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Roberto Midlej
Publicado em 18 de março de 2017 às 07:25
- Atualizado há 2 anos
Paula Gomes viveu na Cidade Baixa e encantou-se com os circos que passavam por lá (Foto: Marcos Bautista/Divulgação)>
A baiana Paula Gomes, 37 anos, costuma brincar quando fala de sua formação universitária: “Passei quatro anos estudando Publicidade e me formei para descobrir que podia ser tudo, menos publicitária”.Entre as carreiras que ela descobriu que poderia seguir estava a de cineasta e, mais especialmente, documentarista. E sua estreia em longas pode ser conferida no documentário Jonas e o Circo Sem Lona, que estreou esta semana em 21 cidades brasileiras.>
O filme mostra Jonas Laborda, então com 13 anos, e o seu sonho de ter um circo próprio. Impedido pela mãe de atuar num circo profissional, ele resolve montar, no quintal de casa, o seu picadeiro, improvisado com o material que sobrou do antigo circo de sua família. CircosMas Paula diz que o filme não é exatamente sobre a arte circense: “Um dia, Jonas me telefonou e chamou pra conhecer aquele projeto dele. Quando comecei, achei que seria um filme sobre o circo, mas percebi que é muito mais: é um filme sobre os nossos sonhos, mas que usa o circo como uma metáfora. Cada um de nós tem seu próprio circo em sua própria cabeça”.Paula conheceu Jonas, que vivia na periferia de Salvador, quando ele ainda tinha 3 ou 4 anos, no início dos anos 2000. Na época, ela fazia uma pesquisa nos circos da Bahia para escolher locações para um curta-metragem. “Fiz uma viagem pelo interior do estado e conheci 35 circos no interior da Bahia, que estavam sempre lotados. Foi nessa época que conheci o circo da família de Jonas e me aproximei da mãe dele, Vilma”, lembra-se a cineasta. Graças àquela pesquisa, o então secretário da Cultura, Márcio Meirelles, convidou-a para implantar o Núcleo de Artes Circenses, onde deu início ao mapeamento do circo no estado.A primeira exibição de Jonas e o Circo Sem Lona foi no Festival de Documentário de Amsterdã, na Holanda, no final de 2015, onde era a única produção latino-americana. Em Toulouse, na França, ganhou o prêmio do público. “Já passamos por mais de 20 países e conseguimos licenciar a exibição para TV na Coreia do Sul”, comemora Paula.Fora do Brasil, antes de começar a ser filmado, o documentário teve outra importante conquista: foi uma das cinco produções escolhidas pelo Festival de Tribeca (que tem Robert De Niro como cofundador) para uma consultoria gratuita, com profissionais que aconselhavam mudanças para melhorar o projeto.InfânciaCriada na Cidade Baixa, a documentarista lembra-se que, em sua infância e adolescência, frequentava circos que passavam por lá. “Depois que eles iam embora, sentia um vazio enorme... especialmente, quando eu passava pelo terreno e via aquela área desocupada. A vontade que eu tinha era de ir com o circo”.Mas a infância de Paula também foi marcada pelas idas ao cinema, especialmente aos filmes dos Trapalhões que, por sinal, realizaram o seu melhor (e belíssimo) filme num circo: Os Saltimbancos Trapalhões (1981).Depois, já adolescente e adulta, interessou-se por cineastas “sérios”, como Godard, Woody Allen e Wong Kar Wai. Entre os documetaristas favoritos, cita como referência o brasileiro Eduardo Coutinho (1933-2014), de Cabra Marcado Para Morrer (1984).“Sempre fui apaixonada por ficção e já fiz um telefilme de ficção para o Canal Brasil. Mas o documentário só chegou mais tarde em minha vida. Me apaixonei completamente pelo gênero e mudei totalmente a minha forma de pensar o cinema”, diz Paula.Fora do BrasilJonas e o Circo sem Lona foi finalizado na Argentina, onde Paula Gomes estudou Cinema depois de formar-se em Publicidade. Em Buenos Aires, ela estudou junto com antigos colegas da faculdade, com quem montou a produtora Plano 3 Filmes. “Estudar lá foi uma experiência maravilhosa. Conhecemos muitos realizadores de países diferentes e criamos praticamente uma rede de cineastas da América Latina”, diz Paula.Antes, ela havia passado uma temporada na Espanha, também com os ex-colegas que hoje são seus sócios: Haroldo Borges, Ernesto Molinero e Marcos Bautista.O próximo lançamento da Plano 3 já foi filmado: o longa de ficção Filho de Boi, rodado perto de Uauá, no interior da Bahia. Dessa vez, Paula assina o roteiro e a produção. A direção é de Haroldo Borges. É a história de um menino que tem uma relação complicada com o pai, um vaqueiro ‘duro’ do sertão. O garoto fica sabendo que o circo procura um novo palhaço e se candidata à vaga. Vence e acaba viajando com a trupe. No final do ano, o filme deve ser exibido em festivais.Única mulher do coletivo de arte a que pertence, Paula diz que o sexo feminino devia estar mais representado no cinema brasileiro: “As mulheres estão no set, mas muito mais como produtoras. A gente pensa nela como aquela que é responsável pelo transporte, por exemplo. Mas ela precisa estar na direção e no roteiro dos filmes. É necessário o olhar feminino na tela”.>