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Raquel Brito
Publicado em 30 de novembro de 2023 às 05:00
Afeto, ancestralidade e pertencimento. A 29ª edição do Prêmio Braskem de Teatro, que aconteceu nesta quarta-feira (29) no Teatro Sesc Casa do Comércio, homenageou artistas que já se foram e celebrou os talentos atuais. A cerimônia aconteceu a partir de intercalações entre o espetáculo “Afeto: Um auto de amor ao teatro”, dirigido por Andrezão Simões, e as entregas dos prêmios, divididos em nove categorias. >
Além do afeto, a peça tocou em temas como africanidades, nordestinidades e a diversidade nos palcos, com direito à protagonista Inteligência Ancestral (numa brincadeira com a sigla IA, de inteligência artificial), cordéis e um balé de artistas transsexuais performando a canção "Dancing Days”, de Lulu Santos. O evento contou também com a participação de nomes como a jornalista Rita Batista, que cantou "Estado de Poesia", de Maria Bethânia.>
“Esta foi uma noite gloriosa, de muitas trocas e aprendizados. O Prêmio Braskem de Teatro é um instrumento de valorização do fazer teatral e oportuniza grandes artistas, de toda a Bahia, o reconhecimento do seu trabalho. Celebramos este grande dia com criticidade, mas com muita diversão”, disse Andrezão Simões, diretor do espetáculo. >
O troféu de Direção foi para Cássia Valle, Leno Sacramento e Valdinéia Soriano por “2 de Julho - A Resistência Cabocla”. Já a categoria Texto foi para Gildon Oliveira, por “Cintilante” e “Aviamento”. José Carlos Júnior recebeu a estatueta de Ator pela sua desenvoltura na peça “A Arte da Comédia”, enquanto Manu Santiago foi eleita Atriz por “O Rabo e a Porca”.>
Já o prêmio de Revelação desta edição foi para Veridiana Andrade, pela atuação em “Maldita Seja”. Na categoria Especial, pela cenografia e iluminação de “Adelino”, Gilsérgio Botelho; e, na categoria Performance, “Peito Aberto”, de Erik Israel, foi premiado. Os vencedores receberam R$30 mil para os melhores espetáculos Adulto e Infantojuvenil e os demais R$5 mil cada, além dos troféus.>
“O teatro é feito por encontros e estamos muitos felizes de estarmos representando o interior. Vamos continuar lutando e ampliando o teatro da Bahia como um todo. Estamos juntos e vamos continuar juntos”, disse o ator Ricardo Fraga, integrante de Adelino, obra premiada na categoria Espetáculo Infantojuvenil. >
Erik Israel, vencedor da categoria Performance por “Peito Aberto”, destacou em seu discurso outro ponto essencial do espetáculo: não deve haver diferenciação entre o teatro do interior e o da capital. “Eu venho do extremo norte da Bahia, de Paulo Afonso. Nós fomos esquecidos por muito tempo. Vocês não sabem o quanto é difícil fazer teatro no interior, é uma luta diária. (...) Às vezes nós não temos o incentivo, e eu já vi milhares de amigos deixarem de fazer o que amam porque não têm oportunidade”, disse o ator em seu discurso. >
Entre os artistas homenageados, estava o figurinista Maurício Martins, criador do Acervo Boca de Cena. A coleção, que nasceu como um acúmulo de roupas na casa de Martins quando ele não tinha onde guardar os figurinos de peças que saíam de cartaz, foi crescendo e hoje é o maior acervo de figurinos do Norte e Nordeste.>
Para ele, é gratificante ter seu trabalho reconhecido pela premiação. “Saber que existe o reconhecimento desse empenho, o reconhecimento de como é importante esse acervo para a salvaguarda e a memória do teatro baiano, me dá uma gratidão imensa. Me faz saber que estou no caminho certo e me dá mais estímulo para continuar. Até, quem sabe, a criação de um museu do teatro”, conta o figurinista.>
Laís Campos, responsável por marketing e comunicação na Braskem da Bahia, conta que o poder transformador do teatro é o que faz a empresa continuar a celebrar essa manifestação artística. “O teatro valoriza, dá visibilidade e celebra o talento das artes baianas. O espetáculo de hoje celebra o passado e o presente, e foi feito com muito afeto, como o próprio nome diz. Ele traz a importância da diversidade no nosso dia-a-dia, mostra o quanto isso é rico”, diz. >
Para Dalmo Peres, CEO da Caderno 2, realizadora do Prêmio, todas as edições da cerimônia são marcantes de seu próprio modo. “Para mim, esse prêmio é uma uma grande homenagem à classe teatral da Bahia, então é uma oportunidade de reunir toda essa galera que faz um teatro maravilhoso aqui no estado, com muita dificuldade ainda, infelizmente, e falta de apoio. Este é um momento para comemorar e festejar. Esta é uma festa regada a afeto e amor ao teatro”, afirma.>
A cerimônia foi fechada com uma homenagem ao ator, professor, diretor de teatro e teatrólogo mineiro Amir Haddad, um mestre do teatro de rua que transita entre o teatro tradicional e as produções populares. A honra foi entregue pelo também ator Jackson Costa, que também tem origem no teatro de rua. >
“A Bahia se curva em reverência à sua genialidade, ao seu talento, à sua luta de muitas décadas, às suas encenações e suas provocações. A Bahia te aplaude, mestre”, disse Jackson ao ator, com quem subiu ao palco. >
“Eu estou muito emocionado, gratificado e em paz com meu ofício. Afinal de contas, eu nunca fiz outra coisa na minha vida a não ser o teatro. E agora, eu acho que estava certo, vendo vocês aqui”, agradeceu Haddad.>
Com auxílio da tecnologia, que permitiu projeções nas paredes do teatro e evocação de performances antigas de grandes nomes da quinta arte, foram feitos tributos a artistas como Harildo Deda, Martim Gonçalves e Nilda Spencer. >
“Nós vamos continuar” foi o lema da noite, entoado em coro e repetidamente pelos ganhadores de cada categoria, em consonância com a luta do teatro baiano e à primeira homenagem da cerimônia, ao ator e diretor Harildo Deda, falecido em setembro deste ano. No tributo, atores e amigos atuaram como num dueto com personagens conhecidos de Deda, como o Souza, de Em Família, peça de 2019.>
Nilda Spencer, que completaria cem anos em 2023, foi homenageada pelo crítico e pesquisador de teatro Marcos Uzel, que destacou o pioneirismo da atriz, desde os fatos, como ser a primeira mulher a dirigir uma escola de teatro numa universidade brasileira, até as lendas, como a de que ela foi a primeira mulher a beber Coca-Cola na Bahia. >
“Nilda foi a primeira rainha dos artistas da Bahia, coroada em 1969 no pioneiro Baile das Atrizes do Teatro Vila Velha. Foi a primeira atriz baiana a fazer radionovelas na BBC de Londres e foi uma das primeiras a abraçar e se destacar no cinema underground da Bahia”, enumerou Uzel.>
Em seu discurso, a atriz Veridiana Andrade, vencedora da categoria Revelação, ressaltou a necessidade de políticas públicas e privadas consistentes para a valorização de quem trabalha com teatro. "O apoio é importante, o fomento à arte é importante. Políticas consistentes, de longo prazo e que pensem a saúde mental e física de nós, artistas, que precisamos continuar. Porque nós vamos continuar", afirmou Veridiana.>
Durante a cerimônia, o ator Deolindo Checcucci aproveitou o espaço para reivindicar que a classe artística do teatro baiano seja ouvida pelas autoridades, destacando a falta de recursos e de escuta recorrente. >
“É o terceiro mandato do PT no Governo da Bahia e, infelizmente, os nossos governantes não têm dado importância à cultura. As verbas são ínfimas, e as coisas parecem que não vão melhorar. Nós temos um secretário que não aceita o diálogo, que se recusa a receber as pessoas que fazem teatro na Bahia”, disse.>
*Com orientação de Doris Miranda.>