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Já é Natal de novo? O que está por trás da sensação de que o tempo está passando mais rápido

Entenda o que dizem físicos, matemáticos e filósofos sobre a percepção da velocidade do calendário

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 23 de dezembro de 2023 às 05:00

Natal
Natal Crédito: Quintino Andrade/CORREIO

Os sinais estavam todos lá. Primeiro, surgiram os panetones nos corredores do supermercado. Depois, os shoppings começaram a aparecer decorados, repletos de árvores, luzes e bolas coloridas. Nas lojas, as vitrines direcionavam para aquela que é a data mais importante para o comércio baiano: o Natal.

A verdade é que indagar "como assim 'já é Natal'?" virou lugar comum. Se você não é a pessoa que se surpreende, provavelmente conhece alguém que é exatamente assim. Em seu perfil no X (antigo Twitter), o advogado Leonardo Macedo, 27, chegou a brincar com isso. No lugar do seu nome de usuário, colocou a frase: "misericórdia, já é Natal?".

Apesar da brincadeira, ele diz que não se importa muito de perceber que o Natal chegou. “Até gosto, na verdade. Eu tenho muito carinho por esse período de dezembro e janeiro porque é o momento de descansar e estar mais próximo dos amigos e familiares”, admite.

De fato, sentir que o espaço entre o Natal de um ano e o do ano seguinte diminuiu não é raro. Tem quem pense que essa percepção é um sintoma da forma como o comércio propagandeia as datas comemorativas - sempre em busca da próxima. As hipóteses são muitas: há quem acredite que os dias ficaram menores, as horas mais curtas ou mesmo que a medida do tempo pode estar desatualizada.

No entanto, ainda que existam diferentes conceitos e estudos acerca do tempo, não é bem isso o que acontece. A menos que alguém esteja fora do planeta Terra, a passagem do tempo acontece da mesma forma desde que o mundo é mundo - ou que o universo é esse que conhecemos.

Quem explica isso é o astrofísico Renato Las Casas, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Tudo que existe no universo é uma energia, que é a mesma coisa que radiação e matéria, tempo e espaço. Essas três coisas são indissociáveis. Uma não pode existir sem as outras duas. Se você mexe em uma, mexe nas outras duas também”, diz.

O que acontece é que nem todo mundo está sujeito ao mesmo tempo. Ou seja, o tempo pode fluir diferente para alguém que está aqui em comparação a um indivíduo que está em outro planeta, porque o referencial é outro. “O que o pessoal viu um pouco antes de (Albert) Einstein foi que a velocidade da luz é única. Se você tem um raio de luz, qualquer pessoa em qualquer referencial do universo vê aquela ou com a mesma velocidade. A partir disso, Einstein chegou à conclusão de que tempo e espaço dependem da velocidade do referencial”.

Congruência

Como até o momento não há nenhum indício de que seres de outros planetas comemorem o Natal, partiremos deste ponto: a hipótese de que a data festiva está chegando mais cedo deve levar em conta que todas as pessoas que acreditam nisso estão no mesmo referencial.

Se essa é a definição da Física, a Matemática a acompanha. Ela trabalha com um modelo e, segundo o matemático Kisnney Almeida, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), por esse aspecto, tudo funciona exatamente igual. Assim, o cálculo matemático do tempo não sofreu nenhuma mudança.

“Matematicamente, tudo permanece igual. A Matemática e a Física estão intimamente ligadas há muito tempo. Se a Física ou sei lá quem falou que o ano vai ter 365 dias e que um dia tem 24 horas, o matemático acredita nisso e trabalha com um modelo. Se a Física mudou ou não, se a realidade mudou ou não, a Matemática não vai dizer”.

É essa ciência que consegue, por exemplo, descobrir em qual dia da semana caiu o Natal de 1960 (um domingo!). A ferramenta para chegar a essa data é chamada de congruência. “A Matemática muitas vezes é vista como uma coisa que complica a vida das pessoas, mas o objetivo dela sempre foi simplificar. Com o tempo é a mesma coisa. O tempo é uma coisa muito complexa e a nossa percepção muda muito. Mas, na Matemática, é muito simples”.

Fluir

Se não há diferença no cálculo e nem no tempo de fato, onde está a mudança? Para entender isso, é preciso recorrer a outras áreas que se debruçam sobre o tema. Na filosofia ocidental, os questionamentos sobre o tempo são frequentes desde a Grécia antiga, como explica a filósofa Geovana Monteiro, doutora em Filosofia e professora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).

“Todos nós, enquanto humanos, experimentamos o tempo como um escoamento contínuo de nós mesmos, como um desenrolar de um novelo que pouco a pouco chega a seu fim, parafraseando o filósofo francês Henri Bergson”.

O tempo psicológico, portanto, ocorre a partir da consciência desse fluir e de que há uma finitude. Esse tempo, que é um tempo vivido, é preenchido por memórias, experiências presentes e desejos para o futuro, de acordo com a filósofa.

Geovana explica que a vida cotidiana impõe padrões de comportamento que tornam a experiência da passagem do tempo superficial. Esse seria justamente o tempo medido, calculado. Essa medida, porém, seria uma expressão opaca da duração real daquilo que se vive.

“No entanto, esse tempo espacializado que podemos contar, que o físico utiliza em seus cálculos e do qual nós, via de regra, nos utilizamos para organizar também nossas vidas, nossos horários, demarcar períodos históricos, organizar nosso futuro. É com ele que estamos habituados a lidar, pois, a vida moderna nos impõe uma utilização pragmática do tempo em detrimento de uma experiência profunda de nós mesmos e do Universo ao redor enquanto fluxo vital".

Igreja e mercador

Ao longo da história, as percepções de tempo também mudaram. Ainda que relógios e calendários estejam por aí há alguns séculos, nem sempre foi assim, como pondera a bibliotecária Marcela Reinhardt, que pesquisou ansiedade e sobrecarga de informação no mestrado em Ciência da Informação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), assim como as relações das pessoas com o tempo. Ela lembra que os primeiros humanos contavam tempo a partir da natureza e de ciclos contínuos de elementos como a chuva e o Sol.

Durante a Idade Média, no continente europeu, havia o tempo da igreja e o tempo de mercador. “O tempo da igreja era aquele em que as pessoas dependiam das ordens da natureza e de Deus, enquanto o tempo de mercador era voltado ao monitoramento das tarefas comerciais”, diz Marcela. Já as divisões de tempo comuns aos dias de hoje, como a ‘hora de dormir’ ou a ‘hora de almoçar’ tiveram início com a Revolução Industrial, que trouxe a necessidade de estipular um horário de trabalho para as fábricas.

Assim, todo o tempo é usado para alguma atividade, segundo ela. Há o tempo do trabalho, que inclui atividades domésticas, e o do não-trabalho, que muitas vezes é ocupado com tecnologia e um excesso de informação que leva à sensação de sobrecarga emocional.

“Sem o tédio, sem o tempo dedicado para o ‘inútil’, fazemos muitas coisas enquanto estamos acordados. Depois, dormimos e, ao acordarmos de novo, seguimos nessa rotina veloz. Então isso pode alterar nossa percepção de que o tempo está cada vez passando mais rápido. Queremos fazer mais coisas em menos tempo”.

Ainda que se pensasse que a tecnologia poderia ajudar a ter mais tempo livre, uma vez que torna possível resolver mais coisas em menos tempo, apenas com um celular. “Porém, a realidade é que assim como as coisas se resolvem rápido, o tempo todo surgem mais coisas para se resolver mais rápido”.

Medida

De acordo com o professor Renato Las Casas, da UFMG, a medida do tempo está relacionada a uma repetição de eventos. Saber quantos anos se passaram, por exemplo, significa saber quantas voltas a Terra deu em torno do Sol. “Medir o tempo é medir o número de vezes que um certo fenômeno acontece”.

Ainda que Einstein tenha proposto a teoria da relatividade, falar de relatividade não tem a ver com a percepção individual de cada um diante do tempo. Um exemplo trazido pelo professor é o do fim de uma partida de futebol. Para muita gente, os minutos finais de um jogo podem fazer você sentir como se demorasse até mais do que a partida inteira, justamente pela emoção. "O tempo físico não tem nada a ver com o tempo subjetivo, que é até psicológico".

Entre os diferentes conceitos de tempo, a Matemática trabalha com dois. Assim como os físicos, os matemáticos entendem que, quando se fala na passagem entre dias e semanas, por exemplo - quando muda do dia 24 para o 25 -, trata-se de um tempo discreto. É esse tempo medido.

“Se eu estiver estudando uma massa de ar que se move, eu vou pensar no tempo contínuo, no sentido de que ele está passando bem devagarzinho. É o tempo entre dois pontos em que você não consegue ver qual é o próximo passo. É a nossa percepção de tempo real, em que as coisas vão se mexendo e a gente não consegue ver quando mudaram de lugar”, afirma o professor Kisnney Almeida, da Uefs.

Rotina

A chegada antecipada do Natal, logo, é mais uma sensação. E, de acordo com a professora Geovana Monteiro, da UFRB, pode estar relacionada a uma inquietação sobre o modo de vida. Seria uma indicação de como a vida pessoal, bem como as relações de trabalho e de afeto se dão em ritmos acelerados, intermediadas pelas novas tecnologias e pelas redes sociais.

“Isso não altera, a meu ver, a percepção mais ampla do tempo como transformação, como mudança. Porém, pode nos trazer a sensação de que estamos vivendo apenas na superficialidade da medida do tempo, uma vida qualitativamente pobre, já que precisamos dar conta de cada vez mais coisas em cada vez menos tempo (cronometrado)”.

Ela cita o conto O Cooper de Cida, da escritora Conceição Evaristo. No texto, a autora trata de um sentimento de vazio provocado pela correria da vida, que, muitas vezes, não é possível mudar. “Nesse sentido, acredito que essa sensação de que o tempo tem passado rápido, se deve justamente ao modo como temos preenchido nossa duração. Fazemos muitas coisas ao longo de uma medida temporal de 365 dias, mas muitas delas repetidamente, cronometricamente, religiosamente etc. Não sobra tempo para a espontaneidade, para viver de fato a experiência radicalmente nova da duração”.

Ainda que tenha esse sentimento, o advogado Leonardo Macedo acredita também que essa seja apenas uma sensação. Mais do que isso, seria algo ligado à própria percepção de mundo. “Passamos a viver numa sociedade em que as relações precisam ser instantâneas. Vivemos numa rotina em que temos muitas coisas para fazer e todas precisam ocupar o menor tempo possível. Então tudo precisa ser o mais rápido possível e isso engloba o próprio Natal”.

Para ele, algo recorrente é que o Natal nem mesmo chegou e já há um planejamento geral das festas e eventos que virão adiante, como o Ano Novo e o Carnaval. “Não é só que existe uma sensação de que o Natal está chegando mais rápido. Agora parece que queremos que ele chegue logo mesmo para passar para a próxima etapa. Passamos a viver num ciclo de sempre esperar pelo próximo evento. O Natal acabou entrando nesse ciclo também”.

Mas ele não está entre os “haters” (odiadores) do Natal. Leonardo diz gostar dessa época do ano pelo fechamento de ciclos - e vem sendo assim desde a infância. A forma como se sente a passagem de tempo, por sua vez, seria uma consequência das responsabilidades e deveres da vida adulta em meio a um tempo curto.

“O tempo está correndo porque nós estamos correndo também. No Natal essa sensação fica mais forte porque o fato de ser o último mês do ano deixa graficamente. A passagem de tempo é igual em todos os momentos do ano. No Natal ela só fica um pouco mais evidente”.

O Natal é, portanto, um marcador do tempo, segundo a pesquisadora Marcela Reinhardt. Ela se encaixa em um hábito de marcar o tempo através de rupturas e recomeços. “Datas como Natal, ano novo, aniversário, são momentos em que paramos para notar a passagem do tempo e aí a sensação é de que o tempo voou, pois não paramos para perceber os dias enquanto eles passavam”, reflete.

Além disso, não se deve esquecer que o Natal é uma festa religiosa e, com isso, é possível que muitas pessoas estejam mais sensíveis e abertas a mudanças, como lembra a professora Geovana Monteiro, da UFRB.

“Creio que a experiência ou percepção do tempo nesse período das festas de fim de ano possa se aprofundar, no sentido de que a atmosfera da época nos insere numa consciência talvez mais nítida da passagem do tempo, da possibilidade de recomeços ou mesmo de mudanças radicais em nossas vidas”.

'Tempo e memória têm tudo a ver', diz neurologista

A forma como o cérebro funciona pode ajudar a entender por que tanta gente sente que o Natal está chegando mais rápido. Isso porque, uma vez que o órgão não consegue reter todas as informações, vai fazer uma espécie de ‘filtro’, ao selecionar apenas o que for identificado como importante.

Por isso, não é incomum que, nos consultórios, queixas de esquecimento apareçam com certa frequência, de acordo com o médico neurologista Ricardo Alvim, coordenador do serviço de neurologia do Hospital Mater Dei Salvador.

“A gente recebe tantas informações sensoriais, como auditivas, visuais, gustativas, olfativas, e o cérebro recebe as informações, processa as informações e o cérebro define o que é importante ou não, baseado na nossa atenção”, afirma.

Assim, se alguém faz algo no automático, é como se isso fosse uma senha para o entendimento de que aquilo não é tão importante assim e pode ser descartado. Por outro lado, se há um contexto emocional envolvido ou se faz parte da rotina da pessoa anotar, definir metas ou programar atividades, o cérebro também reconhece isso.

“Por que o Natal é especial? Porque o Natal é família. É o período em que alguém que trabalha descansa ou viaja. As memórias acabam ficando armazenadas no cérebro até pelo contexto afetivo e, por isso, são mais consolidadas”.

Em meio à rotina de trabalho atribulada e ao alto índice de informações, é natural que esse excesso faça com que muita coisa pare na barreira do filtro. Sentir que algo passou despercebido, portanto, é também consequência de uma dificuldade de selecionar o que é importante ou não. “Você acaba fazendo coisas, mas às vezes nem lembra que fez”, pontua o médico.

O problema ocorre quando essa sensação gera situações de sofrimento. Se há sinais de angústia ou que isso tem afetado o sono ou mesmo as relações pessoais, a recomendação do neurologista é de repensar e definir o que é prioridade na vida. Isso passa por organizar a agenda até a manter uma rotina de aprender coisas novas, o que também contribui para a sensação de que o cérebro está ativo.

“Tempo e memória têm tudo a ver e, com essa demanda de qual memória seria importante e a falta de memória recente, eu diria que é hora de avaliar o que está sendo feito de forma atropelada ou incorreta. Com a chegada de um novo ano, é importante fazer essa reflexão”.