ECONOMIA

Industrialização do couro vira fonte de renda para 7 mil pessoas em Ipirá

Polo de bolsas e acessórios do sertão baiano está entre os mais avançados do país

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  • Nilson Marinho

Publicado em 29 de abril de 2024 às 05:00

Divulgação  Aredda é  considerada hoje  uma das maiores marcas de bolsas, carteiras e acessórios do Brasil
Aredda é considerada hoje uma das maiores marcas de bolsas, carteiras e acessórios do Brasil Crédito: Divulgação

Descendentes de vaqueiros e pequenos artesãos da cidade de Ipirá, no centro-norte do estado, não lidam com a pungente vegetação da caatinga e com o couro curtido nos pátios das habitações simples, como seus antepassados fizeram. Tornaram-se empreendedores e, hoje, movimentam uma cadeia produtiva que gera emprego e renda para o município de pouco mais de 56 mil habitantes.

Às margens da BA-052, nas proximidades da entrada da cidade, nascem lojas que expõem bolsas, cintos e carteiras aos viajantes que rumam em direção à Chapada Diamantina ou a outros destinos ao longo da Estrada do Feijão, como é conhecida a via estadual.

Os acessórios são produzidos em fábricas de grande e pequeno porte situadas na cidade. As instalações industriais empregam a mão de obra local e estima-se que ao menos 7 mil pessoas são beneficiadas de forma direta e indireta com a cadeia produtiva do couro. Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores Empregados nas Indústrias de Artefatos de Couros do município (Sindical), cerca de 1,3 mil profissionais estão empregados no setor com carteira assinada, mas há milhares de outras pessoas jurídicas que não entram no cálculo da organização de trabalhadores.

Neste mês, Ipirá, por meio de um projeto de lei aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), tornou-se a Capital da Produção Industrial e Artesanal de Calçados e Artefatos de Couro do estado.

“O poder transformador do empreendedorismo de Ipirá é confirmado pela importância do segmento industrial de Bolsas e Acessórios de Couro. Ao longo dos anos, o segmento fez do município um local com características únicas no Brasil, pois a geração de trabalho formal, o desenvolvimento social e o crescimento econômico andam juntos, e são fruto da principal vocação espontânea da cidade, a manufatura do couro”, comenta Lúcia Leite, gestora de Projetos dos Setores da Indústria e Comércio, do Sebrae-BA.

O Polo de Bolsas e Acessórios de Couro de Ipirá é um dos mais avançados conglomerados industriais do seu segmento no Brasil. Hoje, há também concentrações em outros ramos da manufatura e em diferentes regiões, como a Capital Nacional do Calçado, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, a Capital da Lingerie, em Nova Friburgo, também no Rio Grande do Sul, e a Capital do Jeans, em Toritama, no interior da vizinha Pernambuco.

“As empresas de Ipirá estão presentes em todos os estados, abastecendo lojas e redes de lojas com seus produtos em couro. Este posicionamento foi construído com muito trabalho, empenho, determinação e profissionalismo, sobretudo, nos últimos 30 anos”, completa a gestora de projetos do Sebrae.

Histórico 

Os registros apontam que no século 19 a inflação atingia níveis vergonhosos no Brasil, fazendo com que a moeda brasileira à época amargasse a desvalorização. O desarranjo econômico atingiu às exportações e o couro não saiu ileso. Famílias litorâneas de artesãos que usavam peles de animais na construção de suas peças não viram outra saída a não ser migrar para o semiárido, onde a demanda pelos produtos feito em couro poderia lhes salvar da miséria.

“Uma leva de mais de 20 famílias de artesãos de couro, prejudicados com a dificuldade de vender seus produtos no mercado internacional, deslocaram-se do Acupe de Brotas, para as caatingas do Camisão (como Ipirá é carinhosamente chamada pelos seus munícipes), em busca direta, sem intermediários, do couro”, conta o historiador Agildo Barreto em seu livro A Praça da Bandeira e outras bandeiras.

As famílias teriam se instalado em uma área hoje compreendida como os povoados do Rio do Peixe, Umburanas e no distrito do Malhador. As três localidades ficaram conhecidas como a Tríplice do Couro, devido à quantidade de curtumes, artesãos e peças produzidas, a princípio, de forma rudimentar, para proteger os vaqueiros da traiçoeira vegetação da caatinga e alar seus animais companheiros de labuta.

“Inicialmente, no começo do século 20, ganha força a produção de indumentária para os vaqueiros adentrarem a caatinga no apartar do gado, bem como para embelezar os trajes dos fazendeiros e dos animais de montaria. Já no século 21, as inovações dos artefatos em couro, especialmente as bolsas, cintos e carteiras produzidas em Ipirá, passam a embelezar os grandes desfiles de moda no Brasil e em diversos países”, diz o Wesley Cerqueira, mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e autor da dissertação “A indicação Geográfica dos Artefatos de Couro em Ipirá: Instrumento Possível de Desenvolvimento Territorial”.

Em meados da década de 1990, a produção de carteiras era grande nas três localidades, mas sobretudo no distrito do Malhador. Os acessórios produzidos naquelas regiões, exclusivamente para o público masculino, abasteciam as bancas de comerciantes no centro de São Paulo e, cada vez mais, Ipirá ia construindo sua fama para além do seu território de identidade, a Bacia do Jacuípe.

Dilson Gomes da Silva, filho de um caixeiro-viajante e dono de uma selaria, com raízes na região, passou a fornecer aos seus conterrâneos artesãos os insumos necessários para a produção das peças. Ele daria ali início a um empreendimento que, hoje, é considerado uma das maiores marcas de bolsas, carteiras e acessórios do Brasil, a Aredda.

ção Empresa criada por Dilson Gomes já está  lojas físicas em Ipirá, Salvador e Brasília
Empresa criada por Dilson Gomes já tem lojas físicas em Ipirá, Salvador e Brasília Crédito: Divulgação

Com o negócio ganhando corpo, foi necessário mudar as instalações para a sede de Ipirá, em 1996, ano em que outras pequenas produções começavam a se modernizar. Naquele período, a demanda pelas carteiras masculinas já não era como antes e o empresário, vendo os negócios mingarem, resolveu apostar em outro público: o feminino. Nasceu assim a ideia da confecção de bolsas.

“Viemos para Ipirá e começamos a fazer bolsas, foi quando aconteceu toda a revolução. Com a mão de obra muito mais qualificada e com a visão muito mais fashionista, fomos em busca de recursos, maquinário moderno e tendências. Começamos a alinhar nossa marca com a proposta europeia”, conta Pedro Ernesto Silva, filho de Dilson e diretor comercial da Aredda.

Hoje, a marca conta com três lojas físicas, em Ipirá, Salvador e Brasília.