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Portal Edicase
Publicado em 13 de fevereiro de 2024 às 11:24
Vez ou outra, principalmente quando conheço pessoas novas, ouço que aparento ser muito alegre. É que estou quase sempre sorrindo, achando graça em toda a vida, praticando gentilezas, tentando encontrar maneiras de bendizer até os momentos mais estranhos da caminhada. Não sei se tudo isso tem realmente a ver com a alegria, até porque me encontro e me reconheço tão bem nos meus estágios de maior melancolia. >
No entanto, não posso negar nem rejeitar essas características que sempre me acompanharam, disfarçadas de insistência em achar a beleza que mora nas pequenas coisas. E isso, por si só, já me confere instantes de contentamento diante do viver. >
A alegria, assim como a tristeza e a raiva, é uma emoção base e inerente a nós. Ou seja: buscando-a ou não, uma hora ou outra conheceremos e experimentaremos seus efeitos. Sabe aquela sensação que fica quando realizamos um projeto que desejávamos tanto? Ou quando conseguimos experimentar coisas que nos são essenciais? >
Um passeio ao ar livre, um momento de descanso, aquela nossa música preferida que toca quando menos esperamos, o que sinto agora escrevendo essas palavras na certeza de que elas vão te encontrar: em tudo isso há espaço para a alegria se manifestar. >
Acontece que, muitas vezes, também bloqueamos sua chegada, nos achando menos dignos dela ou nos culpando por senti-la enquanto tantas situações desagradáveis continuam girando ao nosso redor. E nos esquecemos, assim, do quão essencial ela é para o equilíbrio entre todas as nossas emoções. >
É tarefa minuciosa cuidar da alegri a e dar atenção a ela, permitindo que permaneça ao nosso lado pelo tempo necessário para nos ajudar a lidar com outros sentimentos que surgem quando ela vai embora. Mas como podemos fazer isso? Como abrir caminho e dar licença para a alegria descansar em nós, entre nossos conflitos internos e externos? >
Primeiro, é importante entendermos alguns efeitos mais fisiológicos da alegria. Você sabia que, quando a sentimos, estimulamos a liberação de endorfina, serotonina, dopamina e oxitocina? Esses hormônios são conhecidos também como “o quarteto da felicidade”, capazes de nos trazer sensações agradáveis de prazer, satisfação e bem-estar. >
Na presença deles, é como se uma onda de boas novas invadisse o nosso corpo, trazendo uma resposta emocional positiva e contagiante. Se estamos muito felizes, emanamos essa boa energia e afetamos também quem nos cerca. O mesmo acontece quando permanecemos ao lado de quem está preenchido por essa emoção. >
Na animação Divertida Mente (2015), essa ação fica bem clara. No filme, as emoções básicas (alegria, tristeza, nojo, medo e raiva) são representadas por personagens diferentes entre si. A figura da alegria é uma menina sorridente, de bem com a vida , otimista, empenhada em equilibrar o convívio com as outras emoções. Nem sempre ela consegue, às vezes passa um pouco da conta, mas é fácil percebê-la e se animar diante da sua presença. >
“A alegria é esse movimento que nos coloca em contato com o outro. Podemos experimentá-la de diversas formas, individuais ou em coletivo. Mas ela sempre parte desse ponto de se espalhar, ainda que por meio de um sorriso ou uma palavra gentil”, pontua a educadora Marina Reis. >
Uma vez por mês, Marina se transforma em Rosinha e, com o rosto pintado e um nariz de palhaço, leva um pouco de diversão e bom humor para pacientes em hospitais em Belo Horizonte. Ela me contou que enxerga a alegria como um rio, que se propaga em ondas quando atiramos uma única pedrinha. >
“Um movimento nosso, uma entrega, uma gentileza, um sorriso, são capazes de melhorar a vida do outro . E, como consequência, a nossa também. Assim se propaga a onda da alegria”, explica. “Se desejamos manter a alegria por perto, precisamos andar com os bolsos cheios de pedrinhas para atirar nos rios da vida.” >
Trazendo para a nossa realidade, podemos enxergar essas pedrinhas como as pequenas coisas, os hábitos miúdos que incluímos em nossa rotina, a fim de torná-la mais receptiva à alegria. Cultivar pensamentos positivos, nos atentar para a bondade que ainda existe, manter contato com aquilo que nos conecta com nós mesmos. >
Por mais que as notícias negativas se espalhem com extrema facilidade, bombardeando nossos pensamentos e emoções, ainda é possível seguir semeando as coisas boas que trazemos em nós, sem nos alienar. >
“Vejo alegria no passarinho que voa, no nascer do sol, no sorriso de uma senhora, vejo a alegria por estar viva e, assim, me abasteço desses instantes e sigo meu caminho relembrando deles”, afirma a psicóloga e psicanalista Tayná Amorim. >
Não se trata de ser otimista a qualquer custo. Mas, quando criamos esse hábito de ver a alegria nas minúcias do dia a dia, experimentamos chances de ser mais agradecidos por nossa existência, percebendo que, mesmo com tantos motivos para nos entristecer, também há aqueles prontos a nos alegrar. “Acredito que, quanto mais descomplicamos a alegria, menos dependemos de grandiosidades para senti-la”, avalia Tayná. >
Sabe quando a gente se enche de condicionamentos , como “só vou ser feliz se conseguir este emprego” ou “só me permitirei estar contente quando todos os problemas desaparecerem”? Perdemos a chance de experimentar os pequenos prazeres que passam por nós enquanto focamos e esperamos apenas pelas grandes realizações. Desse jeito, nos distanciamos da alegria, dando a ela o lugar das expectativas e frustrações, assumindo até uma postura meio ranzinza e desconectada da realidade. >
“É fácil nos enganar com os prazeres rápidos, com relações superficiais e momentos vazios. A modernidade traz certas facilidades, mas, quando falamos de alegria, não é sobre essa euforia comum”, explica Tayná. De acordo com a psicóloga, a ideia de sermos alegres a qualquer custo ou baseando essa emoção apenas no ter diz mais sobre os estados de euforia. Aqueles passageiros, sabe? E que, quando vão embora, deixam um vazio enorme em nós. >
“Dizem que a gente nunca deve dizer certas coisas no ápice da alegria ou da tristeza, pois depois podemos nos arrepender. Penso que a euforia é essa pulsão que pega apenas um momento e nos instiga a achar que estamos completos, embora, às vezes, seja só um momento”, lembra o psicólogo Dione Dias. >
Para ele, nos encantar pelas pequenas coisas é uma forma de resistência, de fazer algo por nós em meio a tantas informações que recebemos durante um único dia. “O que a gente precisa é olhar para nós e fazer algo que a gente gosta, sem obrigação, mas realizando por prazer.” >
É importante lembrar ainda que, assim como as outras emoções, a alegria também é passageira. Embora convivam, uma hora ou outra alguma delas vai se sobressair e, para nós, fica a tarefa de acolher cada uma , compreendendo que é a harmonia entre o que sentimos que abre espaço para os aprendizados da vida. >
“Vivenciamos muitas dores e lutas, internas e externas. Em muitos momentos, será preciso dar espaço para a tristeza, para a raiva e demais emoções que naturalmente sentimos. Isso pode ser importante para que a alegria venha depois”, pontua Tayná. >
Negar o que sentimos para forçar certa alegria não é um movimento saudável e pode nos machucar, trazendo incômodos ainda maiores. Por isso, é importante nos permitir sentir, seja qual emoção for, sem pensar em certo ou errado, mas em plena consciência de que tudo é mutável e a nossa missão será sempre nos dedicar ao presente. >
“É um exercício diário reconhecer nossas dores, como também nos encantar com o que nos alegra. Não é fingir que não sentimos, mas passar a considerar nossas dores e sofrimentos, assim como as alegrias e os contentamentos”, adverte Tayná. >
Isso não quer dizer que devemos buscar a alegria com afinco ou mergulhar no medo e na tristeza como se eles fossem uma verdade absoluta. Mas é muito mais nos atentar para o que sentimos, identificar o que nos desperta certas emoções e compreender que todas elas fazem parte do que somos. Nossa, como isso ajuda! “Os contrários se complementam. Tristeza e alegria devem ser acolhidas e entendidas. Ambas nos fazem crescer se as entendermos como aprendizado”, observa Dione. >
Começar por pequenos cuidados com nós mesmos, dar maior atenção à nossa mente e ao que sentimos, assim como ao que nos afeta em cada momento e em nossas relações, não vai fazer com que a alegria permaneça sempre conosco. Mas é um exercício que pode nos levar a alternativas de cultivo mais leves, harmoniosos e condizentes com o nosso viver. >
“O caminho da felicidade é muito desejado, mas não existe um mapa. Encontrar o que nos alegra em cada momento de nossa vida é mesmo uma jornada individual e diária”, reforça Tayná. Aliás, essa trilha pode ser muito saborosa, se repararmos bem. É só a gente pensar: Qual pedrinha vou atirar agora no rio da vida? >
Por Débora Gomes – revista Vida Simples >
É jornalista. E encontra a alegria enquanto escreve ou quando vê sua cachorrinha empolgada com seus passeios matinais. >