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Larissa Almeida
Publicado em 19 de dezembro de 2023 às 05:30
As obras de requalificação e restauração do Mercado Modelo contemplaram não apenas o prédio principal do equipamento cultural, mas também seu subsolo. Fechado há dez anos, o espaço que é alvo de lendas e burburinhos dos soteropolitanos também passou pelo processo de reforma e vai ser reinaugurado como galeria, a partir do dia 5 de janeiro de 2024. >
A ideia de transformar o subsolo em mais uma atração turística partiu do secretário municipal de Cultura e Turismo (Secult), Pedro Tourinho, conforme contou o prefeito Bruno Reis na tarde desta segunda-feira (18). “Pedro disse ‘prefeito, vamos fazer uma galeria aqui embaixo do Mercado Modelo, vamos preservar a nossa história, mas valorizar a nossa cultura’. Então, nós contratamos três artistas baianos que vão ter suas obras expostas e resolvemos fazer uma área instagramável para que as pessoas possam visitar”, ressaltou.>
Sustentada por grossas colunas de tijolos e pedras, a área subterrânea do Mercado Modelo ganhou nova iluminação, uma projeção de imagem que a identifica como a galeria do local e a projeção de algumas obras artísticas. Os arcos e labirintos do espaço, assim como todo o restante da estrutura, foram preservados para a manutenção da arquitetura original. Todo o processo de reformas movimentou cerca de R$3,5 milhões de investimentos da Prefeitura de Salvador.>
Subsolo do Mercado Modelo
“Sentimos a necessidade de ocupar esse subsolo sem descaracterizar o lugar, mas ocupar com artistas relevantes da cultura baiana. [...] Restauramos tudo. Limpamos a água do mar, fizemos a climatização com o ar-condicionado, implementamos elevadores, iluminação cenográfica e cênica, além de obras de arte”, elenca Pedro Tourinho, titular da Secult.>
Ele acrescenta ainda que houve a preocupação de valorizar os artistas locais para compor a exposição. “Escolhemos o Rubem Valentim, que é um artista soteropolitano já falecido e talvez o artista negro mais valorizado da arte contemporânea no Brasil e no mundo. Vamos colocar três esculturas de concreto dele, da série ‘Templo de Oxalá’, com 2,5 metros de concreto. Vamos ter também os ‘Exús’ de Mário Cravo, que ele fez com as próprias madeiras de um dos últimos incêndios do Mercado Modelo”, conta.>
“Encontramos uma imagem de Nossa Senhora da Conceição e restauramos. Ainda, vamos ter a instalação das ‘Lágrimas de São Pedro’ do Vinicius SA, que é um artista soteropolitano que mora no Santo Antônio Além do Carmo. São 15 mil lágrimas para entrar no universo das lágrimas de São Pedro, que dá também uma experiência imersiva nessa galeria”, complementa.>
Pedro Tourinho ainda afirma que a presença da arte do subsolo ajuda a derrubar o estigma em torno do subsolo, onde muitos baianos até hoje acreditam ter sido um local que serviu como depósito de negros escravizados. “Muitas pessoas falavam que pessoas escravizadas teriam ficado presas nesse porão, o que, pela idade do prédio, não se confirma. O prédio é mais recente do que o período da escravidão, então, trazendo a arte para esse lugar, trazemos uma abordagem focada na contemporaneidade e derrubamos esse estigma falso de uma história que foi contada muitas vezes e acabou se tornando uma verdade”, finaliza.>
Alvo de burburinhos, há quem jure que é possível ouvir os gritos dos negros que foram escravizados do subsolo do Mercado Modelo. Com fama de mal-assombrado, o espaço é temido por muitas pessoas que vivem ao redor do Centro Histórico, mas o historiador Rafael Dantas garante que as histórias são baseadas em lendas. “Provavelmente, esses boatos começaram a surgir depois de que a população começou a criar histórias, ficções sobre o mercado e suas redondezas”, diz, em tom tranquilizador.>
O motivo da calma de Rafael Dantas ao afirmar que o local não é mal-assombrado são as evidências históricas. Ele esclarece que a crença de que escravizados eram escondidos nos túneis do subsolo é um mito. “A antiga Alfândega, hoje Mercado Modelo, foi construída depois do fim do tráfico de escravizados. Portanto, o subsolo não foi utilizado para esconder escravizados. Provavelmente, o lugar era utilizado para armazenar bebidas em garrafas e outros produtos. A estrutura em si suporta todo o prédio da Alfândega, por isso os arcos e galerias”, explica.>
Outro mito que ele aponta é quanto ao número de incêndios que atingiu o Mercado Modelo. Ainda que os mais recentes e lembrados tenham sido registrados em 1969 e 1984, o mercado sofreu com inúmeros incêndios. “Foram vários incêndios, alguns menores e outros mais devastadores, como o de 1969. Naquela época, as condições das instalações, juntamente com os materiais e armações existentes colaboraram com os casos de incêndio. Existem também outras versões sobre a causa dos incêndios. A região comercial era um dos locais que mais sofria com isso”, diz.>
Por sua vez, o historiador traz à tona que um fato verdadeiro, mas desconhecido por muitos, é que o Mercado Modelo nem sempre esteve na sua localização atual. “O Mercado original foi construído ao lado da antiga Alfândega, na frente de onde hoje avistamos a rampa, que ajudava justamente no translado de mercadorias. Foi inaugurado em 1912, passando tempos depois por reformas e ampliações. A mais conhecida sobreviveu até meados do século XX e era um belo prédio eclético”, finaliza.>
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo>