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Da Redação
Publicado em 1 de março de 2011 às 07:30
- Atualizado há 2 anos
Alexandre Lyrio e Juan TorresUm gringo típico e inocente, com chapéu pescador e meias na canela, desembarca no aeroporto de Salvador. É seguido passo a passo por um soteropolitano safo, Vitória e mestre em gírias e jargões. Às vésperas do Carnaval, os dois só pensam em uma coisa: curtir a Bahia. Com uma diferença: o baiano já conhece do gingado, enquanto o gringo... pobre coitado!O turista e o baiano são encarnados pelos repórteres Juan Torres e Alexandre Lyrio. Juan, pele e olhos claros, gasta o espanhol da ascendência uruguaia para se passar por argentino, enquanto Lyrio usa o estereótipo do baiano classe média. Para a matéria, negociam os mesmos produtos, nos mesmos locais, com os mesmos comerciantes. E pagam preços bem diferentes. Chegando em Salvador, o primeiro desafio é arrumar um táxi para a Barra. Naquele assédio de clandestinos e cooperativas, surge a primeira diferença. Nos irregulares, a corrida para o gringo sai a R$ 70; para o baiano, a R$ 50. Já os cooperativados - cuja tabela marca R$ 99 numa corrida até a Barra – deixam o traslado a R$ 80 para o hermano. Enquanto isso, o baiano consegue o trajeto a R$ 70. Nos táxis branquinhos, tudo certo. Baiano e turista são tratados da mesma forma e avisados que a corrida, no taxímetro, fica por uns R$ 75.DESAFINADO Dali, para o Mercado Modelo. O baianês fluente ajuda, claro. “Tia, a como é essa boneca de cerâmica? Não venha com leotria que eu sou daqui”. “Pra você é R$ 55, meu filho. Ainda mais com essa camisa”. Cinco minutos antes, a mesma peça havia sido oferecida por R$ 60 para o turista. “Essas miséra só faz olhar. Não leva nada”, ainda reclama a vendedora. E assim, de camisas do Olodum a máscaras e bugigangas, os “colé, véi” e “cê tá maluco?!” do baiano sempre conseguem um descontinho de R$ 2 aqui ou R$ 5 ali. Mas é no berimbau que o gringo dança e paga R$ 30 contra R$ 15.rabo-de-arraia Na saída do mercado, na roda de capoeira, o ingênuo do gringo ainda leva um rabo-de-arraia financeiro. Tudo por uma simples fotografia do grupo do mestre Di Mola. Ali, o pedágio é “oficializado” por uma placa em vários idiomas. Feita a imagem, lá vem o mestre: “Nós cultivamos a tradição da Bahia e blá-blá-blá... Leve nossa camisa por R$ 20”. “No, gracias”. “Mas você fez a foto, tem que ajudar. Tome, dê R$ 15 e leve o CD”, finaliza o mestre Di Enrola... digo, Di Mola. Enquanto isso, o baiano faz a foto sossegado e, no papo com o mestre, quase sai de boa. “Então, dê só uma ajuda. Bota R$ 2 aqui no pandeiro”. SEM PROTETORPróxima parada, Porto da Barra. Aí o gringo se torra. O vendedor de óculos escuros cola no branquelo e pede logo. “Tem de R$ 40, R$ 35, R$ 30, R$ 20 e R$ 15”. O torcedor do Vitória chama o “bróder”. “Pra você tem de R$ 5, R$ 10 e R$ 15”. No consumo do ambulante com isopor fixo, mais exploração. >
Sombreiro, cadeira, uma cerveja e uma água de coco saem por R$ 25 para o turista. A conta do baiano dá R$ 9. No Pelourinho, mais papo de vendedor. Lojinha de quadros coloridos no Terreiro de Jesus. O gringo bate o olho em três, que para ele sairiam por R$ 120, R$ 150 e R$ 180. O baiano vai em seguida, e aponta os mesmos três quadros. O preço é de segunda divisão. “Sou tricolor, mas faço por R$ 55, R$ 60 e R$ 65”.Em seguida, debaixo do sol escaldante, a garganta gringa pede água de coco. Numa esquina, próxima ao Largo do Pelô, o argentino paga R$ 3. Ao baiano, o vendedor pede R$ 2. O nativo ainda chia, mas não adianta. “Cobrei R$ 3 pro gringo agora, não vou cobrar R$ 2 pra você?”.Depois de tanta enrolation-tion, o gringo resolve ver o pôr do sol do Farol da Barra e pega um táxi no ponto do Terreiro, seguido pelo baiano. O trajeto para os dois é o mesmo: Carlos Gomes, Campo Grande, Corredor da Vitória, Ladeira da Barra e Farol. Preço? para o baiano, R$ 16; para o gringo, R$ 25. Essa, só o Senhor dos Taxímetros explica, mas o gringo preferiu foi buscar ajuda no Senhor do Bonfim mesmo. E subiu a Colina.>
Para multiplicar o axé, fitinha em quantidade para levar para a família. Ao forasteiro, o vendedor cobra R$ 6 pelo molho com dez. O baiano chega, diz que é devoto do “padroeiro” e leva 20 por R$ 1. É, não tem jeito mesmo.>
Berimbau | Mercado Modelo Gringo:R$ 30 Baiano: R$ 15 - PROFISSIONAL “Este es R$ 15 y este outro, pro-fis-si-o-nal, é R$ 30”, diz o vendedor de berimbaus ao argentino no Mercado Modelo. Em seguida, o baiano chega falando logo do velho Waldemar, criador dos berimbaus coloridos. “Tem de R$ 5 e de R$ 15”, explica o mesmo vendedor pro-fis-si-o-nal. Se gringo entendesse de bênção e armada... >
Tarde no paraíso | Porto da Barra Gringo: R$ 25 Baiano: R$ 9 - SOMBRA CARA Sombreiro, cadeira, uma cerveja e uma água de coco. Total para o gringo: R$ 25. Mas aí o argentino se retou e pediu a conta detalhada. O ambulante se enrolou, baixou para R$ 20 e somou (ou multiplicou). “É R$ 10 do sombreiro, R$ 3 da cadeira, R$ 3 da água, R$ 3 do coco e R$ 4 da cerveja”. A conta do baiano? R$ 9. “O sombreiro fica de graça porque o sol está indo embora”, explicou o barraqueiro bem honesto.>
Quadro bonitão | Pelourinho Gringo: R$ 180 Baiano: R$ 65 - COISA DE ARTISTA A etiqueta do quadro de baixo marca R$ 78. Mas o vendedor pede ao gringo R$ 120, R$ 150 e R$ 180 por quadros do mesmo tamanho, logo acima. Eis a explicação: “La diferença c'est lo artista”, lançou o vendedor, misturando francês, espanhol e portunhol em apenas cinco palavras. “Este é pintura näif e este outro é cubismo. Por isso, mais caro”. Ah, tá certo! Mas para o baiano saíram a R$ 55, R$ 60 e R$ 65. >
Fitinha | Bonfim Gringo: R$ 12 Baiano: R$ 1 - AI, SENHOR! “Tem que meter a faca mesmo, né? Os gringos chegam com dinheiro. A gente tem que deixar eles lisos”, diz o vendedor, depois de cobrar R$ 6 para o argentino e R$ 0,50 para o baiano pelo mesmo molho de dez fitinhas coloridas.>