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Alexandre Lyrio
Publicado em 3 de março de 2019 às 06:30
- Atualizado há 2 anos
Imagem do Gandhy na Castro Alves em 1992 (Foto: Claudionor Junior/Arquivo Correio) No primeiro desfile, em 18 de fevereiro de 1948, um domingo, eram apenas 36 estivadores. Entre eles Vavá Madeira, Careca e Seu Dinho do Pinto Preto. Vestiam lençóis brancos e tranças feitas com réstias de cebola enroladas nas cabeças. Muitos inscritos não desfilaram com receio da repressão policial. “Ninguém podia imaginar o que a polícia podia fazer”. Como ficou tudo bem na estreia, na segunda-feira eram mais de cem homens na avenida. Acompanhe todas as novidades do Carnaval Correio Folia>
No mês seguinte ao que o CORREIO nascia, o afoxé Filhos de Gandhy completava 30 anos. A reportagem de página inteira trazia esses e outros detalhes da fundação do bloco e dos carnavais que se seguiram. Trazia, inclusive, a primeira polêmica histórica do bloco, muito mais transformadora do que a controvérsia atual sobre a fantasia dourada em comemoração aos 70 anos.>
Em 1951, muita gente reclamou do fato de o bloco ter deixado de ser apenas de estivadores. Os Filhos de Gandhy quebravam a sua primeira tradição. “Apesar de ter sido fundado por estivadores, a partir de 1951 o bloco passou a admitir outras pessoas. A ideia não agradou”, diz a reportagem. Acontece que o crescimento do tapete branco era inevitável. O afoxé precisava de associados para sobreviver, argumentava a diretoria à época, prometendo manter a essência. O Gandhy se abriu e, 30 anos depois, já tinha 800 associados.>
O fato é que o confronto entre tradição e modernidade sempre esteve presente na história do Gandhy. O argumento do diretor do Gandhy na época se assemelha ao do presidente atual do bloco, quando se defendeu sobre a fantasia dourada e o calçado “Crocs” que substituiu as alpercatas. >
“Tudo no Gandhy tem uma polêmica. Não estamos mudando a tradição. Mantemos os cânticos, os adereços, os instrumentos e a musicalidade. Estamos preservando o tapete branco, que é visto de cima”, disse Gilsoney de Oliveira, destacando que a cor do turbante foi mantida. “O Gandhy não é só sua fantasia. A tradição sempre se manteve com todas as mudanças”, pontuou, lembrando de outras polêmicas históricas.>
“A fantasia original era toda branca. Um lençol branco e um pano na cabeça. Daí teve polêmica quando se acrescentou os desenhos e a cor azul. O azul não existia e foi incorporado. Depois teve polêmica quando criou o turbante, que hoje é tradicional. Em seguida teve polêmica quando colocou o carro de som, a mesma coisa quando colocou trio”.>
Algumas dessas passagens sobre a beleza, a tradição e as polêmicas do Gandhy estarão nos destaques desta página. Neste especial que preparamos sobre a história do afoxé, traçamos um resumo do que foi o bloco ao longo dos 40 anos de cobertura do CORREIO. São 70 anos de Gandhy em 40 de jornalismo. Sete décadas de tradição, polêmicas e muita paz. >
1 - Rivalidade: Som dos trios atrapalham cadência dos afoxés Afoxés eram sufocados pelo som dos trios na década de 1980 (Foto: CARLOS CATELA/Arquivo) ) Na década de 1980, os Filhos de Gandhy se estabeleceram de vez como o tapete branco. Ao mesmo tempo, o som dos trios elétricos ganharam potência e começaram a rivalizar não só com o Gandhy, mas com Badauê, Império da África e Filhos do Congo, todos conhecidos pela cadência do ijexá, ritmo tocado com mais leveza e sem amplificação. O Correio da Bahia de fevereiro de 1986 abordou o problema: “Apesar dos trios elétricos terem prejudicado a apresentação dos afoxés, o êxito dessas agremiações ficou comprovado. Mesmo com os trios conseguindo sufocar o ritmo cadenciado, as pessoas que assistiam não conseguiam se conter e saíram cantando ao som calmo de atabaques, agogôs e caxixis”. Na década de 80 já havia a preocupação com a falsificação das fantasias. No carnaval de 1984, a diretoria implementou mudanças para combater a prática. “Usarão uma faixa na cintura com a inscrição: 100 anos de Carnaval na Bahia”.>
2 - Padê - Licença para Exu: Na fé e na paz com ‘folha corrida’ Tradição do Padê de Exu é mantida (Foto: Marcos Aurelio Martins/Arquivo CORREIO) Entre as décadas de 80 e 90, o Gandhy seguiu tentando manter suas tradições religiosas e sociais. Na primeira, cumpria à risca (e ainda cumpre) o ritual do Padê, momento em que a entidade pede licença a Exu antes de sair do Pelourinho e desfilar pela Rua Carlos Gomes e pelo Campo Grande. Na segunda, tentava se manter como exemplo de paz na avenida. Tanto que, no Carnaval de 1991, o bloco tentou resgatar uma exigência dos seus primórdios, quando exigia antecedentes criminais dos seus associados. A “folha corrida” criou polêmica e “acabou fazendo com que um grande número de participantes do bloco deixassem de desfilar esse ano”, como mostrou o Correio da Bahia de fevereiro de 1991. O presidente à época, Dalvadízio Fonseca, justificou a nova regra como forma de “evitar atritos com a Polícia Militar”. “Ninguém gosta de mudança, mas foi preciso para evitar confusões”. O bloco perdeu 30% dos seus associados. Naquele mesmo ano, outra novidade agradou os integrantes do afoxé. “Um potente caminhão de som foi saudado com entusiasmo pelos associados, que, pela primeira vez, ouviram bem o som dos atabaques e agogôs sem serem abafados pelos trios”. FOTO DE MARCOS AURÉLIO MARTINS/Arquivo Correio de 10 de fevereiro de 1991>
3 - Gandhi baiano: Branco da paz convive com azul e com falsificações Raimundo Queiróz sobre o camelo: o nosso Mahatma (Foto: TVE/Arquivo) O azul de Ogum e Oxaguiam começou a ganhar força entre as décadas de 1990 e 2000, como mostra esta imagem que retrata o personagem conhecido como “Gandhi baiano”. Por quase 30 anos, Raimundo Queiróz desfilou no bloco representando a figura do pacifista indiano Mahatma Gandhi. Independentemente das cores, a fantasia sofria mudanças para evitar falsificações, como a que ocorreu em 1995. “Fantasia do Gandhy é falsificada por quadrilha”, estampou o Correio da Bahia de 25 de fevereiro. Quatro homens foram presos. “Grupo é acusado de falsificar 200 fantasias”. Telas de silk scream do ano anterior foram utilizadas na falsificação>
4 - Colar de beijos: Tradição x ‘invasão’ branca Troca de colares por beijos: mais uma polêmica na história do Gandhy (Foto: Andréia Farias/Arquivo CORREIO) Na década de 2000, o Gandhy viu o número de associados crescer. Se tornou disparado o maior bloco do Carnaval, com a média de 7 mil associados. Cada vez mais brancos se tornaram adeptos do tapete branco. Coincidência ou não, as polêmicas envolvendo tradição x modernidade se amplificaram. Uma das reclamações da velha guarda é de que os novos integrantes desconhecem a história do bloco e estão mais preocupados com a troca de colares por beijos, que virou moda. “Tradição e paquera marcam desfile do Gandhy”, titulou o Correio da Bahia em 2008. Em 2006, teve a polêmica do turbante azul, uma tentativa de evitar o “derrame” de fantasias falsas. Até que veio 2018 e a fantasia dourada. Mais polêmica! Os protestos contra a descaracterização do bloco viraram até perfil no Instagram. O @quegandhyeesse luta pelo fortalecimento das tradições. “Amarelo, a cor da discórdia”, estampou a matéria do CORREIO. >