backing vocal, entoou o “Me deixa aqui com a cabeça cheia de problemas, vou me resolver”, quase todos os viventes que se equilibravam sobre degraus ou paralelepípedos cerraram o punho, fecharam os olhos, ritmaram o quadril em W e prepararam o espírito para, aos berros, chegar junto no refrão: “Não vou mais te enganar, eu não sou a pessoa que você tanto sonhou. Que nem em conto de fadas, com final feliz que você tanto imaginou. Se é certo ou errado, pago as consequências, posso ser julgado... Por um pecado de amor”.

No clímax da sequência, todos os presentes parecem recordar um amor antigo. Até os bem casados ou enamorados puxam do baú da memória uma questão mal resolvida, uma paixão que seria eterna e se perdeu num sopro, uma relação encerrada sem quê nem pra quê, sem justificativa ou motivo aparente. Acabou.

Ponto.

Foi exatamente nesse momento, no auge da febre passional cantada em coro, que um cidadão próximo a mim ergueu o copo plástico cheio de cerveja, chamou um amigo para o brinde e, estremecendo a voz, deu vazão a seu pecado de amor particular: “O Bahia me acaba, vei”.Testemunha acidental da cena, não pude conter o riso. O cara, óbvio, percebeu. Com a expressão resignada de quem se vê flagrado em ato confessional, ergueu o copo de novo e direcionou pra mim, como quem propunha um novo brinde. Correspondido, seguiu filosofando: “Tá rindo né, vei? Mas é isso mermo. Só mulher e o Bahia é que ‘me mata’ (sic). O resto é resto, vá por mim!” - e bebeu de gute-gute.

As desilusões amorosas que o Bahia (e o Vitória) tem proporcionado a seus amantes são bastante conhecidas e, como vêm uma atrás da outra, já há muito torcedor calejado por aí, superando os traumas com alguma serenidade. Acontece que, pelo jeito, esse não era o caso do rapaz com quem topei no Carmo. Nele, a dor do rebaixamento à Série B parece ainda latejar e, baseado nas declarações do próprio, pode-se até supor que o sofrimento esportivo anda potencializado por alguma carência amorosa. Logo, sofrência.

Isto é apenas hipótese, que fique claro, mas se serve de consolo, o camarada devia aproveitar que não tem nenhum jogo oficial em janeiro e tentar sanar a parcela, digamos, humana da sofrência. Cidade movimentada, festas cheias, (quase) todo mundo procurando história e aí, já viu, quando vale três pontos não existe gol feio - feio é não fazer gol.

Quanto à parcela desportiva da sofrência, só posso dar uma sugestão: deixar pra lá enquanto o calendário permite. Melhor poupar aflição pra quando os times entrarem em campo, afinal, por mais que tentemos largar de mão, voltamos atrás. Podemos ser julgados: é pecado de amor mesmo.