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Monique Lobo
Publicado em 30 de abril de 2025 às 20:30
Com poucos meses à frente da Associação das Defensoras e Defensores Públicos da Bahia (ADEP-BA), a presidenta Bethânia Ferreira imprime seu ritmo à entidade e fala, em entrevista, sobre os primeiros passos da nova gestão, além dos desafios encontrados pelos defensores públicos ao atuar em um estado tão diverso quanto a Bahia. >
A importância do estado no cenário nacional somado à rica diversidade de biomas e a grande presença de comunidades tradicionais fizeram com que a Bahia fosse escolhida para sediar o lançamento da Campanha Nacional da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) "Justiça Climática é Justiça Social: Defensoria Pública por um Brasil mais sustentável, justo e igualitário”. O evento será realizado nos dias 12 e 13 de maio, em Salvador. >
Por que escolheu a Defensoria Pública como carreira?>
Esta é uma carreira atraente, não só pelo aspecto profissional, mas pelos valores humanos também. Atuar em uma instituição onde eu tenho a possibilidade de, efetivamente, fazer justiça social, é maravilhoso.>
Percebi, logo nos anos iniciais da minha carreira como defensora pública, que atuar nesse contexto fez com que eu modificasse o meu modo ver o mundo. Tive a possibilidade de ter contato com um mundo totalmente diferente da minha trajetória de vida. Entendi que não existe uma vivência única e que eu estava ali para garantir direitos dentro da lei, dentro das possibilidades jurídicas que existem numa diversidade de experiências de vida das pessoas.>
Como você entrou e como é hoje, sendo presidenta da ADEP? Quais são os valores que carrega desde o início da sua carreira?>
Ter entrado na Defensoria Pública não foi só uma escolha profissional. Eu escolhi o estado da Bahia para construir a minha vida e sou muito feliz onde eu estou. Iniciei minha carreira como defensora pública com um grupo super vulnerabilizado, formado por pessoas que estavam em privação de liberdade.>
Também fui coordenadora de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado da Bahia. Exercer essa função não só transformou a minha atuação como profissional, mas também a minha vida porque comecei a lidar, diretamente, com os grupos que sofrem violação de direitos humanos constantemente. Antes de chegar à presidência da ADEP, fui por dez anos titular de uma unidade de prevenção, mediação e regularização fundiária, que lida com conflitos fundiários e garante o direito à moradia. Como atuei em Salvador, trabalhei diretamente com soteropolitanos que não tiveram condição de ocupar a cidade de forma regular. Toda essa construção da minha carreira foi muito calcada no "vamos ousar e vamos garantir direitos". Eu costumo dizer que eu sou uma defensora pública extremamente intransigente com o direito dos meus assistidos. >
Até que em determinado momento, em razão da necessidade de me colocar de forma mais assertiva no processo de defesa dos meus pares, me disponibilizei para concorrer à presidência da ADEP, em uma chapa formada por colegas brilhantes que formam a atual diretoria da instituição. E, sem dúvida, de todas as missões que eu já participei na Defensoria Pública, esta é que tem me garantido o maior orgulho. Poder falar em nome dos meus colegas que estão trabalhando diretamente com as pessoas, espalhados de Norte a Sul de um estado como a Bahia, além de ouvir suas expectativas, os seus objetivos e conseguir transformar isso na garantia dos direitos dos meus colegas me dá um orgulho imenso. >
Por que optou pelo uso do palavra presidenta?>
Esta é uma mudança que acho importante marcar porque é também uma transformação no mundo às questões de gênero e precisamos compreender que é um processo de muita resistência. Se formos observar, tanto a Defensoria Pública, como a ADEP Bahia, muitas vezes foram geridas por mulheres, então não podemos desconsiderar as dificuldades e todo o processo de resistência que nós passamos. É necessário compreender que questões de gênero ainda são muito determinantes dentro da Defensoria Pública, assim como de outras instituições.>
Resistir às diversas camadas que nos atravessam, como termos uma jornada dupla e, muitas vezes, uma jornada tripla quando temos filhos. São demandas que tomam muito o nosso tempo e, ainda ter que nos preocupar com a desconfiança dos seus pares e questionamentos como: "Será que aquela mulher, mãe de uma criança tão pequena consegue realizar aquela demanda?”; “Será que ela vai conseguir estar em Brasília?”; “Será que ela vai conseguir viajar para o interior?”. >
Equacionar tudo isso e mostrar que uma mulher, uma mulher mãe, é um indivíduo capaz de realizar é, sem dúvida, um grande desafio. E essa é uma missão que carrego e compartilho com as minhas colegas Defensoras Públicas, sempre numa tentativa de incentivar todas elas a ocuparem espaços na Defensoria Pública. >
O que você e a nova diretoria pretendem transformar na ADEP?>
Queremos que o defensor e a defensora pública se sintam pertencentes à associação, por isso estamos trabalhando para melhorar a comunicação e trazer mais transparência para as nossas ações. Queremos fazer com que o colega entenda que a ADEP é ele e que faz parte dele. As questões macro como a valorização, a dignidade, condições de trabalho ideal são muito importantes, mas é necessário também se preocupar com o defensor público que está atuando no dia a dia, com a sua saúde mental, além de apresentar soluções para situações jurídicas que o colega precisa resolver de forma rápida e que permeiam por toda a vida.>
Temos a preocupação de trazer medidas que incentivem o cuidado e a atenção para que a Defensora e o defensor público sintam-se valorizados e entendam que a ADEP acolhe os seus pleitos. É importante o entendimento de que esta associação é integrante de um movimento de uma carreira madura, de uma carreira mobilizada e que, junto com a sua representação, possa travar as suas lutas. Sem o defensor público não é possível fazer a Defensoria Pública. Sem o defensor público não é possível levar o usuário da Defensoria Pública ao trabalho adequado.>
Precisamos da participação dos associados para construir conosco esse novo momento. Não precisamos apenas comunicar, mas também é necessário saber ouvir para, efetivamente, representar quem tem que ser representado.>
E o que o defensor público faz?>
É importante falar sobre o papel do defensor público, inclusive em momentos em que a carreira, muitas vezes, é atingida por algumas informações que não correspondem à verdade. O defensor público, a defensora pública, ao contrário do que muitos pensam, não é o advogado público de quem não tem condição de custear um advogado privado. A Defensoria Pública é uma carreira com assento constitucional, com uma legislação que rege como deve funcionar a Defensoria Pública, como deve ser a atuação do defensor público. >
A legislação nos garante que sejamos os guardiões dos Direitos Humanos. É uma carreira que, para além de atuar na defesa individual das pessoas, também atua em pontos sensíveis de interesse da sociedade. A Defensoria Pública atua como instituição nos processos de direito urbanístico, nos processos que garantem saúde pública, além de acompanhar o cumprimento dos direitos humanos nas unidades prisionais e de que forma a moradia está chegando para a população. >
Para além do entendimento cotidiano, a Defensoria Pública é uma classe que atua, efetivamente, na defesa de uma população que precisa realmente de uma mudança, em termos de justiça social, para que alcance os seus direitos.>
Qual o papel da defensora e do defensor que atua na Bahia, um estado com muitas desigualdades e com muitos desafios?>
O estado da Bahia é extremamente desigual, permeado por muitas vulnerabilidades e que apresenta diferentes realidades em seu interior. É um estado que tem um território grande e verificamos regiões e municípios com o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] ainda muito baixo e que precisa, efetivamente, de uma atuação dos defensores e das defensoras públicas, muitas vezes, para garantir direitos existenciais básicos para as pessoas. Cidadãos que estão se acesso a direitos básicos como saúde, o mínimo e básico em termos de direito humano.>
Além de estrutura básica, o estado apresenta muitas vulnerabilidades no aspecto do recorte racial. A Bahia é o segundo maior estado em quantidade de comunidades indígenas e um gigantesco número de comunidades quilombolas e muita delas não estão regularizadas. Um outro aspecto que merece atenção é a violência em conflitos agrários e a presença do defensor público surge como um realizador de direitos, pois consegue, efetivamente, transformar o direito que está no papel em realidade e mudar efetivamente a vida das pessoas>
Você consegue fazer um balanço das ações que foram implementadas nesses primeiros meses à frente da ADEP?>
Nesse mês, a nova direção completa cinco meses à frente da ADEP, mas noto que já conseguimos imprimir uma marca bem importante na entidade, e umas das principais marcas está relacionada à comunicação. Uma forma de comunicar até muito simples, mas dinâmica, falando diretamente e de forma transparente para o associado foi determinante nesses primeiros meses.>
E, sem dúvida nenhuma, a criação da comissão de prerrogativas, foi uma das coisas mais emblemáticas que a criamos. E trazer também um olhar diferenciado para grupos que podem ter direitos específicos dentro do âmbito da Defensoria Pública, como é o caso da defesa de direitos em questões de gênero, das defensoras públicas em relação à maternidade, em relação à primeira infância, em relação a questões específicas que nós mulheres sabemos muito bem como funciona. >
Eu também acho que conseguimos mostrar ao nosso associado que estamos ali para cuidar e ouvir sobre as demandas cotidianas. >
Mas ainda temos muito a avançar na implementação de novos projetos de leis que tragam para a classe maior valorização para a Defensoria Pública como um todo, sem deixar de fazer com que o colega entenda que questões cotidianas relacionadas às suas condições de trabalho também são importantes para a ADEP. >