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Marcelo Sant'Ana: Ayrton Senna e a minha infância

  • D
  • Da Redação

Publicado em 1 de maio de 2014 às 04:26

 - Atualizado há 2 anos

Quando começou o GP de San Marino de 1994, meu videocassete já estava gravando. Minha agonia começava minutos ou segundos antes da largada, quando decidia em qual fita gravar a prova. Eram apenas umas cinco ou seis fitas para copiar as corridas e a cada domingo de F-1 sentia a dor de me despedir de um GP. O revezamento era inevitável. Era meu vício. Sem correr riscos, eu poderia perder algo melhor. Mas minha carreira como editor de vídeos acabou naquela manhã de 1º de maio.

A temporada de 1994 começou com uma fita a menos, porque eu aposentei a que estava o GP de Donington Park de 1993. Com 12 anos, uma das poucas certezas na vida era que Ayrton Senna nunca mais faria uma primeira volta como aquela. Rubinho Barrichello, então novato no primeiro ano, também havia sido espetacular no circuito de Albert Park.

A F-1 foi a grande paixão da minha infância. Na década de 1980, tenho mais lembranças das manhãs - e até das madrugadas - de domingo do que das tardes de futebol. No GP de Suzuka de 1989, quando a rivalidade de Senna e Prost extrapolou os limites, minha mãe me deixou ir à peça de madeira na sala e abrir a lata de leite condensado sabor brigadeiro. Inesquecível.

Do futebol, guardo recordações esparsas: a almofada que levei para assistir Bahia 2x1 Fluminense, recorde de público da Fonte Nova, a televisão do quarto de meus pais piscando o escudo após o título Brasileiro contra o Inter, jogos pela semifinal e final do Brasileiro de 1988; ou o gol perdido por Careca contra a Argentina, nas oitavas da Copa da Itália. Gostava muito também de capoeira, que joguei, salvo engano, dos 7 aos 10 anos, aluno de Mestre Boa Gente - guardo uma calça e os cordões até hoje.

A carreira de Senna está diretamente associada a minha descoberta pelo amor ao esporte. Era através do jornais e dos guias que sabia mais da categoria, dos bastidores e conhecia os pilotos. Comecei a virar jornalista antes mesmo de saber que a profissão existia.

Meses depois do acidente, viajei com meus pais pela região Sul. Na volta, fomos a São Paulo para ir ao cemitério do Morumbi. Na entrada, um camelô com uma variedade de produtos de dar inveja ao marketing dos clubes brasileiros. Camisa comprada, entramos. O segurança disse que seria fácil achar o túmulo. E foi: bastou seguir pela trilha feita sobre a grama. Senna estava a sete palmos do chão de mim. Eu já não tinha mais lágrimas. Deixei todas quando me tranquei no banheiro por volta de meio-dia, pouco antes das 14h, quando o boletim médico confirmou a morte cerebral e minha mãe me explicou que não havia mais o que fazer. Ir ao túmulo de Senna, para mim, era uma honra, e nunca motivo de tristeza.

Esses 20 anos de ausência fortaleceram minha idolatria. À lembrança de Senna, associo a garra, o perfeccionismo, a superação, o patriotismo, a segurança ao fazer aquilo que ama. Senna não tinha limites. A infância também não. Vivi os dois mundos ao mesmo tempo. Preservar a imagem de Senna é respeitar a minha própria inocência. É proteger o meu passado, época onde os carros não eram só brincadeira de criança.

Futebol  Sem Senna nas pistas, o ano de 1994 terminou marcado pela entrega a outra paixão, o futebol. Ano marcante tanto pelas histórias com meu clube como com a Seleção.

Continuo fã da F-1. Um fã racional. Ainda levanto de madrugada para ver GPs, como o último no Bahrein, o melhor que lembro nesta década, sem dúvida. Também já estive em Interlagos assistindo ao vivo - o motor Ferrari tem sim um som diferente.

Mas, sem Ayrton Senna da Silva, eu parei de disputar posições, freadas, de ganhar posições no braço ou levar o carro na ponta dos dedos. Hoje eu não acelero mais. Não vivo. Sou espectador.