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Luiza Gonçalves
Publicado em 16 de abril de 2025 às 10:53
Contrastes, expressividade e exposição das tensões. A mineira Sonia Gomes se faz uma das herdeiras do legado barroco brasileiro, em sua arte-memória que transforma tecidos carregados de vivências em instalações, quadros, objetos de um fazer afro-contemporâneo. Um elo reafirmado pela exposição 'Barroco, mesmo', mostra que reúne 60 obras de Gomes, além de fotografias de Lita Cerqueira retratando a artista em seu ateliê, que está em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da Bahia até o dia 13 de julho. >
“Nós quisemos aprofundar a relação de Sonia Gomes com o legado barroco, tendo como ponto de partida seu interesse pela duração e pela memória, pela combinação de elementos oriundos de diferentes origens e temporalidades, e pela ênfase na assimetria, no movimento, na transformação e na ambivalência como princípios criativos”, explica Paulo Miyada, curador da exposição e diretor artístico do Instituto Tomie Ohtake (SP).>
Sonia Gomes, 77, é uma artista visual nascida em Caetanópolis, no interior de Minas Gerais. Suas obras constroem, a partir de tecidos antigos, pedaços de vida que são transformados e submetidos a bordados e torções, esculturas, instalações e quadros de pano, que evocam memória, identidade racial e a vida da artista.>
“A obra de Sonia Gomes nos instiga a olhar para o Barroco como algo que vai muito além de um modelo estético. Ela nos lembra que o Barroco emergiu como um gesto de revolta e resistência às tendências tecnocráticas de uma época, conclamando as diferenças, a sinestesia, o desejo, o movimento e a mistura. Nesse sentido, o Barroco europeu pode ser lido como um ensaio que teve nas Américas sua expressão mais radical, pois encontrou uma sociedade que precisava expressar sua inconformidade com os modelos estanques do colonialismo”, afirma Miyada.>
Ouro Preto e Salvador >
No MAC-Bahia, 'Barroco, mesmo' inicia na galeria térrea, onde seu amplo espaço se abre para uma imersão em diferentes aspectos da produção de Sonia Gomes, com obras suspensas e distribuídas nas paredes. Em seguida, há um ambiente de maior intimidade, com três obras para observação detalhada. No andar superior, estão expostos elementos do ateliê da artista, tais como tecidos, botões, retalhos e cordas, além de bolsas e colares feitos pela artista desde antes de sua inserção profissional.>
A mostra em Salvador acontece simultaneamente à edição mineira da exposta em Ouro Preto. No segundo semestre de 2025, as experiências das duas mostras convergem e seguem para São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake.>
A articulação entre Minas e Bahia, estados onde o barroco está mais visível, bem como a vivência nas cidades foram cruciais para a concepção da exposição. "É impossível falar do Barroco no Brasil sem falar de Ouro Preto e Salvador — assim como é muito difícil pensar nessas cidades sem mencionar o Barroco. Trata-se de uma dimensão estética de um processo que é também político, econômico, histórico e social. O processo de pesquisa, montagem e diálogo vivido nas últimas semanas em Ouro Preto e Salvador confirmou e aprofundou a escolha dessas cidades”, defende Miyada.>
Nas cidades, Sonia Gomes manteve diálogos com artistas e pensadores como Eduardo Evangelista, Leda Maria Martins, Goya Lopes, Wlamira Albuquerque, Alejandra Muñoz e Josi, além das equipes e educadores dos museus e dos visitantes espontâneos. Segundo o curador, com a chegada da exposição à cidade, a expectativa é de convergência e identificação entre a obra de Sonia Gomes e o público: “Seu trabalho lida com memórias coletivas e provoca reflexões sobre o tempo e a ancestralidade. Será uma felicidade ver como o público responde a esses convites”. >