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Mãe Stella foi primeira ialorixá a escrever um livro

Religiosa  tem legado destacado na Festa Literária do Pelourinho, que acontece entre os dias 9 e 13 de agosto

  • Foto do(a) author(a) Mari Leal
  • Mari Leal

Publicado em 9 de agosto de 2023 às 06:00

Criança da Escola Eugênia Ana dos Santos, com livro de Mãe Stella
Criança da Escola Eugênia Ana dos Santos, com livro de Mãe Stella Crédito: Marina Silva

“Todos nós podemos ser imortais, contanto que cumpramos com competência e alegria a função que nos foi dada”. É com essa frase de Mãe Stella de Oxóssi (Salvador, 2 de maio de 1925 – Santo Antônio de Jesus, 27 de dezembro de 2018) que os 248 estudantes da Escola Municipal Eugênia Ana dos Santos, sediada no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, tem se deparado todos os dias já no corredor de acesso às seis salas da unidade de ensino.

O escrito da Ialorixá baiana que permaneceu por 43 anos como liderança da comunidade religiosa é parte de um painel confeccionado com materiais simples de papelaria escolar para anunciar a escolha de Mãe Stella como homenageada da sétima edição da Festa Literária Internacional do Pelourinho – Flipelô 2023 -, que acontece em Salvador entre os dias 9 e 13 de agosto.

A escola é um dos frutos da forte crença de Mãe Stella na educação e um dos elementos concretos da existência de uma “intelectual orgânica do povo de santo”, como descreve o sociólogo baiano e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Muniz Sodré, que, em 1977, o foi o primeiro obá confirmado por Mãe Stella no Ilê Axé Opô Afonjá.

O conceito de intelectual orgânico foi cunhado pelo filósofo marxista italiano Antonio Gramsci, apontando para aqueles que atuam para criar, junto à sociedade, a correspondência e consciência sobre os interesses da classe e grupos que representam.

Formada pela Escola de Enfermagem e Saúde Pública, que lhe garantiu o trabalho como agente sanitária por mais de 30 anos, Mãe Stella assumiu a missão religiosa em 1976, mas sem nunca se afastar do desejo pelas letras, livros e pelo conhecimento. Sua trajetória intelectual lista uma série livros publicados, além de prêmios como fomentadora da cultura, comendas nas instâncias municipal, estadual e federal, o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e a eleição por unanimidade para a Academia de Letras da Bahia (ALB), na qual ocupou, a partir de 2013, a cadeira 33, cujo patrono é o escritor e poeta baiano Castro Alves.

“Eu mantive uma relação muito estreita com ela [Mãe Stella] e com os livros dela. O nome dela é relacionado à referência religiosa, mas é muito mais. É a primeira Ialorixá da Bahia a escrever livros. Mãe Stella era uma mulher culta, interessada no mundo dos livros. Interesse que estava dentro da tradição do Axé Opô Afonjá, que desde Aninha [primeira sacerdotisa] acolhia intelectuais. Stella é intelectual orgânica do povo de santo”, avalia Sodré ao fazer referência à homenageada.

Para Sodré, no entanto, o reconhecimento da grandiosidade da sacerdotisa ainda está em expansão no país. “O Brasil está começando a reconhecer o tamanho da personalidade de Mãe Stella. É uma coisa mais recente. Mãe Stella tem essa dimensão na Bahia, mas aqui no Rio ou em São Paulo, se você falar em Mãe Stella de Oxóssi, todo mundo sabe quem é, mas não sabe porquê. Que foi uma liderança importante do povo de santo da Bahia”. Muniz Sodré é o sucessor de Mãe Stella na  ALB.

Na quinta-feira (10), em uma das programações da Flipelô, Sodré dividirá a mesa de debates com o antropólogo baiano Ordep Serra sob o tema “ Mãe Stella: o feminino como potência”. A atividade acontece no Teatro Sesc –Senac, no Pelourinho, a partir das 19h.

“Era uma escritora notável. Falava sobre o culto dos orixás não apenas com a autoridade de Mãe de Santo, mas também com uma precisão de etnógrafa. Foi uma grande educadora, sempre preocupada com os jovens, as crianças, todo o povo. Não se ocupou apenas da valiosa e singular educação que se transmite nos terreiros, mas procurou incrementar o conhecimento de sua comunidade em temas diversos. Cuidou da escolarização das crianças de seu bairro, criou uma biblioteca móvel, manteve sempre um diálogo com pensadores e artistas, combateu o racismo e a intolerância. Deixou um imenso legado”, destaca Serra, que também mantinha uma relação de amizade com Mãe Stella.

Tomazia de Azevedo, sobrinha de sangue de Mãe Stella e Egbame do terreiro, define o momento de múltiplas homenagens na Flipelô como espaço de retomar memórias afetivas compartilhadas com a tia. “Nos reporta a toda a nossa história de família, que sempre foi aprender com os mais velhos. Nós sobrinhos guardamos em nossa memória as orientações, os cuidados uns com os outros e todo um aprendizado. No primeiro momento, o nome Stella equivale a Ialorixá. Depois você lembra do seu legado, seu escritos, que correm nas mãos de quem quer aprender para a vida”.

E acrescenta: “Na educação, ela [Mãe Stella] seguia seu propósito de dar continuidade a ideia da fundadora do terreiro de trazer seus filhos para universidade, colocar anel no dedo de seus seguidores”. No sábado, Tomazia sentará em roda com outros familiares para relembrar as memórias familiares de Mãe Stella. A ação acontece às 16h30, na Casa do Benin.

A Ialorixá e o Pajé foi o último livro de Mãe Stella
A Ialorixá e o Pajé foi o último livro de Mãe Stella Crédito: Foto: Divulgação

Livros

O primeiro livro assinado por Mãe Stella é de 1988, intitulado “E Dai Aconteceu o Encanto”, em parceria com Cleo Agbeni Martins. Em seguida veio um dos mais célebres e importantes títulos “Meu Tempo é Agora”, lançado em 1991, com uma segunda edição em 2010. Em 2004, juntou-se novamente a Cleo Agbeni para a publicação de "Lineamentos da Religião dos Orixás - Memória de ternura". "Òsósi - O Caçador de Alegrias" chegou ao público em 2006, seguido por "Owé - Provérbios", em 2007.

Em 2009, foi a vez do infantil "Epé Laiyé- terra viva", que conta a história de uma árvore que ganha pernas e luta pela construção de um mundo que respeita o meio ambiente. Em 2003 foi lançado “Opinião”, que reúne textos diverso publicados pela baiana no jornal A TARDE.

Há ainda “O que as Folhas Cantam”, em parceria com Graziela Domini Peixoto; “Ososi – O Caçador de Alegrias” e “Ósa –Odù Àdàjo”.

Em 2018, por fim, Mãe Stella assinou sua última obra publicada “A Ialorixá e o Pajé”. Com ilustração de Enéas Guerra, a obra narra um encontro de Mãe Stella com um Pajé e a troca de conhecimentos sobre plantas, ervas medicinais, raízes, sementes, folhas e rituais entre uma pessoa nascida na cultura afro-brasileira e outra na cultura indígena.

A vasta obra literária de Mãe Stella revela a preocupação que tinha em deixar um legado escrito, apesar de estar imersa em uma cultura religiosa marcada pela oralidade e compartilhamento de vivências. Os livros, no entanto, a exceção de “A Ialorixá e o Pajé”, que pode ser adquirido em livrarias online, não possuem novas edições à venda em livrarias. São praticamente joias raras a serem garimpadas em sebos físicos ou online. Alguns títulos, porém, estarão disponíveis à comunidade com a abertura da Biblioteca Maria Stella de Azevedo Santos. O espaço, instalado na área do Ilê Axé Opô Afonjá, foi inaugurado recentemente será administrado pela Uneb.

Iraildes Nascimento é diretora da escola Rugênia Ana dos
Iraildes Nascimento é diretora da escola Rugênia Ana dos Crédito: Marina Silva

Escola integrada à rede municipal visa a preservação da cultura afro-brasileira

A Escola Municipal Eugênia Ana dos Santos atende atualmente 248 estudantes da rede municipal de ensino, do Infantil (grupo 4) ao Ensino Fundamental (1º ao 5º ano). Instalada na sede do terreiro, o espaço educacional nasceu em 1978, dois anos após Mãe Stella assumir a direção religiosa do Ilê Axé Apô Afonjá.

No início, funcionava apenas como creche, acolhendo crianças de até 5 anos, filhos dos iniciados na Casa. À época, a proposta, como conta Iraildes Nascimento, atual gestora da escola, era ajudar as crianças a compreenderem o sentido de ser uma criança de terreiro. E o trabalho de arte e educação era gerido por ninguém menos que o sacerdote afro-brasileiro e artista plástico conhecido como Mestre Didi.

Em 1986, o espaço passou a ofertar também as séries do Ensino Fundamental a partir de convênios com as secretárias municipal e estadual da Educação. Somente no ano 2000 foi integrada à rede municipal.

“As crianças que estudam aqui são do terreiro, em sua minoria, e, principalmente, do bairro. A proposta é que essas crianças se identifiquem, se reconheçam, aceitem e valorizem sua autoestima de crianças negras e que estudam num espaço 100% negro, e que possam se perceber nesse lugar. Nós temos aqui uma escola formal. Ela aprende aqui a história desse lugar no sentido da cultura. Estudar por essa cultura africana é perceber que os mais velhos têm sua importância, que os valores africanos tanto estão aqui como na casa deles, saber sobre suas origens étnicas”, destaca Iraildes.

Veja as principais programações com foco em Mãe Stella durante a programação

09/08 - Quarta-feira

ABERTURA OFICIAL – 19h

Largo do Pelourinho – Coreto FLIPELÔ Concerto para Mãe Stella de Oxóssi Orquestra Afrosinfônica e Danilo Caymmi

10/08 - Quinta-feira

EXPOSIÇÃO DE RUA – 9h

Mãe Stella de Oxóssi por Antonello Veneri

TEATRO SESC - SENAC PELOURINHO – 19h

Mesa

Mãe Stella: o feminino como potência

Muniz Sodré (RJ) Ordep Serra (BA)

Participação: Rebeca Tárique (BA)

12/08 – Sábado

CASA DO BENIN - 16h30 às 17h50

Mesa

Iyás Minhas Raízes: Mãe Stella de Oxóssi em Memórias Familiares – Thomazia Azevedo, Tereza Azevedo, Adriano Azevedo