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Carolina Cerqueira
Publicado em 3 de março de 2024 às 16:00
Contemplar a paisagem ao redor, se atentar aos sons, sentir os cheiros e explorar as texturas e temperaturas. Esses são alguns dos princípios do banho de floresta, que propõe uma terapia no meio do mato. Apesar do termo remeter à água, ela não está envolvida no processo, que também não tem regras e um passo a passo definido. Apenas uma orientação, que, diante da correria do dia a dia, se torna um grande desafio: esvaziar a mente.
A ideia não é fazer uma trilha, caminhar com um amigo ou praticar um esporte em uma área verde. É preciso vivenciar o momento presente sem distrações. “O ideal é ir com o objetivo de ter um momento de simplesmente ser, existir e contemplar. Não fazer nada, ficar parado ou ter movimentos leves, em sintonia com os sentidos e com o ritmo da floresta”, explica Marco Aurélio Bilibio, presidente do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia (IBE).
O banho de floresta (ou shinrin-yoku) foi criado no Japão, na década de 1980, a partir de uma proposição da Agência Florestal Japonesa. Em pleno boom econômico, a prescrição era uma dose de natureza para diminuir o estresse. O país tem grande presença de mata e, seu povo, forte conexão com ela, sustentada pela influência do xintoísmo e budismo.
Benefícios
Os resultados logo apareceram. Um dos pioneiros nas pesquisas foi o japonês Yoshifumi Miyazaki, professor da Universidade de Chiba. Os estudos revelaram, conforme conta Bilibio, que a terapia florestal funciona como um poderoso ansiolítico, agindo sobre o cortisol, conhecido como hormônio do estresse. Também age sobre o sistema nervoso parassimpático, responsável por fazer acalmar o corpo. Com isso, o contato com a natureza é capaz de diminuir os batimentos cardíacos, regular a pressão arterial e até melhorar a qualidade do sono e fortalecer o sistema imunológico.
“O benefício vem da liberação de substâncias químicas pelas árvores, como os fitocidas, e os efeitos vêm quando respiramos essas substâncias e elas provocam reações no nosso organismo”, explica o presidente do IBE. Por isso, a terapia pode ser adaptada de grandes florestas para jardins e parques, por exemplo, no contexto de espaços urbanos.
“Qualquer contato com a natureza já provoca um efeito positivo. As pesquisas revelam até que imagens virtuais e sons de natureza também apresentam resultados. A pesquisa de Yoshifumi Miyazaki chega a comprovar efeito numa pessoa por ela simplesmente fazer um arranjo floral”, destaca Bilibio.
A administradora Fátima Moreira, de 59 anos, faz caminhadas no Parque da Cidade, em Salvador, ao menos uma vez por semana, fazendo o que pode para aplicar o banho de floresta no meio da cidade. “Do lado esquerdo do Parque, tem uma parte com mais árvores, muito parecida com uma floresta. Aí fico indo e voltando nessa área para não passar mais perto da rua, das casas e de uma grande quantidade de pessoas”, coloca.
Fátima acredita que a natureza é uma grande aliada e compartilha as sensações que a conexão que faz provoca: “Eu sinto uma tranquilidade, uma paz, um pertencimento. Me comprometo com essa troca de energia porque, apesar de acreditarmos estar fora dela, somos natureza. A minha caminhada me fortalece e me recarrega para enfrentar o urbano.”
Bilibio afirma que um banho de floresta de 90 minutos por semana é capaz de fazer efeito por até sete dias. Se o banho for feito em dias seguidos, pode persistir por até um mês. Para a psicóloga Paula Mendes, de 48 anos, os efeitos são inegáveis. “É como um teletransporte do urbano, da fumaça e do barulho para a calmaria, o verde, o silêncio. Me sinto revigorada, sinto de verdade o meu corpo mudar e os dias em que faço o banho se tornam completamente diferentes”, diz ela, que também disfruta do espaço do Parque da Cidade.
Banho de floresta no Brasil
A primeira vez que um banho de floresta foi feito oficialmente no Brasil foi em 2017. O processo fez parte do Seminário Diálogos, produzido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) - ligado ao Ministério do Meio Ambiente, que tinha como tema “Saúde e Natureza”. O responsável pela condução do banho, que aconteceu no Parque Nacional de Brasília, foi Marco Aurélio Bilibio.
Em 2021, foi firmada uma parceria entre o IBE e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para dar início às primeiras pesquisas sobre banho de floresta em solo brasileiro. O documento de anúncio foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) do dia 2 de junho daquele ano. De acordo com Bilibio, a parceria já concluiu a etapa de captação de recursos, está em fase de desenho de pesquisa e deve iniciar os estudos em abril deste ano, em unidades de conservação no Distrito Federal.
A parceria também busca incluir o banho de floresta como terapia do Sistema Único de Saúde (SUS). “A prática é baseada em evidências e pode ser um componente importante para a saúde pública, como profilaxia inclusive, de baixíssimo custo”, argumenta Bilibio.
A inclusão aconteceria através das Práticas Integrativas Complementares de Saúde (PICs). As PICs compõem um programa nacional instituído por meio da Portaria GM/MS nº 971, de 3 de maio de 2006, contemplando a oferta de serviços e produtos da homeopatia, da acupuntura e de plantas medicinais e fitoterapia, por exemplo.
Segundo Bilibio, o IBE está em contato com o Ministério da Saúde, buscando alcançar o objetivo. Procurado, o órgão disse, em nota, que “a abordagem do banho de floresta ainda não faz parte das práticas integrativas e complementares em saúde reconhecidas pela Pasta e não há previsão para qualquer ampliação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPIC) que inclua essa técnica específica”.
A Fiocruz também foi procurada para comentar sobre a parceria e o projeto de inclusão no SUS, mas não respondeu aos questionamentos enviados até o prazo estabelecido para a finalização da reportagem.
Em uma palestra promovida pela Japan House São Paulo (JHSP) em 2023, o coordenador do Programa de Saúde, Ambiente e Sustentabilidade da Fiocruz, Guilherme Franco Netto, comentou sobre o assunto. “Desde a sua criação, a Fiocruz tem se dedicado e trabalhado no sentido de compreender as relações entre a saúde e o ambiente. [...] Há um entendimento sobre a relação entre a saúde e a vida com a natureza que deve ser levado em consideração”, diz a fala divulgada no site oficial da instituição.
Pelo mundo
Diferente do Brasil, a Alemanha já prevê a terapia no seu sistema de saúde. A brasileira Ana Erika Lemes Dittrich, de 46 anos, mora na Alemanha e compartilha o que vê por lá. Formada em engenharia florestal no Brasil, fez um curso de banho de floresta na Academia Alemã de Banho de Floresta e Saúde, ainda em 2019. Hoje, ela é guia de banho de floresta e recebe subsídio da Secretaria de Florestas, Cemitérios e Jardins.
“No Brasil, pouco se houve falar disso, mas por aqui é muito comum”, diz. Em dezembro de 2023, ela lançou o primeiro livro em português escrito por uma brasileira sobre o tema. “Aqui tem livro de banho de floresta para crianças, para adultos, todo tipo de livro. Por isso decidi lançar em português e para vender no Brasil”, conta.
A Relações Públicas Iriana Lovato, de 40 anos, fez o seu primeiro banho de floresta em junho de 2023, com a condução de Ana. "A experiência foi tão imersiva que eu não saberia descrever muitos detalhes. Lembro que fui gradativamente me desligando dos pensamentos e me conectando ao ambiente. A condução foi leve e gradativa e Ana ia sugerindo formas de observar cada um dos aspectos e presentes que a floresta oferece. Foi como um mergulho mesmo, que levou a dar atenção a muitos detalhes que certamente passam batidos quando faço uma trilha simples na floresta", lembra.
Profissão terapeuta florestal
Ana atuava na Alemanha na área de educação ambiental, até que engravidou e sentiu a dificuldade de retornar ao mercado de trabalho depois do nascimento de seus dois filhos. “Em 2015, ouvi falar pela primeira vez em banho de floresta, achei que tinha tudo a ver comigo e vi a profissão como uma porta da esperança”, compartilha.
Ela ainda não consegue tirar todo o seu sustento da atividade, mas faz uma complementação de renda. Os banhos que guia acontecem aos finais de semana e ela conta já ter a agenda lotada para todo o ano de 2024. Quando vem de férias ao Brasil, também orienta banhos em Londrina, cidade do Paraná onde nasceu.
Ana relata que, no Brasil, a prática está sendo encarada como “moda”, por ter começado a crescer em 2023 e, por isso, muitas pessoas estão “surfando nessa onda” sem ter a formação adequada. “É um assunto sério, não é qualquer um que pode ser um guia. É preciso ter a formação adequada. Eu, por exemplo, ainda tenho curso de primeiros-socorros e um seguro que cobre o resgate e atendimento médico dos meus clientes, caso seja necessário, porque estamos falando de uma área de mata, há riscos”, diz.
“Vejo muita gente lendo um livro ou vendo vídeos no YouTube e começando a cobrar por banhos de florestas. Isso está errado”, opina. Ana defende o papel do guia: “O terapeuta vai conhecer a área e, além disso, estar preparado para que a pessoa que recebe o banho alcance os melhores benefícios possíveis. É como uma meditação guiada, a maioria das pessoas tem dificuldade de alcançar um estado de relaxamento sozinha e sem uma condução”, argumenta.
A profissional explica que os banhos que oferta têm duração de cerca de três horas e passa por etapas. “A primeira etapa é esvaziar o cérebro, afastando os pensamentos e se concentrando no momento presente. Em cerca de 20 a 30 minutos, se atinge esse nível. Depois, há o estado de meditação, seguido do de relaxamento e, ao final, há um cérebro calmo e estável. As pessoas costumam relatar se sentirem mais dispostas e mais atentas”, acrescenta Ana.
O silêncio, no entanto, prevalece. Há caminhadas leves e pausas para atividades de concentração, foco, atenção e ativação dos sentidos. Ana diz cobrar cinco euros (que equivale a cerca de R$27) pelo banho e que o restante é coberto pela Secretaria. Se não fosse o subsídio, ela relata que os valores na Alemanha variam entre 40 e 90 euros (R$215 e R$483). No Brasil, ela conta que gira em torno de R$80 e R$150.
Por aqui, já há cursos de formação de guias de floresta ou terapeutas florestais. Existem duas formas de se profissionalizar: pela Formação Internacional em Ecopsicologia Aplicada (a pessoa se torna Ecotuner e a terapia da floresta é uma das práticas) que dura dois anos e pela formação em Terapia da Floresta/Guia de Banho de Floresta, que dura seis meses.
Os cursos são ofertados pelo IBE, que já certificou 70 guias de banho de floresta. Os dois cursos abrirão turmas em abril. Informações podem ser obtidas pelo e-mail [email protected] ou WhatsApp (61)99988-5928.
Shinrin-Yoku: A Arte Japonesa da Terapia da Floresta (Qing Li, 2018) - O trabalho do Dr. Qing Li prova os benefícios de estar rodeado de árvores ou plantas (mesmo no conforto de casa). Este livro desvenda todos os segredos e maravilhas da terapia da floresta, e incentiva-o a experimentá-la.
O Guia dos Banhos de Floresta (M. Amos Clifford , 2018) - A relação primitiva do ser humano com a floresta faz falta, como comprovam dezenas de estudos científicos. "O Guia dos Banhos de Floresta", escrito por Amos Clifford, propõe um reencontro com essas raízes. A partir de uma antiga tradição japonesa – shinrin-yoku, o autor mostra como redescobrir esse elo perdido.
Shinrin-Yoku: A terapia japonesa dos banhos de floresta que melhora a sua saúde e bem-estar (Yoshifumi Miyazaki, 2018) - Yoshifumi Miyazaki, professor universitário e responsável pelos principais estudos sobre o shinrin-yoku, revela neste livro como pode tirar proveito do poder curativo da Natureza para equilibrar o corpo e a mente.
Banho de Floresta: Um reencontro com a Natureza para renovar o espírito e restaurar a saúde (Ana Dittrich, 2023) - é o primeiro livro em português, escrito por uma brasileira, sobre a prática do Banho de Floresta. Nele, Ana Erika Lemes Dittrich mostra pesquisas que comprovam os benefícios da prática, além de ensinar como trazê-la para o dia a dia das cidades e como se tornar um guia de banho de floresta.
Parque da Cidade
Além de espaços arborizados para caminhada, o Parque abriga a Praça Confúcio, local de relaxamento e meditação que tem em seu centro a estátua do pensador chinês de mesmo nome.
Horário: De segunda à sexta, das 4h30 às 22h; aoa sábados e domingos, das 4h30 às 19h
Endereço: Av. Antônio Carlos Magalhães, s/n - Itaigara, Salvador
Jardim Botânico
Recém-requalificado, o Jardim é um verdadeiro oásis de grandes árvores, linda vegetação e muitos pássaros. Também é uma importante área de estudo, manutenção e conservação de Mata Atlântica.
Horário: De segunda a sexta-feira, das 8h às 17h
Endereço: Av. São Rafael, s/n - São Marcos, Salvador
Parque São Bartolomeu
Uma das maiores reservas de Mata Atlântica em área urbana do país, o Parque tem grande importância ambiental. O local envolve uma área de preservação ambiental e possui três cachoeiras. A dica é visitar em grupo e com um guia. O Instituto Trilha das Flores promove trilhas gratuitas no local.
Horário: Todos os dias, das 8h às 17h
Endereço: Rua Oito de Novembro 78 - Pirajá, Salvador
Parque de Pituaçu
O Parque é um dos principais pontos remanescentes de Mata Atlântica em Salvador. Tem forte lazer e turismo com sua fauna e flora diversificadas. O destaque vai para a beleza da Lagoa de Pituaçu.
Horário: Todos os dias, das 7h às 17h
Endereço: Av. Otávio Mangabeira, s/n - Pituaçu, Salvador
Parque Ecológico de Lauro de Freitas
O Parque, que ocupa uma área verde de 70 mil metros quadrados, tem trilha ecológica, viveiro, área de piquenique, horta orgânica e mais.
Horário: De terça a domingo, das 9h às 17h
Endereço: Av. Praia de Itapoan (Vilas do Atlântico), Lauro de Freitas