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Obra modernista, Macunaíma ganha adaptação para HQ, criada por dupla mineira

Criado em 1928 pelo modernista Mário de Andrade, o “herói sem nenhum caráter” ganhou os traços da dupla mineira Ângelo Abu e Dan-X

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 30 de janeiro de 2016 às 13:21

 - Atualizado há 2 anos

Batman, Superman, Capitão América, Homem-Aranha... Todos esses heróis, criados nos Estados Unidos, fizeram fama nos quadrinhos. Agora é a vez de um herói literário brasileiro ganhar as páginas de uma HQ. Ou, melhor, herói não. Na verdade, o maior anti-herói brasileiro, Macunaíma, chega à arte sequencial.Criado em 1928 pelo modernista Mário de Andrade (1893-1945), o “herói sem nenhum caráter” ganhou os traços da dupla mineira Ângelo Abu e Dan-X, em Macunaíma em Quadrinhos (Peirópolis/R$ 39/80 págs.).Foto: Divulgação Os autores, acertadamente, optaram por manter o texto original, afinal a linguagem é a principal característica desse clássico. “Fizemos um recorte, juntando algumas frases de forma que fizessem sentido. Reduzimos o texto, cortamos umas coisas, mas não mudamos as palavras, nem criamos nada. Fomos muito fiéis”, diz Abu. Essa fidelidade é exigência da editora em toda a coleção dedicada à adaptação dos clássicos da literatura. Marco modernistaA publicação de Macunaíma em Quadrinhos dá continuidade ao projeto da Peirópolis de transpor os clássicos para a nona arte, como já havia feito com Dom Quixote, do espanhol  Miguel de Cervantes (1547-1616), e A Divina Comédia, do italiano Dante Alighieri (1265-1321), entre outras obras. “Recebi o convite da editora há mais ou menos cinco anos. E me disseram que eu devia escolher algo com que tivesse afinidade”, lembra Abu, 41 anos.Para o quadrinista, havia poucas releituras daquele texto que é um dos símbolos do Modernismo brasileiro, marca da cultura brasileira no início do século XX. O filme, de 1969, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988) e com Grande Otelo (1915-1993) como protagonista, era um das poucas derivações do livro. O trabalho da dupla mineira distancia-se muito do filme.

Abu aponta ainda outros motivos para ter escolhido o livro de Mário de Andrade: “Macunaíma é um dos maiores marcos  do Modernismo. E há uma grande demanda por produtos derivados dele, principalmente nas escolas”. Além disso, lembra o desenhista, temas como  racismo e a violência contra a mulher já eram apresentados há quase cem anos por Mário de Andrade. “Ele fazia uma crítica social com muito escárnio e humor, que continua atual”, acrescenta.Foto: Divulgação O roteiro e os desenhos foram divididos de forma praticamente equitativa entre os dois autores. Em alguns momentos, nota-se uma falta de unidade entre os traços, que é proposital, segundo Abu. RapsódiaEssa falta de unidade, diz  o autor, está relacionada ao formato do livro original, considerado uma rapsódia, devido à variedade de gêneros literários  presentes nele.“Da mesma maneira que o livro é muito variado, achamos que o quadrinho deveria manter essa variação no traço. O personagem está sempre em mutação: uma hora é criança, outra hora, adulto, depois, homem de novo. Achamos que essa mutação também deveria estar presente em nosso traço”, defende Abu. Por isso, em alguns momentos, há imagens que remetem a pinturas dos anos 30; outras remetem aos mangás contemporâneos.O leitor vai notar claramente, na versão em quadrinhos de Macunaíma, a influência da arte plástica modernista . Dois desenhos de Abu e Dan-X chamam especialmente a atenção por serem inspirados por pinturas do Modernismo: o primeiro lembra muito o cartaz da Semana de Arte Moderna, de 1922; o outro representa a cerimônia de batizado  de Macunaíma, tema de um quadro da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973).A adaptação em quadrinhos traz ainda um divertido “extra”, que é o making of da elaboração da HQ. O leitor vai ver Abu e Dan-X como personagens de uma saga desde a criação até a publicação. A maior virtude da história que mostra os bastidores é a linguagem adotada pelo narrador, que incorpora as características do livro original.Estão presentes neologismos, além da linguagem popular e coloquial, que marcam a obra modernista de Mário de Andrade. Para dizer que Abu foi procurar trabalho na editora, por exemplo, o narrador diz: “Matutou e resolveu que ia fingir de artista pra campear trabalho na tapera máquina de fazer livros”. “Depois de trabalharmos tanto tempo com o livro, acabamos incorporando a linguagem”, diz Abu.

Escritor foi um dos protagonistas da Semana da Arte ModernaMário de Andrade nasceu em São Paulo, em 9 de outubro de 1893. Depois de formar-se, aos 24 anos, em piano, pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, fez sua estreia na literatura, no mesmo ano, com o livro de poemas  Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema.

Aqueles versos chamavam a atenção por se aproximarem das características do Parnasianismo, movimento literário marcado por um rigor formal com o qual, mais tarde, Mário de Andrade romperia para se tornar um dos fundadores do Modernismo, com o livro Paulicéia Desvairada, de 1922, ano em que aconteceu a Semana da Arte Moderna.

Junto com Oswald de Andrade (1890-1954) e Menotti del Picchia (1892-1988), além das pintoras Tarsila do Amaral (1886-1973) e Anita Malfatti (1889-1964), Mário de Andrade formou o Grupo dos Cinco, que protagonizou o Modernismo.

Foi durante a Semana de Arte Moderna que o poema Ode ao Burguês, de sua autoria, chocou a plateia, por conter críticas ferozes ao comportamente aristocrático: “Eu insulto as aristocracias cautelosas!/ Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!/ Que vivem dentro de muros sem pulos/ E gemem sangues de alguns mil-réis fracos/ Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês/ e tocam os Printemps com as unhas”.

Em 1927, com o romance Amar, Verbo Intransitivo, Mário de Andrade voltou a incomodar a elite. O livro contava a história de uma mulher contratada por uma família aristocrata para iniciar um jovem na vida sexual. Em 1975, foi adaptado para o cinema: Lição de Amor era estrelado por Lilian Lemmertz (1937-1986) e dirigido por Eduardo Escorel.

Mas foi com Macunaíma, em 1928, que Mário de Andrade firmou-se como vanguardista. O livro rompia definitivamente com o passado da literatura brasileira, levando para suas páginas uma linguagem repleta de coloquialismo e informalidade, além de neologismos. 

O autor incomodou os críticos mais conservadores ao substituir “se” por “si” ou “cuspe” por “guspe”. Mário de Andrade também usou elementos do folclore brasileiro: Macunaíma trazia muitas referências a lendas e crenças indígenas.

O escritor morreu em 1945, aos 51 anos. No ano passado, para marcar os 70 anos de sua morte, foi lançada uma edição especial de Macunaíma, em capa dura, com fotos raras e um autorretrato do escritor. A obra de Mário de Andrade caiu em domínio público em 1º de janeiro deste ano.