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Roberto Midlej
Publicado em 7 de novembro de 2023 às 06:00
O Brasil não faz ideia do sucesso extraordinário que Nelson Ned (1947-2014) fazia fora daqui, em países como Colômbia, Argentina, México e Estados Unidos. Quem dá a entender isso é o jornalista André Barcinski, que está lançando a biografia do cantor, Tudo Passará (Companhia das Letras/ 256 págs./ R$ 80): "Eu garanto: entre 1972 e 1985, foi o artista brasileiro mais famoso no mundo, mais famoso que Roberto Carlos. E rivalizava com outros [de língua espanhola], como Luís Miguel e Julio Iglesias". >
Segundo Barcinski, o primeiro show de Nelson Ned na Colômbia foi para 80 mil pessoas. No México, se apresentou por 24 dias no maior cassino do país, com um acréscimo: foram três apresentações por dia. No Carnegie Hall, a mítica sala de shows de Nova York, cantou duas vezes numa mesma noite.>
Enquanto isso, no Brasil, o cantor era mais lembrado por seu nanismo que por suas virtudes musicais. Mais que isso, era explicitamente rejeitado pela imprensa nacional. Barcinski diz que notou isso no período de pesquisa para o livro, nos acervos dos jornais. "No livro, cito vários embates dele com a imprensa. Em 1974, por exemplo, as matérias eram assim: 'Como pode o Carnegie Hall, onde a bossa nova surgiu para o mundo, se render aos boleros de Nelson Ned", observa Barcinski.>
Se o cantor lotava estádios estrangeiros, no Brasil, estava longe de acontecer o mesmo, ainda que fosse popular em um determinado nicho. Na TV, Chacrinha e Silvio Santos o recebiam com certa frequência. No rádio, suas músicas eram escutadas. Mas os shows estavam longe de levar multidões. "Ele foi muito maior lá fora que aqui. Aqui, literalmente, cantava em churrascarias, porque as casas da elite eram quase fechadas para ele", revela o biógrafo.>
Barcinski encontra razões políticas para a rejeição a Nelson, que vão além do simples preconceito contra a música romântica. Segundo o jornalista, o Brasil vivia uma polarização parecida com a de hoje.>
André Barcinski
autor da biografia de Nelson Ned, 'Tudo Passará'Nanismo>
A baixa estatura do cantor também era assunto de muitos textos publicados nos jornais. "Havia mais coisas sobre o nanismo que sobre a música dele. Em quase todas, o chamam de algo como 'o menino anão de Ubá'. As matérias do início da carreira eram sempre sobre a altura dele. Depois, quando fez sucesso fora do país, falaram sobre isso, ainda que pouco", observa Barcinski. Mas, quando falavam da música de Nelson, era sempre mal. "Ele nunca teve o beneplácito nem as graças da mídia brasileira. Apenas Chacrinha e Silvio lhe davam espaço, porque ele dava audiência".>
Por outro lado, no exterior, o nanismo de Nelson Ned assunto que não merecia a mesma relevância de sua voz. Barcinski, por sinal, defende que Nelson é uma das grandes vozes da história do Brasil e fica indignado ao saber, por este repórter, que o cantor não está sequer entre as cem maiores vozes do país, numa eleição promovida pela revista Rolling Stone brasileira em outubro de 2012. O curioso é que na mesma lista aparecem Lobão, Seu Jorge e João Gordo.>
No exterior, há uma informação curiosa, que Barcinski destaca no livro: lá, os fãs sequer sabiam que Nelson Ned era anão, afinal a televisão não era popular como hoje e os estrangeiros conheceram o cantor inicialmente apenas pelo rádio. "Demoraram muito para saber que ele era anão e ele não fazia ideia de como seria recebido no exterior. Em Angola, em 1971, ele não sabia se ia ter apenas uma pessoa no teatro. Mas quando chega a Luanda, tem três mil pessoas o esperando".>
Como o material de pesquisa disponível no Brasil sobre a carreira de Nelson é restrito, Barcinski realizou muitas entrevistas com pessoas que conviveram com o cantor, incluindo cinco irmãs e um irmão dele. Também falou longamente com duas filhas e com alguns amigos que foram importantes para Nelson, como o empresário Genival Melo e o cantor e apresentador Moacyr Franco. Barcinski lamenta não ter conseguido falar com Agnaldo Timóteo (1936-2021), que teve um derrame, já depois de a entrevista já estar marcada.>
E a revisão da história de Nelson Ned não vai parar no lançamento da biografia. Segundo Barcinski, é certo que serão produzidos, em breve, um documentário sobre o cantor e uma ficção baseada na vida dele. Na verdade, o projeto inicial do jornalista era começar pelo filme, devido ao potencial dramático da história do cantor. "Mas passei seis ou sete anos batalhando pelo filme, mas tive dificuldades. Percebi que não sabem mais quem ele é", lamenta.>