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Coautor de Fricote e compositor de Mundo Negro, Paulinho Camafeu vive no ostracismo

Pouca gente sabe, mas Camafeu divide com Luiz Caldas a assinatura da música que marca o surgimento da axé music

  • Foto do(a) author(a) Alexandre Lyrio
  • Alexandre Lyrio

Publicado em 11 de fevereiro de 2015 às 08:04

 - Atualizado há 2 anos

Para a multidão que pulsa nos circuitos Dodô e Osmar, pouco importa quem ele é. Se sair às ruas nesse Carnaval, o sujeito franzino provará nas avenidas o sabor de não ser reconhecido. Certamente não dará autógrafos. O ostracismo persegue Paulo Vitor Bacelar, 67 anos, o Paulinho de Camafeu. Afinal de contas, que homem é esse? Longe dos holofotes, Paulinho de Camafeu foi importante para o axé e para a música que precedeu o estilo (Foto: Dadá Jaques / Divulgação)A pergunta correta seria: Que Bloco é Esse? Paulinho, autor dos famosos versos, responde: “É o mundo negro que viemos mostrar pra você”. Ao mesmo tempo anônimo e imortal, Paulinho é um vidente que mora na obscuridade. A composição Mundo Negro, criada há 40 anos, é uma das criações que o colocam entre os letristas mais importantes da cena artística e carnavalesca da Bahia. Mas, além de Mundo Negro, o Carnaval de Salvador deve a Paulinho o hit que inaugura o axé.CONFIRA TODA A COBERTURA DE CARNAVALPouca gente sabe, mas Camafeu divide com Luiz Caldas a assinatura da música que marca o surgimento da axé music. Fricote ou Nêga do Cabelo Duro é a referência musical que mostrou a força do estilo. “Minha parceria com Luiz Caldas é transcendental”, disse Paulinho, derretendo-se em elogios. “Ele é um monstro da música”, definiu, sentado no sofá da sala, em uma casa no Pau Miúdo, onde luta contra complicações ocasionadas pelo diabetes.  A letra de Fricote, que usa a linguagem popular da época, serve de base para os artistas que fariam os carnavais das décadas seguintes. Gravada pela Banda Acordes Verdes, que tinha Caldas nos vocais, Carlinhos Brown e Alfredo Moura na percussão e Cesinha na bateria, a música Fricote causou polêmica quando lançada no disco Magia, em 1985. “Entenderam errado. A gente queria dizer para as negras não espicharem os cabelos”.O ostracismo não magoa Camafeu. Não se sente injustiçado pelo destaque dado unicamente a Luiz Caldas pela mídia. “Dizem que Luiz me escondeu. Mas não foi isso. Ele é o intérprete. A mídia é isso mesmo. Quem aparece mais é quem canta”.  Antes de Fricote, Paulinho já havia lançado Deboche, outro sucesso, gravado por Sarajane. Com Carlinhos Brown, fez Vale: “Não lembra não? É aquela, ó: ‘Eu quero um vale, eu quero um vale, eu quero um vale’”, cantarola. Percussionista de origem, multi-instrumentista por vivência musical, Paulinho também entregou suas criações a gente como Pepeu Gomes, Paulinho Boca, Timbalada, Fafá de Belém, Sergio Mendes e Cheiro de Amor. Com Chocolate da Bahia e Bell Marques compôs a famosa Menina do Cateretê. Outra parceria com Bell e Wadinho Marques é Meu Cabelo Duro é Assim. DesfileComo também é autor de Mundo Negro, Paulinho é ao mesmo tempo precursor e um dos criadores do axé. “Até porque os axezeiros todos beberam na fonte dos afros. Sem a explosão de Mundo Negro e dos blocos afros o axé sequer existiria”, afirmou Geraldo Badá, amigo de Paulinho, que organiza shows e homenagens para angariar fundos em prol do compositor. A música Mundo Negro marca o histórico desfile inaugural do Ilê Aiyê, no Carnaval de 1975, 10 anos antes de Fricote. No auge do Black Power, um novo e poderoso instrumento de afirmação inaugurava um período de transição. O primeiro desfile do Ilê resume a curiosa metamorfose entre o black e o afro, o soul e o ijexá. O refrão simboliza bem essa passagem. “Somo crioulo doido, somo bem legal, temo cabelo duro, somo black pau”. Vigorava a alma black por debaixo daquelas fantasias de senegaleses. A música de Paulinho era tão marcante que quase era escolhida como o nome do bloco. O Ilê por pouco não se chamou Mundo Negro. “Pensamos em batizar de Black Power ou Mundo Negro. Só depois decidimos por uma referência africana”, explica Vovô do Ilê. Não por acaso, a canção foi gravada por outros 27 artistas. O primeiro deles Gilberto Gil, em Refavela (1977). Daniela Mercury e O Rappa também fizeram versões famosas. Compositor nato, Paulinho segue fazendo música. Compôs até na UTI do hospital, na última recaída depois que amputou a perna direita. Nesta página faltaria espaço para citar todo o acervo musical. Segundo o próprio, são quase 300 gravações. Filho e neto de músicos, afilhado do célebre comerciante do Mercado Modelo e mestre de capoeira Camafeu de Oxóssi, Paulinho é reconhecido e cumprimentado nos meios artísticos. Mas, diante do grande público, passa batido. Por isso, quando virem esse homem na rua, saibam que não se trata de um sujeito qualquer.   ‘Ele absorveu culturas da periferia’,  diz Gilberto GilDepois de uma rápida passagem de som para sua participação no show de Luiz Caldas, ontem, no Museu du Ritmo, Gilberto Gil falou por telefone ao CORREIO sobre Paulinho de Camafeu. A grande mídia e o grande público não conhecem Paulinho. Qual a importância dele para a música baiana?A própria alcunha dele vem do fato de ter sido criado por Camafeu de Oxóssi, uma liderança importante do Comércio, dos Filhos de Gandhy e dos candomblés da Bahia. Conviveu com grandes cantores e compositores. Paulinho cresceu nesse ambiente, muito articulado nos bairros periféricos, absorvendo as culturas desses lugares, onde tinha tudo isso que a gente chama de cultura negra da Bahia. Foi um dos primeiros a manifestar o gosto pela divulgação dessa cultura, um grande músico, um grande pandeirista. O primeiro a cantar Ilê Aiyê, que eu gravei, ajudou na criação do Fricote com Luiz Caldas.Por que a música Mundo Negro, do Ilê Aiyê, entrou para a história? O que você se lembra do desfile do Ilê em 1975?Eu não me lembro propriamente. Só sei que foi incrível. Essa canção levou o nome do Ilê Aiyê para o Brasil inteiro. A primeira canção a falar das características do Ilê e do novo papel que ele exercia na cultura negra da Bahia. Um papel que nasceu com influência do movimento Black Power americano. Como foi essa metamorfose?Essa canção fala justamente disso. O Black Power era uma manifestação mundial originária dos EUA. Aí Paulinho fez aquela corruptela, a forma popular de se referir ao Black Power, que era o Black Pau. Uma apropriação da expressão que já reproduzia uma manifestação das comunidades. E Fricote, o marco que inaugura o axé? Fricote é um desdobramento disso, é uma música sobre a periferia, a Baixa do Tubo, que toda a classe média desconhecia. Uma comunidade surgida da ampliação da cidade nas décadas de 60 e 70. Ele trouxe os personagens da comunidade e seus modos de relacionamento. Tudo em um linguajar muito interessante. A canção explodiu, fez surgir Luiz Caldas e tudo isso que tá aí. E hoje faz parte da história.