Gestão da Osba: ATCA pede desclassificação do IDSM e anulação do edital

Associação aponta risco de monopólio de verbas do estado para música de concerto caso o IDSM vença edital

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  • Larissa Almeida

Publicado em 3 de agosto de 2023 às 05:48

Osba vai passar por mudança
ATCA foi desclassificada da disputa, mas interpôs recurso e aguarda nova decisão da Secult-BA Crédito: Divulgação

Após ser desclassificada da disputa pela gestão da Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba), a Associação Amigos do Teatro Castro Alves (ATCA) interpôs um recurso contra a decisão da Comissão Julgadora do processo seletivo, conforme publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia, na edição de segunda-feira (31). Entre os argumentos do documento, que o CORREIO teve acesso na íntegra, a ATCA apontou para o risco de monopólio de verbas do estado para músicas de concerto, caso o Instituto de Desenvolvimento Social pela Música (IDSM) vença o edital da Secretaria de Cultura (Secult-BA). Ainda, pediu pela nulidade do processo de seleção e desclassificação da OS que segue na disputa.

O IDSM gere os Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojiba), com recursos da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH-BA). No documento, a ATCA indica que o IDSM pode vir a administrar mais de R$70 milhões em recursos públicos estaduais. O valor é resultado da soma dos mais de 50 milhões, geridos via SJDH, e os mais de 20 milhões, geridos via Secult-BA em uma eventual vitória. O monopólio se daria, nesse caso, porque na Bahia existem só dois tipos de orquestras mantidas a partir do fomento estadual: o Neojiba e a Osba.

“A música de concerto, como expressão artística, tem o potencial de enriquecer a sociedade, promover a diversidade cultural e contribuir para o desenvolvimento humano. No entanto, o monopólio na gestão desses recursos, como proposto pela ‘Entidade IDSM’, pode levara uma visão única e prejudicar a diversidade de perspectivas musicais presentes no Estado da Bahia”, diz trecho do recurso interposto pela ATCA, enviado novamente à reportagem como nota de posicionamento.

A entidade ligada ao Teatro Castro Alves ainda se vale dos Artigos 4º e 5º da Lei Estadual da Política Cultural (Lei Orgânica da Cultura ou Lei Estadual n. 12.365/2011), que tratam dos princípios orientadores e objetivos da Política Estadual de Cultura, para validar o argumento. Dentre os princípios, estão a “valorização da identidade, da diversidade, da interculturalidade e da pluralidade”. Já o primeiro objetivo, destacado no documento, é “valorizar e promover a diversidade artística e cultural da Bahia”. Ambos estariam ameaçados, segundo a ATCA, se declarada vitória ao IDSM.

Especialistas divergem

De acordo com Albino Rubim, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), ex-secretário da Secult-BA e especialista em políticas culturais, a decisão da gestão da Osba deve mesmo levar em conta as políticas culturais aprovadas pelo estado da Bahia, como aquelas que constam na Lei Orgânica da Cultura (2011) e no Plano Estadual de Cultura (2014).

“Claro que a situação ideal para a cultura, inclusive na Bahia, é que seja garantida a diversidade cultural, em especial de música de concerto. A riqueza que a Bahia vive hoje em termos de música erudita decorre da coexistência, complementar e mesmo conflitiva, de diferentes propostas culturais e estéticas. Seria preocupante diminuir ainda mais nossa diversidade musical”, destaca.

Por outro lado, Sérgio Sobreira, professor da Faculdade de Comunicação da Ufba(Facom/Ufba) e especialista em gestão e produção cultural, descarta a possibilidade de haver falta de diversidade nas orquestras baianas se o IDSM passar a gerir a Osba.

“Os documentos apresentados pelo IDSM inclusive comprovam que não há esse risco a diversidade, porque, por exemplo, um dos grandes fetiches da atuação da atual gestão da Osba, o CineConcerto, é uma ação que já vem sendo realizada pelo gestor que o IDSM está propondo para assumir a Osba”, acrescenta o especialista, em referência a Cláudio Cruz, anunciado pelo IDSM como maestro que vai assumir a orquestra baiana num possível cenário de vitória.

Sérgio Sobreira ainda afirma que a questão da centralidade de recursos em uma só entidade não é preponderante nesse caso. “Antecedente a isso está a questão da capacidade técnica, que foi exatamente o que o edital examinou e comprovou, através da análise da documentação, que uma entidade é muito mais qualificada, porque reúne o corpo técnico, pessoas, talentos e experiência de gestão mais qualificados que a outra”, diz.

FGTS e salários

Além do risco de monopólio de verbas públicas estaduais destinadas às orquestras baianas, a ATCA classificou como inexequível a proposta do IDSM por ferir o princípio da competitividade ao não destinar verba para o item “FGTS multa rescisória”, que discorre sobre o pagamento de rescisórias numa eventual quebra de contrato de profissionais com carteira assinada. No recurso, a ATCA afirma que o IDSM apontou valor R$ 00,00 para esse item, o que violaria as normas trabalhistas.

O CORREIO não teve acesso à proposta do IDSM. Contudo, no edital, está disposto no ‘Componente de Gestão 3.3’ que “a OS é responsável por todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias de seus colaboradores, inclusive rescisões, devendo provisionar mensalmente os valores correspondentes”. Isso é reiterado pelo especialista em Direito Administrativo, o advogado Tiago Schubach.

“Considerando que a demissão é sempre uma possibilidade, não tem como nenhum empregador dizer que é zero [o recurso destinado] de FGTS. Talvez não tenha como adivinhar quantas pessoas vão ser demitidas durante o contrato, mas essa não é uma rubrica que pode simplesmente zerada”, pontua o advogado.

Outra questão levantada pela ATCA se refere a sugestão do IDSM quanto a efetuação de pagamento do corpo diretor. No trecho da proposta do IDSM, anexo ao recurso interposto pela ATCA, a entidade ligada ao Neojiba propõe que os salários de profissionais de níveis superiores, como diretores, gerentes e coordenações fossem distribuídos de acordo com orçamento da proposta das duas orquestras: 38,73% seriam destinados à Osba e 61,27% destinados ao Neojiba, com intuito de economizar recursos públicos.

Segundo a ATCA, a sugestão de pagamento de salários se trata de uma manobra orçamentária. “O IDSM utilizou-se de verbas públicas de outro programa para levar vantagem em sua proposta neste processo de seleção, o que não pode ser admitido por violação dos princípios da competitividade e legalidade”, reforça em trecho do documento.

Para Tiago Schubach, essa é uma queixa procedente. “São contratos diferentes, então os orçamentos são distintos. Não se pode numa proposta usar uma parte do orçamento de um e outro contrato. Cada contrato é feito para uma situação e objeto específico. O Estado poderia, em tese, fazer uma licitação única e colocar tudo num mesmo pacote de serviços, mas se ele não fez isso, a organização social não poderia misturar os orçamentos”, garante.

Ainda, o desrespeito à carga horária prevista na legislação trabalhista, no caso dos profissionais que porventura venham a trabalhar nas duas orquestras, foi questionado pela ATCA. “Como o edital da seleção em debate exige uma carga horária para esses dirigentes, de 40 horas semanais, e o próprio IDSM falou em contratação por salário, como isso será compatibilizado com um outro serviço de publicização igualmente trabalhoso como a OSBA?”, indaga a ATCA.

Revisão de critérios

A ATCA pede a revisão dos critérios de julgamento e pontuação. A entidade alega que houve violação da competitividade e princípio de isonomia no subcritério ‘Capacidade Técnica da Entidade’, que avalia o tempo de experiência da OS, que tem 6 anos de existência – o IDSM tem 14 anos e 11 meses.

Por fim, também foi pedida a nulidade do critério que avalia os anos de atuação dos membros da diretoria executiva, uma vez que a Comissão de julgamento permitiu que o Instituto de Desenvolvimento Social pela Música (IDSM) computasse um mesmo ano de exercício de gestão mais de uma vez, ainda que em cargos diferentes, o que, segundo a ATCA, levou o IDSM a alcançar um total de 79,8 anos de experiência.

IDSM

Procurado pela reportagem para se posicionar sobre os pontos abordados pela ATCA em seu recurso e esclarecer questões referentes ao FGTS e salários contidos em sua proposta, o IDSM preferiu não se manifestar. “Por se tratar de um recurso que ainda irá ser apreciado pela Autoridade Superior competente, entende o IDSM que não deve, neste momento, tecer comentários sobre as alegações apresentadas pela Entidade Desclassificada”, disse em nota.

A OS ainda afirmou que teve acesso à publicação dando notícia da interposição do recurso na terça-feira (1) no DOE e irá apresentar sua manifestação dentro do prazo legal.

Secult-BA

Procurada pela reportagem para posicionamento sobre as questões levantadas pela ATCA no recurso contra a decisão de sua desclassificação, a Secult-BA não respondeu à tentativa de contato feita.

Um parecer será consolidado e divulgado, deferindo ou indeferindo o recurso interposto pela ATCA no prazo de até 15 dias. Dessa forma, a previsão é de que um novo posicionamento ocorra até o dia 15 de agosto. Já o resultado final da seleção depende do andamento dos processos.

Relembre o caso

A desclassificação da ATCA, foi divulgada pela Secult-BA no dia 12 de julho. Segundo a Secult-BA, a OS não atingiu a nota técnica mínima apta para chegar à fase seguinte do processo de seleção por falta de comprovação da experiência no critério de gestão e execução de serviços de gestão do serviço de produção e divulgação da música de concerto.

Conforme informou a pasta, a ATCA enviou um atestado, situando-se na faixa de cinco a sete anos de experiência, o que gerou uma pontuação de quatro pontos. "Com a soma das demais pontuações dentro desse critério, a organização conseguiu 16,6 pontos, sendo que o mínimo obrigatório previsto no edital é de 20 pontos. Por isso, a desclassificação", justificou à época.

Por outro lado, o IDSM foi classificado e, com os caminhos abertos para assumir a gestão, a única organização social viva na disputa chegou a anunciar que, caso seja vencedora, o novo maestro da Osba será Cláudio Cruz. A indicação do nome deu uma pausa nas especulações a respeito de um possível comando de Ricardo Castro, maestro do Neojiba, à frente da Osba. A influência de Ricardo Castro é temida por músicos da Osba, que teve passagem entre 2007 e 2010 pela orquestra, e teve seu trabalho classificado como elitista.

Em dezembro do ano passado, Ricardo Castro também esteve como personagem principal de uma polêmica envolvendo a Osba. Na ocasião, ele criticou a orquestra por promover o 'Osbrega', concerto cujo repertório foi formado por canções do brega brasileiro. Castro classificou o projeto como "um círculo do inferno nunca Dantes visto neste país" – fazendo um trocadilho com o escritor Dante Alighieri.