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Da Redação
Publicado em 23 de abril de 2022 às 05:00
Os brasileiros vivem um clima de suspense, aguardando o final de uma novela. O último capítulo de Pantanal não será antecipado ou será reprisada a revelação de quem matou Odete Roitman. A trama agora é na vida real, se passa entre os corredores do poder e a resolução pode interferir no futuro do país. >
O enredo tem como pano de fundo a disputa pelo Palácio do Planalto. E nesta sequência da história, foca no conflito entre o presidente Jair Bolsonaro e o Poder Judiciário, representado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. >
Nessa sexta (22), o ponto de corte - artimanha usada por roteiristas para plantar a vontade de saber o que vem em seguida – foi o sorteio da ministra do STF Rosa Weber como relatora das ações da oposição contra decreto presidencial que perdoou os crimes do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Com essa definição, o Supremo começa a discutir as medidas cabíveis para se contrapor à ofensiva de Bolsonaro. Rosa tem histórico de disponibilizar imediatamente ao plenário suas decisões individuais. >
O presidente, de seu lado, expressou a aliados que pretende colocar o Congresso na fita, pois quer enviar um projeto de lei para anistiar outros aliados que, segundo expressou, considera “perseguidos políticos” do STF. A lista inclui, além de Silveira, o ex-deputado Roberto Jefferson e os extremistas Oswaldo e Allan dos Santos. Essa última informação foi revelada por Guilherme Amado, do portal Metrópoles. >
Capítulos anteriores>
A novela é longa. Para alguns, vem desde 2018, para outros, em 2016 ou antes. Mas isso é tema de discussão para fãs e haters nas redes sociais para alimentar o interesse pela série como um todo. No momento, o centro da história se desenvolve a partir do decreto que envolve o perdão presidencial a Silveira, as dúvidas levantadas pelo documento e suas consequências. >
Silveira é um ex-PM que ganhou votos de eleitores do Rio de Janeiro ao ser fotografado quebrando a placa com nome da rua que homenageava a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinado junto com um assessor – o motorista Anderson Gomes meses antes. >
Aliado do presidente, Silveira manteve em seu mandato o discurso extremista, atacando inclusive os integrantes do STF. Entre eles o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito aberto pela própria Corte – a legalidade desse ato também é tema de debates - que investigava o ex-PM e outros aliados de Bolsonaro pela participação e financiamento de atos antidemocráticos. Silveira postou ofensas e ameaças à integridade física de Moraes. Foi condenado e depois de um tempo na prisão até progredir para o semiaberto. Nessa quarta (20), seu caso foi julgado pelo plenário do STF. Por 10x1 foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, perda do mandato, inelegibilidade e multado em R$ 192,5 mil.>
Assim que acabou a sessão, eleitores mais radicais e fiéis a Bolsonaro iniciaram uma campanha nas redes sociais em apoio a Silveira, cobrando uma “atitude” do presidente. Na noite de quinta, Bolsonaro divulgou o decreto. >
Dúvidas>
É a primeira vez que a graça presidencial é usada para apenas um beneficiário, geralmente o instrumento é deferido para indultos natalinos e alcançam dezenas de presos por crimes de menor potencial ofensivo e com a maior parte das penas já cumprida.>
Além da natural divisão no mundo político, o decreto também exige posicionamento de juristas. Uns dizem que o ato é legal e justificam com decisões anteriores do próprio STF. Outros afirmam que o texto é inconstitucional, pois foi editado antes de o processo ter sido concluído, desviar a finalidade do instrumento, e ferir o princípio da impessoalidade. Há, inclusive, quem veja crime de responsabilidade, passível de impeachment, no decreto, justamente por ferir esse preceito constitucional. >
Em Porto Seguro, onde participou de celebração pelo descobrimento do Brasil na sexta (22), Bolsonaro afirmou que a quinta foi um dia importante para a nação. “Não pela pessoa que estava em jogo. Mas o simbolismo de que nós temos, mais que o direito, a garantia da nossa liberdade", falou, implicitamente defendendo-se da acusação de ferir a impessoalidade de seu ato.>
Um dos maiores criminalistas do país, Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido pelo apelido de Kakay, afirmou que o decreto é legal, e que ele mesmo sugeriu ao e então presidente Lula a usar o instrumento para libertar José Dirceu na época do mensalão. Lula negou. >
A seguir>
Já os ministros do STF, que não podem se identificar para não indicar um pré-julgamento do caso, foram pegos de surpresa pelo decreto, classificado por eles como “surreal”. Eles, segundo a Agência Estado, articulam uma resposta em conjunto pois o sentimento é o de que o Poder Judiciário foi desrespeitado. O entendimento inicial é que mesmo o decreto sendo considerado legal, o perdão só pode anular a condenação criminal; a inelegibilidade e a multa continuam. >
Negociações também acontecem no Legislativo. A oposição quer angariar votos entre os governistas temerosos dos efeitos do confronto entre Bolsonaro e o Supremo para derrubar o decreto. Um dos argumentos utilizados é o de que Bolsonaro quer criar condições para tentar um golpe, já que o decreto teve aval da ala militar do governo. >
O Planalto, como mostra o interesse no projeto de anistiar aliados, quer manter a briga em primeiro plano pois mobiliza a base mais radical do bolsonarismo, essencial para o sucesso da aposta na pauta de costumes. >