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Portal Edicase
Publicado em 18 de abril de 2024 às 00:25
Reencontrar retratos e reler diários é uma maneira de repassar fases da vida. Em um domingo chuvoso, uma mudança de casa ou de ciclo, é comum aparecer aquela caixa que nos leva ao túnel do tempo. Esses registros são testemunhas de quem éramos em diferentes momentos. Ao encontrá-los, podemos rever nossa linha do tempo com o distanciamento necessário à reflexão. >
Isso aconteceu recentemente com a publisher norte-americana Arianna Huffington, fundadora do Huffington Post e do portal Thrive Global. Perto de completar 70 anos, em julho de 2023, ela passou um tempo com suas filhas e a irmã na casa da família, em Los Angeles, e, enquanto limpava a garagem, deparou-se com dezenas de diários e cadernos antigos, com páginas lotadas de pensamentos e preocupações de seus 20 anos. >
“Ao reler meio século de notas, fico impressionada com quatro coisas. Primeiro, pela idade em que eu sabia o que realmente importava na vida. Em segundo lugar, por quão ruim eu era em agir com base nesse conhecimento. Terceiro, como todas as minhas preocupações e medos eram desgastantes. E, quarto, quão pouco essas preocupações e medos acabaram importando”, ela escreveu no seu LinkedIn, ecoando a percepção de muitos de nós. >
Colher os aprendizados de cada etapa da existência e reconhecer o envelhecimento como uma dádiva é a grande tarefa para quem deseja uma vida longa e produtiva. “Em cada fase da vida, existe uma semente de potência que precisa ser cultivada”, diz a terapeuta transpessoal Ana Fanelli. Nutricionista e instrutora de Mindfulness e Mindful Eating, Ana conduz o retiro “Maturidade e Florescimento: Envelhecer Ressignificando o Ser que Somos”. >
As imersões são norteadas pela teoria dos setênios, do filósofo e educador Rudolf Steiner. Segundo ela, cada ciclo de sete anos guarda em si um convite e uma vibração interna, que podem ser comparados a uma semente plantada. Esta passará por estágios até dar fruto, que contém em si uma nova semente. “A percepção desses ciclos abre espaço para novas possibilidades de cura e transformação”, destaca Ana. >
A cada sete anos, segundo Steiner, existe uma tônica básica mostrando a possibilidade de crescimento. No encontro de dois dias, Ana também traz a interpretação do livro “Ciclos: Energias Vibrantes Que Afetam Nossas Vidas”, de Sara Marriott, em que cada fase tem uma palavra-chave. Do nascimento aos 7 anos, na formação do corpo físico, o verbo é respirar. Depois, dos 7 aos 14, a palavra é possuir, tendo em vista o crescimento emocional. Dos 14 aos 21, conhecer, pois é tempo de estudos, de foco no corpo mental. >
E assim por diante: dos 21 aos 28, estabelecer. Dos 28 aos 35, desapegar. “Esse é um ponto de transição, quando você se dá conta de que os padrões da sua família nem sempre são os seus”, diz Ana. Dos 35 aos 42, o verbo é progredir. Dos 42 aos 49, relacionar. “Até então, é comum termos relações imaturas, de turbulência e inquietação. Essa fase nos convida a lidar melhor com o universo das emoções”. >
Chegando à maturidade, dos 49 aos 56, o verbo é renovar, no sentido de buscar novos conhecimentos e papéis. Dos 56 aos 63, reconhecer. “Que contribuição eu vou deixar?”. Por fim, dos 63 aos 70: alcançar, vislumbrar o sentido da vida e reforçar o legado. A partir dos 70, os setênios seguintes convidam à transcendência. Tempo de contemplar, reconhecer limites e, acima de tudo, agradecer. >
O envelhecimento está associado à sabedoria em quase todas as tradições espirituais e filosóficas. O psiquiatra suíço Carl Jung explica: “Se quiser viver, precisará lutar e sacrificar sua nostalgia do passado, para assim atingir a altura que lhe é própria. E, quando atingir a altura do meio-dia, terá de sacrificar também o amor por sua própria altura, pois não lhe é dado parar. Também o Sol sacrifica sua maior força para prosseguir em frente, rumo aos frutos do outono, que são sementes de renascimento”. >
Pena que, no mundo ocidental, a maturidade nem sempre seja encarada com a merecida dignidade, muito menos com bom humor e leveza. Muitas vezes, o envelhecimento é tratado como uma doença a ser evitada. É o chamado age shaming (vergonha de envelhecer). >
“O problema é pensar no envelhecimento como contagem regressiva”, pontua Ana Fanelli. Na cultura que empurra a mulher madura para a invisibilidade, é preciso esquecer a comparação, parar de olhar para essa fase como perda e contar os ganhos que ela traz. Entre eles, o autoconhecimento. “É virar a câmera para dentro, reconhecer o mundo interno e saber que, a cada momento, podemos aprender”, sugere a terapeuta. >
Finalmente alguém que diz algo positivo sobre a menopausa . Converso com a médica Julia Sahão, especializada em medicina chinesa e acupuntura, e ela delineia uma abordagem linda sobre menstruação e climatério. Aos olhos dos chineses, cada órgão tem um significado físico, emocional e espiritual. “O útero é sagrado, símbolo de fertilidade e criação, e tem um canal energético com o coração”, ela afirma. >
Nessa visão, a menstruação é considerada um detox. Todo mês, ocorre uma troca de energia do coração para o útero. Ao fim da fase reprodutiva, o ciclo se inverte. A energia passa a ir do útero para o coração. “É uma fase em que a mulher não precisa mais se doar para criar uma nova vida e pode direcionar essa energia para si mesma. Uma oportunidade de desenvolver a automaestria”. >
Como não é raro algumas mulheres tirarem o útero por questões de saúde, a Dra. Julia esclarece que, mesmo com o órgão removido cirurgicamente, o meridiano da acupuntura continua presente, e o canal energético que passa pelo órgão segue seu trajeto. Ou seja, de outra maneira, ele segue conosco. >
Os rins também merecem atenção. “Ao nascer, recebemos uma energia ancestral, vinda do pai e da mãe, que fica armazenada nos rins. Todos os excessos vão consumindo essa energia e a reserva vai esvaziando. Por isso, o autocuidado com a saúde é essencial desde a juventude, se queremos uma longevidade saudável”. >
Na medicina integrativa, a prevenção de doenças vem primeiro e a longevidade está ligada à autonomia. A médica cita o exemplo do empresário Abílio Diniz, que faleceu aos 87 anos, em plena atividade. “A saúde vai embora a cavalo e volta de jegue”, diz ela, reforçando a necessidade de um estilo de vida saudável em todas as fases. >
Os pilares são quatro: cuidar da saúde emocional. “Tenho pacientes que comem orgânicos, mas não falam com o pai, por exemplo. Recomendo uma constelação familiar”. Em segundo lugar, a higiene do sono. “O ideal seria estar na cama entre 22h30 e 23h, acordando ao nascer do sol. De seis a oito horas é o ideal. Todo excesso gera desequilíbrio”, alerta. >
O terceiro ponto é o exercício físico, que, para pessoas com mais de 50 anos, precisa incluir musculação . “A autonomia na velhice virá da sua musculatura”, ressalta. E, no quarto pilar, a alimentação. Sem entrar nos tipos de dieta, o que vale é comer “comida de verdade”, em três refeições básicas, as mais frescas possíveis, com baixo teor de açúcar e processados. >
“Gosto do prato colorido. Sugiro incluir carboidratos complexos, como batata-doce, mandioquinha, inhame, gorduras boas, como manteiga ghee e óleo de coco, sem esquecer os antioxidantes das frutas, legumes, mel, pólen e especiarias, como cúrcuma, cravo e canela, que ajudam a não enferrujar”, lista a médica. >
Ao construir o fio da vida a partir dos setênios, entendemos que recolher o que aprendemos é fonte de coragem para adotar a atitude de aprendiz. “Na maturidade, como na infância , tudo é novidade. A gente é quem coloca o peso. Vamos cultivar redes de apoio, grupos de amigos, e não entrar na síndrome de Gabriela, ‘eu nasci assim, vou ser sempre assim'”, propõe Ana, evocando a canção de Dorival Caymmi. >
Rever os diários e cadernos antigos pode ser um bom exercício, como fez Arianna. “Se tivermos sorte e permanecermos saudáveis, não há motivo para não continuarmos construindo e criando”, diz ela, que, aos 55 anos, fundou o Huffington Post e, aos 66, o Thrive Global, empresa que fornece tecnologia de mudança de comportamento. >
“Quando você não pensa na morte como o fim, envelhecer é libertação. Talvez porque haja menos tempo à minha frente do que atrás de mim, eu não desperdice isso em coisas que não importam”, sustenta. Após migrar do estado de luta para o da graça, a empresária diz amar ter 70 anos. “Saber o que não deve ser temido me faz sentir mais eu mesma do que em qualquer outro momento. Além disso, não deixo o mistério da vida passar batido por mim”. >
Nessa jornada, vale se guiar pelo questionamento: “O que não envelhece em nós?”. “Inclua e honre tudo o que você viveu. O que conta é o ser que somos. Viemos a este mundo para fazer uma série de lições de casa a fim de ver se ele se revela. Às vezes, a gente pula uma aula, fica de recuperação, esperneia, mas segue”, lembra Ana Fanelli. >
Assim, ao honrar e respeitar os ciclos, colaboramos com a nossa natureza, permitindo que cada estágio nos faça florescer. >
Por Rosane Queiroz – revista Vida Simples >
É jornalista e cantora. Acredita que é possível começar qualquer coisa em qualquer fase. >