Três produções baianas concorrem a prêmio principal na Mostra Tiradentes

Evento acontecerá na internet, de sexta-feira (22) até dia 30. Baianos se destacam na Mostra Aurora

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  • Roberto Midlej

Publicado em 21 de janeiro de 2021 às 09:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: fotos: divulgação

Mais um festival de cinema ganha versão digital, em razão da pandemia: começa nesta sexta-feira (22), às 20h, a Mostra de Cinema Tiradentes, que chega à 24ª edição. E os baianos têm muito a celebrar: na Mostra Aurora, que integra o evento mineiro, há duas produções locais concorrendo entre as sete indicadas: Açucena, de Isaac Donato, e Rosa Tirana, de Rogério Sagui. Além disso, há um longa-metragem com produção dividida entre Minas Gerais e Bahia: Eu, Empresa, de Leon Sampaio e Marcus Curvelo. Toda a programação estará disponível gratuitamente no site mostratiradentes.com.br.

A Mostra Aurora é uma das mais esperadas do festival, já que reúne cineastas ainda em início de carreira, que estejam realizando no máximo seu terceiro longa-metragem. Além disso, as produções desta seção devem ser inéditas no circuito de festivais.

O cineasta Isaac Donato, 43 anos, celebra seu retorno ao evento: “Participei em 2007 com um curta-metragem, Visita Íntima: Revista Corporal. Para participar da Tiradentes, é preciso ter uma certa relevância e fico feliz com esta volta depois de 13 anos”, conta. Açucena Açucena, o longa do diretor, está oficialmente classificado como documentário, mas Isaac acredita que se trata de um híbrido entre documentário e suspense. O filme mostra uma mulher de 67 anos que todos os anos comemora seu sétimo aniversário.

A personagem real é uma moradora da Região Metropolitana de Salvador e Isaac conheceu a história dela através de Marília Cunha, que divide o roteiro com ele. Marília, que também é coprodutora de Açucena, estava desenvolvendo um projeto audiovisual voltado para questões da mulher e de patrimônio imaterial quando conheceu a história da protagonista.

“É uma história muito marcada pela invenção do tempo e isso nos chamou a atenção porque esse é um tempo de volta ao passado, um tempo de se rememorar a infância e de se resgatar a boa convivência”, diz Isaac. A festa segue os desejos de uma menina de sete anos, com direito à presença das amigas - também sexagenárias - que levam bonecas de presente para a aniversariante. Há ainda algumas crianças presentes na comemoração. Rosa Tirana Isaac explica por que considera o filme um suspense: “O espectador vai se fazer muitas perguntas enquanto assiste: será que o bolo vai ficar pronto a tempo?; será que os vestidos das convidadas vão ficar prontos?; será que as amigas vão mesmo chegar com as bonecas?”.

Milagre no Sertão Outro concorrente baiano, a ficção Rosa Tirana, conta a história de uma menina de dez anos que, inconformada com a seca de cinco anos no sertão, decide peregrinar em busca de Nossa Senhora Imaculada para pedir o milagre da chuva.

A produção é independente e, segundo o diretor Rogério Sagui, custou em torno de R$ 50 mil. “Arrecadamos o valor através de rifas e da colaboração da comunidade”, diz Rogério, que se revela muito promissor em seu primeiro longa. Trinta voluntários estiveram no set. As filmagens aconteceram na zona rural de Poções, no interior baiano. 

A produção, apesar de modestíssima, tem uma qualidade técnica impressionante, com destaque para a belíssima fotografia e a trilha sonora original, gravada por Elba Ramalho. Detalhe: a composição é do próprio diretor em parceria com Binho Sá.

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E há ainda a participação especialíssima de José Dumont, um dos melhores atores do país. “Mandei o roteiro por outra pessoa e não acreditei que fosse realmente chegar a ele. Mas um dia ele me ligou e disse que tinha gostado do roteiro e queria fazer o filme. Perguntei sobre o cachê, mas ele disse que não devia me preocupar com isso”, diz Rogério, sem esconder a excitação digna de um iniciante que trabalha com um ídolo de infância. Eu, Empresa O terceiro longa baiano é Eu, Empresa, uma coprodução com Minas. O filme promove um jogo entre performance, ficção e documentário para tratar da precarização do mercado audiovisual brasileiro, marcado agora pelo esvaziamento de órgãos de fomento à cultura. José Dumont, em Rosa Tirana

ENTREVISTA

José Dumont é destaque em Rosa Tirana, que custou R$ 50 mil

O paraibano José Dumont tem 70 anos de idade e estreou no cinema em 1977, nos filmes Morte e Vida Severina e Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia. Já realizou mais de 90 filmes, novelas ou séries. Atuou na primeira temporada da série Segunda Chamada e está no elenco da próxima novela das seis, Nos Tempos do Imperador, que teve as gravações interrrompidas por causa da pandemia. Nesta conversa com o CORREIO, Dumont fala sobre Rosa Tirana, em que ele interpreta o avô da protagonista, uma menina que sai pelo sertão em busca de Nossa Senhora.

Você é um ator já consagrado, mas aceitou ir ao sertão para trabalhar num filme de baixíssimo orçamento, de um cineasta estreante. O que o atraiu no papel? Rogério [Sagui, o diretor], através de uma amiga, mandou o roteiro para uma sobrinha minha e ela mandou pra mim. Ela me disse 'gostei tanto desse rapaz'. Aí, eu liguei pra ele e conversamos. Vi poesia naquela história, que tem a beleza do cordel. Mas não é aquela coisa do folclore pelo folclore. Rogério dá tratamento poético que reflete a maneira dele ser e de existir. Acabamos ficando amigos e conversamos sobre muitas coisas.

Como foi contracenar com Kiara Rocha, que interpreta sua neta? Rogério não escolheu Kiara à toa. É uma belíssima atriz, linda de morrer, um talento enorme. Ele olhou para ela e viu: “é a Rosa!”. Kiara personifica a dor da personagem, é tudo sob o olhar dela. Se você observar, Rosa não dá uma passo atrás, né? Ela vai sempre em frente. Então você recupera toda a mitologia que nós tínhamos desde Maria Bonita. Além disso, o caminho da fé está dentro dela. José Dumont, em Nos Tempo do Imperador, próxima novela das seis Muita gente trabalhou como voluntária no filme. O que achou disso? Todos que foram trabalhar lá foram pela amizade, foram por Rogério e aí devemos ao povo de Poções, que foi de uma gratidão enorme ao fazer esse filme. As pessoas sabiam que não havia dinheiro, que havia poucas condições. Mas mesmo assim, quando havia uma emergência, as pessoas davam um jeito.

Você se envolveu no filme e acabou convidando Elba Ramalho para cantar a trilha, não foi? Cheguei a Elba através de minha advogada, que a conhece. E já havia trabalhado com Elba em Morte e Vida Severina. Elba também carrega o sertão dentro dela, como todos no filme.

Você é um ator muito experiente, com mais de 90 trabalhos entre TV e cinema. Mas não acha que oferecem a você papéis meio parecidos um com o outro, meio “estereotipados”? Gostaria de diversificar mais os tipos que interpreta? Mas eu sempre quis fazer esses personagens, também por causa da minha origem. Fiz A Hora da Estrela, Narradores de Javé. Mas são bem diferentes. Agora, estou fazendo a novela das seis, Nos Tempos do Imperador, sobre o período mais rico da história do país. Eu faço um coronel do Recôncavo baiano e acho que faço bem. Mas a representação pela representação não me interessa. Mas, pela minha figura, a sociedade me vê assim. O cinema me vê assim. Eu sou o tipo de pessoa do sertão. E os personagens que eu faço têm uma história muito rica. Os personagens do povo têm uma história rica. Vim para dizer coisas que considero necessárias. Pra mim, é importante que as pessoas gostem. Esse é o maior presente que posso ter.  Prefiro fazer papéis fortes - mesmo que sejam parecidos um com o outro - a fazer outros que as pessoas vão logo esquecer . Eu podia falar bonito como outros atores falam, mas isso não me interessa. Em Curral, eu faço um prefeito poderoso.