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Luiza Gonçalves
Publicado em 8 de julho de 2025 às 11:04
Onde estão as sete portas da Sete Portas? As areias da praia da Boa Viagem que formam o Caminho de Areia? Esses eram alguns questionamentos da minha mente infantil quando lia os nomes dos bairros de Salvador. A verdade é que os bairros de Salvador, além de carregarem nomes com significado histórico e geográfico, têm o poder de despertar a imaginação para os mais férteis caminhos. >
Foi pensando no potencial criativo dos logradouros baianos que o Instagram do baiano Victor Marinho, conhecido como Jimmy, acumulou mais de 20 mil seguidores ao compartilhar imagens de uma Salvador fantástica, parte do jogo Salcity.>
“A gente tinha um escopo, queríamos representar os bairros da cidade, partindo dessa ideia de que eles trazem uma riqueza imagética. Quando pensa em Dois Leões, Água de Meninos, Águas Claras, você vai vendo que tem uma carga de imagem nesses nomes que vai criando imagens na sua cabeça. Isso vem desse lugar da infância, mas também é voltado para a memória coletiva. Acredito que esse seja o ponto principal deste trabalho”, afirma Jimmy sobre o projeto iniciado em 2022.>
Jimmy iniciou sua trajetória artística na música, migrando para o audiovisual em 2010, quando fundou a Rec Filmes em Salvador. Mudou-se para São Paulo, onde se envolveu ainda mais na área como diretor de fotografia em clipes de grandes nomes da música brasileira e comerciais, e, em 2015, mudou-se novamente, desta vez para a Chapada Diamantina, onde também trabalhou com audiovisual. Em 2020, retornou a Salvador durante a pandemia, quando foi impactado por uma nova forma de vivenciar a cidade.>
“Por causa da pandemia, a cidade estava meio inacessível, com novas dinâmicas tanto de mobilidade quanto de segurança pública. Eu tive essa sensação e aí comecei a pensar em criar um jogo sobre Salvador, que era o Salcity”, relembra. O projeto foi lançado em dezembro de 2022 e rapidamente fez sucesso entre o público, transformando o perfil Filmeiro, antes conta pessoal do artista, num laboratório criativo com ampla participação dos seguidores. “O projeto mudou muito quando a gente começou a botar ele nas redes sociais, porque não tem como você não ser afetado pelas pessoas. Elas vão trazer informações, pedir coisas, dar ideias. É muito rico poder ter a participação da cidade, já que a nossa relação é também coletiva”, complementa.>
Cartas >
Em conjunto com a artista e companheira Mariana Bastos, lançaram até 2024 mais de 300 cartazes que, além de Salvador, abrangem ilustrações de expressões clássicas do cotidiano, como “lá ele”, “goguento”, “fuleiro” e outras cidades baianas que se relacionam com a dinâmica histórica e econômica da capital. “A gente começa a estudar a história de Salvador, o desenvolvimento urbano da cidade. Ela é um organismo vivo e, nisso, a gente percebeu que ela é muito influenciada por várias migrações de pessoas em momentos diferentes da história”, pontua.>
Inicialmente, o projeto seria inspirado no existente jogo de cartas Magic: The Gathering, mas ao crescer e alcançar públicos diversos, o formato se mostrou complexo e pouco acessível. Muitos interessados não tinham familiaridade com jogos e poderiam ficar de fora da experiência. “Teve uma mensagem que eu recebi, e eu adoro, de uma moça falando assim: ‘Eu tenho 52 anos e eu não entendo nada de jogo, mas esse jogo eu quero jogar, porque eu entendo de Salvador. Então vai ter que fazer o tutorial para as tias’. A gente começou a acessar públicos muito diferentes, de idade, de gênero, que não estão acostumados com jogos”, comenta. >
Por isso, o projeto foi reformulado e está em fase de desenvolvimento na FAPESP, na esperança de trazer um formato analógico, que promova a interação, trazendo novas jogabilidades mais inclusivas e intuitivas.>
Jimmy atua como diretor de fotografia e criativo da agência Baía de Todos-os-Santos (BTS), utilizando inteligência artificial principalmente na produção audiovisual publicitária. Ele desenvolve vídeos que misturam roteiro, montagem e experimentação com IA, criando o que chama de “monstros” — filmes de pré-produção que permitem visualizar roteiros de forma mais coesa e realista. >
“Nosso trabalho mesmo é gerar vídeos usando inteligência artificial... aplicamos a IA no audiovisual em geral”, explica. Entretanto, apesar da presença de alguns vídeos no Filmeiro, Jimmy afirma que a página permanece sendo um braço experimental do seu trabalho, funcionando como um laboratório criativo mais do que um portfólio convencional.>
Apesar de reconhecer as possibilidades criativas da IA, especialmente em um cenário de restrições orçamentárias como o de Salvador, Jimmy também salienta seus impactos profundos na cadeia produtiva audiovisual, com o risco de substituição de etapas inteiras da produção e exclusão de profissionais iniciantes.>
“A IA permite que pessoas e narrativas emergentes consigam ser produzidas. Pessoas que antes não tinham condição de contratar uma equipe, de fazer um negócio — assim como a gente não tinha condição de contratar um ilustrador para fazer o nosso jogo — e a gente conseguiu ilustrar 300 cartas. Mas, ao mesmo tempo, você percebe que os mercados vão diminuindo e que esse dinheiro vai se concentrar cada vez mais na mão dessas big techs. Então, temos essa problemática a ser pensada, sem querer fazer muito alarmismo”, finaliza.>