FATO OU FAKE?

Obra pré-modernista de Tarsila do Amaral pode ser falsificação

Tela de 1925 foi colocada à venda por R$ 16 milhões e expõe briga entre herdeiros da pintora mais cara do país

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Publicado em 10 de abril de 2024 às 05:00

Tela atribuída a Tarsila do Amaral à venda por R$ 16 milhões
Tela atribuída a Tarsila do Amaral à venda por R$ 16 milhões Crédito: : Divulgação/Filipe Berndt

Colocada à venda na semana passada na feira SP-Arte por R$ 16 milhões, uma pintura atribuída a Tarsila do Amaral, e apontada por especialistas ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo como falsa, deixou colecionadores e os inúmeros herdeiros da artista tensos.

Quando morreu, em 1973, aos 86 anos, a pintora paulista não deixou filhos nem cônjuge. Em 2005, seu espólio passou a ser administrado pelos quatro sobrinhos-netos: Tarsilinha, 59 anos, Paulo do Amaral Montenegro, 66, Luís Paulo do Amaral, 57, e Heitor do Amaral, 65.

Envolvidos há anos numa amarga disputa pelo comando dos direitos autorais da modernista, os herdeiros foram pegos de surpresa com a exposição da tela. Em entrevista à Folha, Paula Montenegro, sobrinha-bisneta da pintora e atual administradora do espólio, afirma desconhecer o quadro. 

A tela com casas e coqueiros, uma paisagem tipicamente brasileira, que seria da fase “Pau-Brasil” de Tarsila, foi vista por pouquíssima gente, na verdade. Apesar de estar à venda na SP-Arte, a maior feira do ramo no país, a obra não estava exposta, mas guardada numa mala. O proprietário da pintura, um homem de 60 anos, que prefere não se identificar, não apresentou documentação relativa ao histórico do quadro. Mas alega ter trazido a obra para o Brasil há pouco tempo, depois de ela ficar com sua família no Líbano pelos últimos 50 anos.

Junto com a tela supostamente falsa veio à tona novamente a questão da briga familiar pela herança de Tarsila, que foi casada com o também modernista Oswald de Andrade. Os quatro herdeiros principais disputam o controle dos direitos autorais e do licenciamento de produtos - há quase 60 herdeiros, entre sobrinhos e sobrinhos-netos.

A reportagem da Folha relata que, até mais ou menos 2020, Tarsilinha negociava as parcerias comerciais e as exposições com aval dos outros três sócios. O dinheiro era dividido igualmente entre os quatro, e, além disso, Tarsilinha recebia 10% do faturamento por administrar os negócios. Valores menos significativos eram repassados aos demais herdeiros.

Até 2019, a soma não era tão alta. Começou a fluir depois da venda das pinturas A Lua, para o Museu de Arte de Nova York (MoMA) R$ 75 milhões, e A Caipirinha, leiloada em 2020 por R$ 57,5 milhões. Embora nenhum dos dois fosse da família, os Amaral receberam pelas vendas graças ao direito de sequência. por

Tarsilinha diz que a partir daquele momento os três outros sobrinhos-netos passaram a querer participar ativamente da administração dos direitos autorais da tia-avó. Ainda segundo ela, Paulo, Luís Paulo e Heitor começaram a excluí-la das decisões e teriam “tramado para dar um golpe e removê-la do negócio”. 

O ponto central da desavença é um rombo de R$ 1,5 milhão que Tarsilinha teria deixado na empresa, devido à sua contabilidade falha. O valor é agora cobrado na Justiça pelos três sócios dela. Em outro processo, os três herdeiros acusam a parente de concorrência desleal, pois ela estaria fechado negócios paralelos envolvendo os direitos da pintora por outra empresa que não a da família. Tarsilinha nega a acusação e diz usar sua outra empresa, a Manacá, para escrever livros, fazer palestras e curadorias sobre sua tia-avó com o conhecimento acumulado em décadas de estudo da obra da artista.

Em 2015, ela firmou, via Manacá, um contrato com o Theatro Municipal de São Paulo para duas exposições. Uma trataria da vida de Tarsila e outra teria obras do acervo de Tarsilinha, como desenhos e objetos diversos. Mas, as mostras acabaram não acontecendo e o contrato, no valor de R$ 495 mil, foi desfeito.

A Prefeitura de São Paulo abriu inquérito para averiguar este caso e uma série de irregularidades na gestão do Theatro Municipal à época. O resultado foi a condenação de Tarsilinha por corrupção, em 2019. A sentença determina que ela deve ressarcir os cofres públicos num valor hoje próximo de R$ 200 mil.

Em meio às desavenças, Tarsilinha, que é considerada uma das maiores especialistas da obra tia, deixou a empresa da família. Quem assumiu o comando foi Paola Montenegro, 29 anos, filha de Paulo e sobrinha-bisneta de Tarsila. Ela havia sido contratada pela própria Tarsilinha em 2021 para cuidar das redes sociais e do site oficial da pintora.