Caso Gamboa: testemunhas de defesa são ouvidas em audiência

Quatro policiais estão sendo julgados pelo assassinato de três jovens em 2022

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  • Gil Santos

Publicado em 16 de maio de 2024 às 14:28

Mães e viúva das vítimas antes da audiência Crédito: Arisson Marinho/ CORREIO

A primeira audiência do Caso Gamboa, quando três jovens foram assassinados durante uma ação policial no bairro, em 2022, foi realizada nesta quinta-feira (16). Os policiais militares envolvidos foram denunciados pelo Ministério Público e as mães das vítimas compareceram ao Fórum Criminal, em Sussuarana, para acompanhar o depoimento das quatro testemunhas de defesa. No dia 8 de julho será a vez do juiz ouvir as quatro testemunhas de acusação. O PMs são acusados de manipular a cena do crime e plantar provas.

A audiência estava marcada para 10h30. Cerca de 40 minutos antes, as famílias chegaram ao prédio. A versão dos policiais militares é de que eles foram recebidos a tiros pelos jovens, revidaram e mataram as vítimas. Já o laudo pericial aponta que não encontrou vestígio de pólvora nas mãos dos mortos, que os corpos foram arrastados do lugar e que armas foram plantadas. Para o Ministério Público, houve execução e tentativa de fraude processual.

O crime aconteceu no dia 1º de março de 2022, uma terça-feira de Carnaval. Testemunhas contaram que estava sendo realizada uma festa na Gamboa quando os militares chegaram. Os cabos da PM Tárcio Oliveira Nascimento, Thiago Leon Pereira Santos, Lucas dos Anjos Bacelar Dias e Marinelson Mendes Alves da Cruz foram denunciados por participação na ação que resultou nas mortes de Alexandre Santos dos Reis, 20 anos, Cléverson Guimarães Cruz, 22 anos, e Patrick Sousa Sapucaia, 16 anos.

O coordenador do Ideas - Assessoria Popular, entidade que representa as famílias das vítimas, Wagner Moreira, afirmou que a data da audiência é simbólica por ocorrer menos de uma semana após o Dia das Mães, e disse que existe uma tentativa de rotular as vítimas como bandidos. Ele também fez uma crítica sobre a violência praticada contra jovens negros ser corriqueiramente tida como isolada.

"O avanço das investigações em uma conjuntura em que a Bahia ocupa o Ranking da Letalidade Policial é uma sinalização importante rumo ao Controle Externo da Atividade Policial. Quando os dados de 2022 apontam que 1 a cada 4 Mortes Violentas Intencionais (MVI) foi cometida pelas forças policiais do estado", afirmou.

E continuou. "A incidência por Justiça na Chacina da Gamboa é uma ação estratégica que faz parte das práticas de resistência, memória e luta por justiça contra a letalidade policial e o genocídio do povo negro", disse.

Vítimas estavam em uma festa de Carnaval Crédito: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Relatos

As testemunhas de defesa contaram para o juiz o que aconteceu na noite do dia 1º de março. Patrick era o caçula de três filhos. Enquanto aguardava na porta do fórum, a mãe dele, a empregada doméstica Ana Sueli Sousa, 50 anos, disse que está ansiosa pelo início do julgamento e indignada com a tentativa de manchar a memória do jovem.

"Meu filho estava trabalhando em uma loja de roupas na Avenida Sete de Setembro. Um dia, o dono da loja me chamou e me pediu para assinar um termo para que Patrick pudesse trabalhar na loja, porque ele estava pedindo tanto que o rapaz deu essa oportunidade. Ele gostava do trabalho, mas o sonho dele era entrar para a Marinha. Estão colocando meu filho como se fosse bandido", afirmou.

Patrick morava com a mãe e os irmãos no Tororó, mas no dia do crime estava na casa dos familiares do pai dele, na Gamboa. Já a garçonete Silvana dos Santos, 43, que mora há 30 anos no bairro, estava dormindo e acordou com o som dos tiros. Foi uma vizinha quem mandou uma mensagem avisando que uma das vítimas era o filho dela, Alexandre.

"Corri até o local e encontrei meu filho baleado. Os policiais não deixaram eu me aproximar, nem mesmo depois de eu dizer que era a mãe dele. Ouvi quando Alexandre disse 'ela é minha mãe', mas mandaram eu me afastar", contou, emocionada.

Silvana foi vestida com uma camiseta com a imagem do filho sentado em um barco e contou que ele trabalhava como barqueiro, levando os turistas e visitantes da Gamboa para as outras praias da região. Essa também era a função de Cléverson, filho mais velho da vendedora ambulante Luciana Guimarães, 44 anos. Ela contou que o filho estava morando no bairro com a esposa e duas enteadas.

"Ele era apaixonado pelo mar, por isso, foi morar na Gamboa. Ele trabalhava como barqueiro e, quando o movimento estava fraco, ajudava a esposa na barraca, vendendo água, cerveja, refrigerante e salgados. Eu estava em casa, no Garcia, quando recebi a notícia. Eu só queria saber por que tanta crueldade?", afirmou.

A audiência terminou por volta das 13h40.