'Fábrica do Mundo Afro': história do Ilê Aiyê é contada em livro

Publicação conta a trajetória dos 50 anos do primeiro bloco afro de Salvador

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  • Gilberto Barbosa

Publicado em 10 de setembro de 2024 às 05:00

Lança
Banda do Ilê se apresenta no lançamento do livro Crédito: Paula Fróes/ CORREIO

Curuzu, Salvador, 1974. Era novembro quando um grupo de jovens moradores da região, liderados por Antônio e Apolônio, decidem criar um bloco no ‘estilo africano’. Durante três meses, eles circularam pelas ruas do bairro distribuindo um panfleto com uma foto de três negros em uma rua de Lagos, na Nigéria, e a frase “Nós somos os africanos na Bahia”. No dia 8 de fevereiro de 1975, acontecia o primeiro desfile daquele que seria um dos blocos mais importantes do Carnaval de Salvador: o Ilê Aiyê.

Os 50 anos de história do "Mais Belo dos Belos" são contados no livro "Ilê Aiyê: A Fábrica do Mundo Afro", escrito pelo antropólogo francês Michel Agier. O lançamento ocorreu durante uma roda de conversa realizada na noite dessa segunda-feira (9) na Senzala do Barro Preto, sede do bloco.

História do Ilê Aiyê é contada em livro Crédito: Paula Fróes/ CORREIO

Além do antropólogo, participaram do diálogo o presidente do Ilê Aiyê, Antônio Carlos Vovô, o “Vovô do Ilê”, a diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceao/Ufba), Jamile Borges, e a antropóloga Maria Rosário de Carvalho. Após a discussão, integrantes da banda do Ilê realizaram uma apresentação no espaço.

A obra é resultado de 30 anos de pesquisas feitas por Michel durante visitas a Salvador. Ele conta que conheceu o Ilê Aiyê no início dos anos 1990 enquanto estava na capital realizando uma pesquisa sobre racismo e mobilidades sociais e que o fato de o bloco ser voltado para a valorização da cultura negra na capital chamou a sua atenção.

"Eu encontrei o Ilê Aiyê como alguém que vivia na Bahia e quis conhecer a história desse movimento. Essa é o registro de uma história muito particular de um grupo de amigos da Liberdade que criou um movimento com a ideia de ser a África na Bahia e se tornou uma referência cultural e política para muitos jovens negros dos bairros populares", afirmou o autor.

Michel Agier
Michel Agier, antropólogo francês  Crédito: Paula Fróes/ CORREIO

No livro, o leitor poderá relembrar os diversos períodos do bloco: a fundação, onde o Ilê foi taxado como um ‘bloco racista’ pelo fato de só aceitar pessoas negras; a consolidação enquanto um movimento cultural até o crescimento e a globalização do grupo. A caminhada histórica é feita através de documentos, fotos e entrevistas. Um exemplo é o cartaz da primeira saída do Ilê, que na época se apresentava como "apenas um bloco original" e tinha como mote a frase "Os africanos na Bahia".

“O nosso bloco contribuiu bastante para diminuir a desigualdade e fazer com que o povo negro começasse a assumir sua negritude. A música foi a nossa grande arma nesse processo e meio pelo qual educamos e informamos as pessoas sobre a África e as questões raciais. Todo esse trabalho foi feito para resgatar a autoestima das pessoas negras e estamos vendo essa transformação aqui no bairro”, declarou Vovô do Ilê.

Michel contou com o apoio do Ceao/ Ufba para a construção do livro. A diretora da instituição, Jamile Borges, cresceu no bairro da Liberdade e relatou que a leitura trouxe memórias afetivas de quando morava no bairro e via as casas decoradas com os tecidos produzidos pelo Ilê após o carnaval.

“A história que Michel conta é mais do que apenas entretenimento. É a trajetória de um bloco que inspirou milhares de jovens negros e negras na busca pela emancipação e reafirmação da sua beleza. Os eventos realizados pelo Ilê agregavam a comunidade e produziam uma comunhão do povo preto que era afetado pela luta pelos direitos civis, mas também pela ideia de empoderamento”, disse.

Bate-papo apresenta o livro na Senzala do Barro Preto
Bate-papo apresenta o livro na Senzala do Barro Preto Crédito: Paula Fróes/ CORREIO

Quem também participou do bate-papo foi a antropóloga Maria Rosário de Carvalho, que escreveu a orelha do livro. “Esse é um livro muito importante pelo cuidado que Michel teve com os registros. Ele permaneceu muito tempo na Bahia conversando com as pessoas que fizeram o bloco e consultando arquivos. Essa obra mostra como o Ilê se construiu, ganhou visibilidade e manteve a sua característica de sempre em se apoiar nas relações familiares e do candomblé”, relatou.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela