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Da Redação
Publicado em 3 de agosto de 2020 às 09:26
- Atualizado há 2 anos
O Brasil começou a registrar casos de uma síndrome rara que atinge crianças com covid-19. Um desses episódios ocorreu com a pequena Alice de 3 anos, no último 2 de julho quando ela acordou com manchas pelo corpo e febre.>
Os pediatras, por conta dos sintomas, rechaçaram a possibilidade de ser covid-19. “Nem me passou pela cabeça que pudesse ser o novo coronavírus por conta de todos os cuidados que estávamos tomando”, disse, ao Estadão, a mãe da menina, que preferiu não se identificar. “E a própria médica também não achou que fosse. Mesmo assim, resolveu pedir um exame PCR, que deu negativo.”>
A mãe da Alice não pôde aderir ao home office e continuava indo ao trabalho diariamente. Mesmo assim ela seguida todas as medidas de segurança, como uso de máscara e de álcool gel. Já o pai da Alice ficou em home office, isolado com a filha. >
Nenhum dos dois apresentou sintoma da doença e, por isso mesmo, acharam normal quando o PCR da filha deu negativo. Mas o estado de saúde da menina começou a se agravar, sem que ninguém conseguisse chegar a um diagnóstico. Também surgiram outros sintomas incomuns, como olhos vermelhos, barriga inchada, pés e mãos descamando e febre intermitente.>
No sétimo dia consecutivo de febre, um exame de sangue revelou uma inflamação generalizada e Alice foi internada na UTI pediátrica de um hospital particular da zona oeste do Rio de Janeiro. Ela tinha uma síndrome inflamatória rara ligada à infecção pelo novo coronavírus.>
São poucas as crianças que se infectam com covid-19, representando apenas 3,5% dos casos registrados no país. Essa faixa etária é a menos afetada e a grande maioria das ocorrências é muito branda. Ainda assim, um pequeno número tem problemas sérios relacionados à infecção. Esses casos muito graves que, invariavelmente, acabam nas UTIs são provocados pela recém-descrita Síndrome Multissistêmica Inflamatória Pediátrica (SMIP).>
Trata-se de uma reação inflamatória grave que só acomete crianças e está associada a uma resposta tardia ao Sars-CoV-2. Até agora, foram descobertos pouco mais de 200 casos no mundo. >
“A síndrome não ocorre na fase aguda da covid-19. Em geral, aparece depois e pode ocorrer mesmo em crianças que apresentaram um quadro brando da doença”, explicou ao Estadão a pediatra Tania Petraglia, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj).>
As manifestações raras da doença em crianças não foram observadas na China, onde a epidemia surgiu, no fim do no passado. Foi só em abril que médicos do Reino Unido relataram os primeiros casos. Em maio, a Sociedade Brasileira de Pediatria emitiu nota de alerta sobre a síndrome e seus riscos.>
No Brasil, ainda não há números oficiais sobre a doença, mas os pediatras confirmam a ocorrência de casos como o de Alice. Somente na UTI Pediátrica do Hospital Pedro Ernesto, no Rio, referência para o tratamento da covid-19, já foram atendidas oito crianças. Já o hospital onde Alice ficou internada registrou outros dois casos.>
Os relatos indicam a apresentação de um quadro muito parecido com o da raríssima Síndrome de Kawasaki, uma inflamação sistêmica de causa desconhecida, mais comum na Ásia. Entre os sintomas mais frequentes, febre, conjuntivite, manchas no corpo, vermelhidão na sola dos pés e na palma das mãos. A principal complicação é a ocorrência de aneurismas na artéria coronária. Se não for tratada adequadamente, a doença pode levar à morte.>
Os especialistas não sabem por que a síndrome só ocorre em crianças, nem por que acomete algumas e poupa outras. Um grande estudo do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA está no início e vai acompanhar 6 mil crianças para tentar chegar a algumas respostas.>
Alice ficou quatro dias internada e, por 24 horas ininterruptas, ela recebeu infusão de imunoglobulina (anticorpos que agem neutralizando o patógeno). Ela também teve os sinais vitais monitorados a cada 15 minutos.>
A infusão, que previne aneurismas coronarianos, é o tratamento padrão para a síndrome de Kawasaki. Ele vem sendo usado também nessas complicações em crianças pós-covid, juntamente com corticoides (anti-inflamatórios).>
Alice chegou a ter febre de 40 graus, mas, depois, a inflamação cedeu, sem comprometer o coração. “Mesmo assim, nos próximos dois meses, ela vai fazer exames frequentes e, depois, uma vez por ano”, disse a mãe da menina. “Foi um susto, mas acho importante falar para que as pessoas fiquem atentas.>