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Priscila Natividade
Publicado em 29 de outubro de 2023 às 07:00
Ela sempre ouviu desde criança a mãe Therezinha, hoje com 86 anos, falar muito sobre a perda daquela que a protegia e cuidava quando ainda tinha 8 anos. Dizia também, que ao lado do pai, Totonho da Veia, resolveu por escolha própria assumir o lugar materno deixado pela mãe Dozinha para cuidar das irmãs mais novas, uma de 6 anos, e a outra de 3 anos. A narrativa reproduzida diversas vezes fez com que a escritora santamarense Paula Brito acordasse um certo dia com a vontade de contar essa história. >
A perda de alguém que se ama, seja um familiar ou até mesmo um bichinho de estimação. Essa é a reflexão que a autora traz no livro infantil Será Que as Mães Viram Estrelas?, lançado pela Ases da Literatura (R$ 50) com o selo infantil Asinha da editora e ilustração de Vida Rabelo. A obra, publicada no Brasil e em mais 13 países – entre eles Portugal, Espanha, Estados Unidos e Canadá -, conta a jornada da pequena Amora e sua irmã Lindu na transformação da dor em saudade depois da morte da mãe. >
Paula Brito
escritoraA escritora ouviu crianças, adolescentes e adultos que perderam as mães, mas também buscou suporte de psicólogas e religiosos para entender melhor o processo de luto. Ao transformar um tema tão delicado em história para crianças - quase sempre acostumado com contos de fada, finais felizes, magia e encanto –, Paula afirma que a maior preocupação foi não criar um final doloroso, ainda que a figura da perda seja representada pela mãe. >
“Minha mãe pegou toda tristeza que existia com a morte da mãe e focou em cuidar das irmãs. É um tema complexo, difícil, sensível, mas a minha experiência como mãe de três crianças e professora de artes me ajudou muito na escrita para poder encontrar as palavras certas”, destaca. >
Paula conta ainda que o livro já estava sendo escrito em 2018, mas, com a chegada da pandemia, ela viu muita gente ir embora. Como milhões, precisou lidar com a morte e falar sobre o assunto que estava tão presente no dia a dia: “Não foi fácil. Levei muito tempo para publicar. Foi então que Lindu e Amora resolveram entrar em cena. Elas permitiram que eu compartilhasse a história para que mais pessoas tivessem a oportunidade de se reconhecerem e serem abraçadas”. >
No livro, Amora era muito pequena, estava cheia de expectativas aguardando a sua mãe chegar. Queria estar com ela, nos seus braços. Como Lindu iria contar que sua mãe morreu e teria que lidar com a falta e a saudade? “São histórias reais, que vieram fazer parte do mundo imaginário do livro infantojuvenil. Existe um tabu em torno deste assunto. Os adultos acreditam que as crianças vão sofrer muito, que não irão compreender e isso não é verdade. É preciso conversar desde cedo para saberem lidar com as emoções e entenderem que morrer faz parte do ciclo da vida”, diz. >
Além dessa obra, lançada na Flipelô deste ano, a escritora também é autora dos livros A Menina e o Céu Azul (2018) e Embarcando em uma Grande Expedição (2019). Em 2021, Paula venceu o Prêmio Internacional Iberoamericano, El Nevado Solidário de Oro (Argentina). Ela participa neste sábado da Flica, em Cachoeira, às 9h30, fazendo a contação da história; no período da tarde, às 15h30 participa de um sarau com o Coletivo Liga do Dendê. Além disso, Paula Brito integra também o Projeto Baobá de Histórias – Por Literaturas Decoloniais formado por escritoras negras que levam produções artísticas negras crianças de escolas públicas baianas. >
Para a psicóloga, neuropsicóloga e conselheira do XVII Plenário do Conselho Regional de Psicologia da Bahia (CRP-03), Ana Paula Carregosa, todo entendimento sobre a morte vai depender do desenvolvimento cognitivo, emocional e social daquela criança, a cultura, religião e forma de vivenciar a espiritualidade dela e da sua família. “O luto é diferente para cada criança e, além disso, pode reunir sentimentos de raiva, desamparo, solidão, saudade, confusão, insegurança, medo, angústia, tristeza, apatia. A presença e a intensidade desses sentimentos também varia”, comenta. >
Ana Paula Carregosa
psicóloga, neuropsicóloga e conselheira do CRP/BAAinda assim, a especialista aconselha não esconder, omitir ou mentir: “Isso atrapalha o processo do luto, que é natural e legítimo diante das perdas. Podemos falar da morte com crianças como algo natural que ocorre no nosso dia a dia, diante de situações de morte, como de uma planta, de um animal de estimação, de um inseto, de um personagem de livros, jogos, desenhos e filmes, utilizando uma linguagem que a criança compreenda”. >
E falar sobre morte, não precisa ser quando acontece com uma pessoa importante. “O diálogo é imprescindível. E, com certeza, acolher. Escutar. Não é só ouvir a informação, mas compreender o que aquela criança está sentindo. Ou seja, possibilitar a vivência do luto, deixar a criança viver o seu processo”, ressalta. >
Título: Será que as mães viram estrelas? >
Autora: Paula Brito>
Ilustração: Vida Rabelo >
Editora: Ases da Literatura (2023)/ Asinha>
Valor: R$ 50>
Onde encontrar: o livro está em todas as plataformas digitais, na Livraria Escariz (Shopping Barra), LDM, no Espaço Conceito Preto Fala de Amor. >