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Priscila Natividade
Publicado em 1 de abril de 2019 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Faz pouco tempo que ela começou o estágio. Por que não ficar um dia até mais tarde para concluir logo essa tarefa? É aí que o chefe puxa uma conversa: ‘como você é eficiente, assim vai longe’. Em seguida, mais elogios - ‘tão bonita, tão inteligente’. Outro dia, um presente: ‘é pelo seu bom desempenho. O que acha de conversamos melhor depois daqui?’.>
Esta é só uma das muitas situações de assédio que se tornam cada vez mais comuns no ambiente de trabalho. A fim de combater esse comportamento e esclarecer que elementos configuram o assédio moral e sexual, a Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE) lançou, na última semana, a Cartilha Assédio Moral e Sexual no Ambiente de Trabalho. 'Falar dele [assédio] ajuda as pessoas a identificarem estas situações e combatê-las', afirma Luciane Rosa Croda (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) A versão digital do material educativo está disponível no site da Procuradoria. “Precisamos falar sobre assédio. Se você não fala do problema é porque ele não existe, no ambiente corporativo ele acaba escondendo uma cultura perversa. Falar dele ajuda as pessoas a identificar essas situações e combatê-las”, afirma a procuradora-geral adjunta da PGE, Luciane Rosa Croda. >
Ainda de acordo com a procuradora, na esfera pública, as principais vítimas de assédio são os estagiários, sobretudo as mulheres, e servidores que ocupam cargos menores. “A estagiária começa a receber mensagens fora do trabalho, oferta de carona na sexta- feira, mas ali, o que está por traz é a obtenção de uma vantagem sexual. Isso já aconteceu comigo quando era estagiária. Não tem uma mulher que não tenha passado por uma situação de assédio na vida”.>
Provas>
Luciane destaca, ainda, as barreiras que dificultam as denúncias. Entre elas está o medo de retaliações. No setor privado, o receio de perder o emprego acaba agravando ainda mais a situação. “Se a pessoa nega, ela acaba sendo sabotada e também é assediada moralmente”, diz.>
Assim como nos casos que acontecem na iniciativa privada, outra barreira para a denúncia está na comprovação do assédio, como destaca a desembargadora e presidente da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia TJ-BA, Nágila Brito. >
“Daí vem a importância de se identificar o quanto antes essas situações e reunir o máximo de provas possíveis”. O conselho é guardar tudo: “Na Bahia, costumamos interpretar os crimes dando muito valor às palavras da vítima. Porém, isso não é tudo, é necessário ter outras provas que corroborem para o assédio sexual: aquela mensagem no Whatsapp, uma postagem ou comentário no Facebook. É preciso se munir, ao máximo, de elementos”, pontua.>
'NÃO É NÃO' VAI ESTENDER SUAS AÇÕES PARA EMPRESAS>
O Movimento ‘Não é Não’, que ganhou força no Carnaval com uma campanha contra o assédio, vai estender suas ações para o ambiente corporativo. Segundo a embaixadora na Bahia do movimento nacional, Gabriela Guimarães, a ideia é de durante o ano promover essas conversas também dentro das empresas. >
“A campanha surgiu voltada no contexto do Carnaval, mas o movimento fala de respeito. A gente como mulher está sempre sujeita a situações de assédio, sobretudo no ambiente de trabalho. Queremos ampliar a nossa rede de apoio”, diz. Entre as ações está a promoção de palestras, estímulo ao apoio para que as mulheres possam se ajudar e distribuição de tatuagens temporárias. >
“É uma frente que queremos atuar com força e levar esse trabalho de conscientização para mostrar que elas não estão sozinhas. O assédio precisa deixar de acontecer. Ele constrange, humilha, amedronta”, justifica.>
A embaixadora do movimento na Bahia pontua, ainda, que, além das empresas, a campanha deve chegar às escolas. “Queremos ocupar todos os espaços e atuar muito focadas nessas frentes e mostrar que o ‘não é não’ não é só no Carnaval, mas para toda e qualquer situação de assédio”, completa. >
A iniciativa existe desde 2017 e deu visibilidade à rede de apoio a mulheres que presenciaram ou foram vítimas de violência de gênero.>
O QUE DIZ A LEI>
Assédio sexual De acordo com o Artigo 216 do Código Penal, o assédio sexual se caracteriza por constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais vindo de alguém, que normalmente está em posição superior à vítima. A pena pode chegar a 5 anos.>
Assédio moral Ainda não existe uma lei que criminalize o assédio moral. A proposta de lei está no Senado. Porém, quem pratica esse tipo de assédio está sujeito a punições administrativas, demissão por justa causa, responsabilização cível e sanções penais.>
CINCO SITUAÇÕES QUE CARACTERIZAM ASSÉDIO>
1. Investidas insistentes>
Comportamento Mensagens fora do ambiente de trabalho a qualquer hora. Os comentários não param em fotos e vídeos postadas em redes sociais: ‘você é linda’, ‘que gata’ - além dos emoticons de corações. Mesmo que não tenha contato físico, sem consentimento, a conduta é caraterizada como assédio sexual.>
Por quê Não é necessário contato físico para configurar o assédio. A prática pode ser explícita ou sutil, com contato verbal, redes sociais, presentes e mensagens. >
2. Violência verbal>
Agressões João sempre bateu todas as metas da firma. Era conhecido como o funcionário padrão. No entanto, o novo chefe, fazia o tipo ‘linha dura’: só falava gritando, batia a porta na cara das pessoas, soltava piadinhas desconcertantes. Chegou até a rasgar em plena reunião o relatório que João levou semanas para fazer. >
Por quê O assédio moral é caracterizado por toda e qualquer conduta abusiva, seja um gesto, palavra ou atitude contra a integridade física ou psíquica.>
3. Constrangimento>
Arrogância “Você é mesmo difícil. Não consegue entender uma orientação tão simples. Até uma criança é capaz de fazer isso. Você é burra por um acaso?”. Ainda que no dia seguinte o chefe repense o que disse e chame para conversar, toda vez que ‘ se sente pressionado ou perde a cabeça’, usar a posição hierárquica para diminuir o profissional é mais uma situação de assédio moral.>
Por quê Via de regra, o assediador é autoritário e abusa do poder conferido em razão do cargo.>
4. Privações>
Regras? ‘Vai no banheiro de novo?’. Seja qual for a atividade ou segmento do negócio, contar o tempo de permanência ou limitar o número de vezes que o trabalhador vai no banheiro é uma situação que configura assédio moral. >
Por quê Esse tipo de atitude deteriora propositalmente as condições de trabalho. Segundo a cartilha elaborada pela Procuradoria Geral do Estado, todo comportamento que degrada o clima no ambiente de trabalho contribui para a prática do assédio.>
5. Não é brincadeira>
O ‘engraçadinho’ As piadinhas que destroem a autoestima e diminuem a pessoa também são vistas como assédio, principalmente se zombam de deficiências físicas, idade, peso, opções sexuais, religiosas ou têm conotações raciais. Dizer que ‘ela é que nem corrimão’, que ‘ele é afeminado’ atenta contra a dignidade do profissional. >
Por quê Tal prática viola a diginidade da pessoa humana, assim como os direitos fundamentais ao trabalho e à saúde, previstos na Constituição. >
COMO PROVAR CASOS? >
Registros Por meio de bilhetes, cartas, mensagens eletrônicas, e-mails, documentos, áudios, vídeos, presentes, registros de ocorrências em canais.>
Redes sociais Também é possível provar por meio de post no Facebook, Whatsapp, Instagram e por testemunhas. >
ONDE DENUNCIAR>
Órgãos públicos e de representação As denúncias contra o assédio no ambiente de trabalho, seja ele moral ou sexual, podem ser feitas no Ministério Público do Trabalho, Superintendência Regional do Trabalho e até mesmo no sindicato da categoria. Também é possível formalizar sua denúncia no MPT pelo site www.mpt.mp.br. >
Delegacias No caso de assédio sexual, caso a vítima seja mulher, a denúncia ainda pode ser feira na Delegacia da Mulher. Se, eventualmente, a vítima for homem, a ocorrência deve ser registrada na delegacia comum.>
Ações na Justiça O trabalhador também pode contratar um advogado trabalhista e ingressar com uma ação. O valor dos custos com o advogado varia de caso para caso, levando-se em consideração o valor da indenização e o tempo do processo. Vale destacar que, de acordo com a Reforma Trabalhista, o trabalhador que faltar a audiências ou perder a ação na Justiça terá de pagar custas processuais e honorários do advogado da parte contrária. A lei prevê também multa e pagamento de indenização se o juiz entender que o trabalhador agiu de má-fé.>
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