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Da Redação
Publicado em 15 de julho de 2023 às 19:56
A artista plástica baiana Lygia Sampaio morreu neste sábado (15) ao 94 anos. Ela foi a única mulher que, nos anos 1940 e 1950, participou de um movimento artístico que trouxe o experimentalismo estético definidor do modernismo nas artes visuais de Salvador. Na época, ela estava ao lado de colegas que se tornariam famosos, como Mario Cravo, Caribé, Rubem Valentim e Carlos Bastos.>
Carreira>
Lygia entrou na Escola de Belas Artes em 1948, aos 20 anos de idade, onde desafiou os padrões vigentes da sociedade, aventurando-se em lugares considerados "impróprios" para uma mulher naquela época. Essa incursão na vida popular urbana de Salvador é visível nas suas pinturas e desenhos. >
"No atelier da Barra mostrávamos o que fazíamos, era um ambiente alegre e encorajador. Por vezes saíamos juntos, conversando os nossos assuntos, passeávamos inocentemente pela cidade, do Rio Vermelho a Ribeira e Plataforma, buscando uma intimidade maior, visual e sensitiva, com a cidade que era a nossa fonte de motivos e de inspiração", disse Lygia em depoimento registrado no catálogo da sua exposição de 1981. >
Resumo>
Lygia Sampaio nasceu em 1928, em Salvador - Bahia. Fez o Curso Livre de Desenho e o 1° ano da Escola de Belas Artes da UFBA (1948). Frequentou o ateliê de Mário Cravo e acompanhou o grupo de Rescala em pintura ao ar livre. Participou do movimento renovador das Artes Plásticas baianas no fim da década de 40 ao lado de Mario Cravo, Caribé, Rubem Valentim, Genaro de Carvalho, Jenner e Carlos Bastos. >
Esteve presente nos Salões Baianos de Belas Artes de 1949, 1950, 1951, 1954 e 1955, com menção honrosa em pintura (1951) e menção honrosa em desenho (1954 e 1955). Expôs também no Salão Nacional de Belas Artes em 1952, no Rio de Janeiro, onde estudou com Santa Rosa. Teve ainda como mestres Presciliano Silva, Mendonça Filho e Alberto Valença. Trabalhou por 30 anos no Arquivo da Prefeitura de Salvador e formou-se em Museologia pela UFBA em 1975. >
Implantou o Museu de Imprensa da ABI. Realizou exposições coletivas e individuais, com destaque para a mostra individual de 1955 no Belvedere da Sé e a exposição de 1984, no Núcleo de Artes do Desembanco, local onde trabalhou por doze anos e cujo acervo conta com obras suas. Publicou em 2006 o livro De Sam Payo a Sampaio, fruto de sua pesquisa genealógica iniciada em 79 e ilustrado com desenhos em bico de pena de sua autoria, que ganharam exposição no Museu de Arte da Bahia. >
Em 2010, passou a integrar o livro 50 anos de Arte na Bahia, panorama das artes plásticas produzidas desde 1945 e escrito pela crítica de arte e curadora, Matilde Matos. Em 2013, a convite do Museu Regional de Arte de Feira de Santana, realizou a exposição Da linha a cor com trabalhos de diferentes épocas. Em 2014 promove no Museu de Arte Sacra de Salvador sua última exposição: Lygia Sampaio 60 anos de pena e pincel, com trabalhos à óleo, aquarelas, desenhos à bico de pena e técnica mista, que datavam de 1949 a 2014.>
O QUE FALARAM SOBRE A ARTISTA>
Carybé (Salvador, 1984)>
Lygia Sampaio: uma presença feminina na retomada da arte que se deu na Bahia na década de 40. Os seus trabalhos eram tirados da vida que vivia, óleos cheios de emoção nos devolviam ruas, becos e gente, numa pintura carnuda e meiga, porque ela era - e é - meiga como as linhas e cores de seu trabalho. No desenho, se sente que suas figuras são feitas com carinho, diria com ternura. >
Carlos Bastos (Salvador, 1984)>
Na época em que Lygia Sampaio passou a pertencer ao grupo que rompeu com a pintura dita "acadêmica", eu me encontrava fora do Brasil, só vindo a conhecê-la, já em fase de crescimento, no "Anjo Azul". Num grupo de cactus, ela era a única flor mulher, deste movimento. Suave e tímida, ao mesmo tempo corajosa para a época. Estas qualidades transparecem em sua pintura. Como o seu rosto de Olívia de Havilland, ela esconde uma força e um destino, que rompe barreiras e cria cultura para a sua terra.>
Mário Cravo (Salvador, 1984) >
Rever os recentes desenhos de Lygia representa uma retomada de experiências e sensações. Companheira e amiga de tantos anos, possui ainda fresca sua visão do mundo, através do seu desenho levemente colorido, onde os temas de personagens, naturezas-mortas e retratos permanecem estimulantes e vivos.>
Myriam Fraga (Salvador, 1984)>
É difícil subtrair a pintura de Lygia da figura de Lygia. Sua modéstia, sua extrema delicadeza, a finura, tudo é transportado para a tela através de um desenho fluente, sóbrio e exato, extremamente gracioso e bem expresso.>
Matilde Matos (Salvador, 2010)>
Talento inato, Lygia Sampaio fez o curso de desenho e, apenas, o primeiro ano de Belas Artes da UFBA. Cedo se destacou pela força do seu desenho preciso e criativo e pela expressividade da sua pintura. (...) De natureza tímida, a desenhista se animou a participar da uma primeira exposição com Jenner, Rubem Valentim e Mario Cravo, em 1950. A desenhista e pintora evoluiu rapidamente, e seus retratos a óleo sobre tela, pintados entre 1952 e 55, revelam tocante sensibilidade. O desenho figurativo ganhou uma trama muito característica, enfatizada nas letras miúdas de matérias de jornal, em técnica mista que desafia a colagem, suprindo as sombras.>
Cesar Romero (Salvador, 2013)>
Surgem santos de devoção, naturezas-mortas, igrejas e tudo que a memória baiana lhe deu por empréstimo. Pode-se pensar que Lygia apostou em duas formas de marcar a superfície, uma com desenhos lineares soltos, como nas imagens de Santo Inácio, Iaôs, Dominó, onde a fluidez dos traços apenas sutilmente insinua. Outra nas colagens com jornais, no suporte onde geralmente surgem rostos que são trabalhados com linhas sobrepostas, verticais, horizontais, diagonais, circulares, pontilhadas, criando uma trama densa, que vaza em claro-escuro. Aí entra um diálogo sutil entre as letras dos jornais e a teia em nanquim. O destaque é sempre a figura humana. Certeira em suas intenções, foge dos excessos e investiga as entranhas, na singeleza dos recursos e meios.>