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Roberto Midlej
Publicado em 17 de julho de 2023 às 16:51
Em 2012, pesquisadora baiana Patrícia Silva de Jesus idealizou o projeto #pracegover, que torna mais acessíveis a pessoas cegas e com baixa visão os conteúdos publicados nas redes sociais. Através desse recurso, esses usuários ouvem a descrição das imagens que estão nas postagens que eles acessam. >
Agora, onze anos depois, Patrícia está novamente inovando e facilitando a vida das pessoas que não enxergam ou têm dificuldade acentuada de enxergar: a pesquisadora criou e já pôs em prática uma metodologia que combina Braille, audiodescrição e QR Code. Através desse código impresso nas publicações impressas, os leitores podem acessar facilmente, com um celular, a audiodescrição e saber o que as imagens do livro contêm de importante.>
"As pessoas que enxergam acham que o cego não se interessaria por imagem. Essa informação era sonegada deles e isso era brutal", indigna-se Patrícia, que aprendeu braille aos 16 anos para ajudar os colegas cegos do Iceia, onde estudava. Na época, ainda nos anos 1990, quando a internet era um luxo para a maioria das pessoas, Patrícia não podia recorrer ao YouTube ou sites para aprender o braille. Por isso, dedicou-se muito e aprendeu com a ajuda dos colegas.>
A nova criação de Patrícia surgiu como tema do mestrado, cuja dissertação ela defendeu no início deste ano. Um dos resultados daquele trabalho é o livro Manual de Audiodescrição em QR Code para Produtos Editoriais, que está sendo distribuído gratuitamente no perfil dela, no Instagram: @PatriciaBraille.>
Mas há outro produto que mostra como é importante e prática a sua criação: Patrícia criou uma versão em braille com QR Code do livro O Menino Que Tinha Medo de Errar, da escritora Adriana Taubman. Apesar de não estar disponível comercialmente, a publicação foi essencial para provar que a criação da pesquisadora tem funcionalidade e é muito fácil de usar.>
Silvania Macedo, professora de história, é cega e auxiliou Patrícia a desenvolver a nova tecnologia para o projeto do livro. Silvania ressalta a importância do QR Code e da audiodescrição para pessoas cegas: >
Silvania Macedo
professora, cega há mais de 20 anos, sobre a criaçã de PatríciaPara desenvolver o projeto do QR Code, Patrícia fez um questionário e o enviou a 20 pessoas cegas e, entre elas, mais da metade, jamais havia feito uso da tecnologia. A opção por um livro infantil se explica: esse tipo de publicação tem diversas imagens, além do texto. Antes da criação de Patrícia, a descrição das imagens tinha que ser feita em braille, o que a tornava praticamente inviável, já que a publicação teria que ter um número muito maior de páginas e a impressão em braille ainda é bastante cara.>
"Antes, a audiodescrição nos era oferecida através de textos escritos ou através de áudios presenciais ou gravados, no que se refere a filmes e documentários. Fazer um QR Code para transmitir áudio descrição era algo novo quando Patrícia apresentou o projeto", observa Silvania.>
Patrícia destaca que, como a descrição de imagens em braille aumentava muito o custo de publicação, o produtor do livro selecionava as imagens que "mereciam" ser audiodescritas: "E isso não é nada positivo, porque ninguém pode decidir pela pessoa cega qual imagem é ou não importante em uma obra. Com a audiodescrição em QR code, todas as imagens são audiodescritas e fixadas na obra. A pessoa cega escolhe se quer ou não acessar a imagem. E não aumenta a quantidade de página das obras: economicamente sustentável além de tudo", defende a pesquisadora.>
Para tornar o uso do QR Code mais prático, convencionou-se que o código deve ficar sempre no canto inferior direito da página ímpar, porque, intuitivamente, as pessoas buscam aquela região. Essa foi uma das conclusões dos questionários que Patrícia aplicou na pesquisa.>
Embora o uso da nova tecnologia ainda não esteja disseminado, por ser muito recente, há boas perspectivas: a Embasa publicou recentemente um livro com o recurso e a revista Ciência Hoje para Crianças contratou Patrícia para um trabalho. Segundo a pesquisadora, trata-se de uma criação pioneira: "Procurei em francês, alemão, inglês... e não vi em nenhum lugar do mundo".>