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Carmen Vasconcelos
Publicado em 17 de novembro de 2025 às 06:30
Durante anos, ser influenciador digital foi sinônimo de liberdade, autonomia e sucesso. Mas, na prática, o brilho das redes sociais tem revelado um lado menos glamouroso — marcado por ansiedade, exaustão e insegurança financeira. Cada vez mais, criadores de conteúdo estão trocando a lógica dos algoritmos pela estabilidade da carteira assinada, num movimento que especialistas vêm chamando de o “pós-romantismo da influência”. >
Segundo Matheus Felipe, professor do curso de Mídias Sociais Digitais da Uninter, a promessa de independência profissional se chocou com a realidade da instabilidade. “Muitos perceberam que viver de algoritmos significa depender de fatores fora do controle. A busca pela CLT surge como desejo de segurança, rotina e pertencimento social”, explica.>
O modelo de trabalho baseado em engajamento, acrescenta o professor, cria um ciclo contínuo de cobrança e comparação. “A métrica substitui o valor humano e o conteúdo vira obrigação. Viver de acordo com o algoritmo é como trabalhar sem folga”, afirma. >
Essa dinâmica, sustentada por métricas voláteis e pela exigência de constante relevância, tem levado a um cenário de esgotamento emocional — o chamado burnout algorítmico.>
Fim do romantismo>
A “liberdade empreendedora” vendida aos criadores, na visão de Rafael Arty, diretor comercial da Timelens & Hike, foi mal compreendida. “Muitos trocaram o chefe por um algoritmo e a empresa por contratos frágeis. Liberdade sem estrutura também cansa”, resume.>
Para Letícia Porfírio, professora e pesquisadora do curso de Marketing Digital da Uninter, essa idealização está perdendo força. “Vimos uma geração que acreditou no glamour, mas o trabalho de um influenciador é pesado. Hoje, cresce o número de ‘influenciadores CLT’, pessoas que mantêm o emprego formal e produzem conteúdo em paralelo — um formato que tem gerado maior identificação com o público”, observa.>
Esse amadurecimento reflete também uma mudança de valores. “A volta à CLT é menos um retrocesso e mais um ato de maturidade”, avalia Matheus Felipe. “Representa um reencontro com limites saudáveis, rotina e estabilidade emocional. Em tempos de hiperexposição, escolher segurança virou também um gesto de autocuidado. >
Rafael Arty concorda.“A volta à CLT não é desistência do sonho, é reconciliação com os limites humanos. Depois de anos sob o ritmo tóxico das métricas, muitos entenderam que rotina e pertencimento também são formas de sucesso. O bem-estar emocional está se tornando um ativo profissional tão importante quanto o número de seguidores”.>
Pragmatismo afetivo >
A mudança é especialmente evidente entre os mais jovens. A Geração Z está inaugurando um novo modo de encarar o trabalho — o que Arty chama de pragmatismo afetivo.“Eles querem sentido, mas também querem boleto pago. Entenderam cedo que propósito sem estrutura financeira não se sustenta, e que sucesso sem saúde mental não é sucesso”, pontua.>
Para Matheus Felipe, essa geração “não quer escolher entre propósito e segurança — quer ambos”. “O verdadeiro sucesso, para os novos profissionais, é ter paz, não apenas visibilidade”, diz.>
Com o retorno de criadores e freelancers ao mercado formal, surge um novo desafio para os departamentos de RH: acolher profissionais que vêm de um universo criativo e dinâmico. “Ex-influenciadores trazem uma combinação rara de visão de marca, storytelling, gestão de comunidade e leitura de tendências”, afirma Arty.>
Letícia Porfírio ressalta que esse perfil demanda flexibilidade.“São pessoas acostumadas à autonomia. Forçá-las a um modelo rígido pode comprometer sua criatividade. É preciso repensar formatos e dar espaço à adaptação”, sugere.>
Autenticidade >
A popularização da Inteligência Artificial adiciona novas camadas a esse cenário. Para Porfírio, a IA é ao mesmo tempo aliada e ameaça. “Automatiza tarefas repetitivas, liberando tempo criativo, mas também amplia a pressão por produtividade e autenticidade”, observa. >
Arty complementa:“Ela liberta e pressiona. Todos produzem mais, então o diferencial volta a ser o humano. Ferramentas não criam vínculos — são as pessoas que criam”. >
Se antes a influência digital simbolizava liberdade, hoje ela expõe o custo emocional de viver sob a lógica da performance. Para os especialistas, o futuro do trabalho passa por equilibrar autonomia, propósito e estabilidade.>
“O movimento dos criadores voltando à CLT é um espelho de uma geração tentando reconciliar o sucesso com a saúde mental”, avalia Arty. Letícia Porfírio resume a lição que fica desse novo ciclo:“O futuro das carreiras será híbrido, menos linear e mais humano. É sobre criar condições para que a criatividade não vire exploração.”>