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Gil Santos
Publicado em 14 de julho de 2023 às 05:00
Camila Silva dos Santos tinha 23 anos e o sonho de oferecer uma vida melhor para a mãe, a avó e os irmãos. Infelizmente, seus desejos foram interrompidos por uma bala perdida. A estudante morreu quando voltava para casa depois de um dia de trabalho em um call center e de aulas em um curso profissionalizante. Foi baleada no peito durante um tiroteio entre traficantes nas proximidades da Praça Lord Cochrane, que faz a ligação das Avenidas Anita Garibaldi e Reitor Miguel Calmon, na Federação. >
O crime aconteceu por volta das 22h de quarta-feira (12). Camila trabalhou durante o dia como atendente de telemarketing e à noite foi para as aulas de técnica de enfermagem no Centro Educacional Edgar Santos, no Garcia. Ela voltava para casa, acompanhada de dois amigos, quando foi surpreendida pelo tiroteio. >
Os três estudantes caminhavam pelo canteiro central e atravessaram a rua quando perceberam os disparos, correndo no sentido contrário ao da confusão. Camila foi atingida e caiu cerca de dez metros depois de ter começado a correr. A calçada ainda tinha marcas de sangue na manhã desta quinta-feira (13). >
Com a ajuda de moradores, os amigos da jovem conseguiram parar um carro e prestar socorro, depois que um taxista se recusou a ajudar, mas a estudante chegou ao Hospital Geral do Estado (HGE) sem vida. Camila morava do outro lado da praça, a cerca de 400 metros de onde foi baleada. O tio da jovem, que pediu para não ser identificado, contou que a família está desolada. “Ela sempre foi uma menina esforçada e que gostava de estudar. Ela tinha o sonho de ser enfermeira e já estava terminando esse curso. Minha mãe, a avó dela, passou mal e precisou ser medicada. A família toda está muito abalada. A violência está demais, mas a gente tem até medo de falar porque corremos risco”, desabafou. >
Camila vivia com a mãe, uma irmã mais velha, um irmão adotivo e com a avó. Por volta das 10h desta quinta-feira, ou seja, 12h após o primeiro tiroteio, a reportagem flagrou outra situação na mesma praça. Desta vez, na entrada da Rua 13 de Outubro, onde a estudante morava. Dois homens armados encontraram uma viatura quando saíam da rua, e houve troca de tiros. >
Os bandidos conseguiram fugir deixando para trás um par de sandálias. Ninguém ficou ferido. Uma moradora assustada resolveu pegar a filha na escola e levar a menina para casa. Nessa mesma manhã, nas proximidades da praça, policiais do Garra avistaram uma dupla em uma moto com a placa dobrada e mandaram parar, mas os suspeitos não obedeceram e houve mais uma troca de tiros. Em nota, a PM disse que os bandidos escaparam.>
“O garupa [a pessoa de carona na moto] sacou uma pistola e disparou contra os policiais militares, que revidaram. A dupla conseguiu fugir a pé e o veículo de duas rodas, modelo Honda, foi apreendido e apresentado na Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), onde a ocorrência foi registrada”, diz a nota.>
Moradores reclamaram da falta de segurança no bairro e do avanço da criminalidade. Faz menos de um mês que outro tiroteio na Praça Lord Cochrane deixou dois mortos e dois feridos. O crime aconteceu em 14 de junho. A Polícia Militar informou que quando as viaturas chegaram ao local já encontraram as quatro pessoas baleadas. Todos foram socorridos para o Hospital Geral do Estado, mas dois não resistiram. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) investiga a autoria e a motivação dos crimes. >
A vizinhança afirmou que está mudando a rotina com medo da violência, como evitar sair de casa à noite e manter as portas sempre trancadas. Uma faxineira de 40 anos, que mora próximo à praça, contou que ouviu os disparos que mataram Camila. >
“Foram muitos tiros. Eu tinha resolvido sair para fumar, mas foi bem na hora da confusão, ainda bem que voltei a tempo. Não consegui ver o que estava acontecendo, mas ouvi muitos disparos. A violência está demais, e a gente, que é trabalhador, fica refém”. >
Testemunhas contaram que os confrontos ficaram mais intensos nas últimas semanas e estão relacionados com a disputa entre duas facções pelo tráfico de drogas na região. Mesmo assim, a audácia dos criminosos surpreendeu porque o confronto ocorreu em uma das avenidas mais movimentadas da cidade.>
Pela manhã, uma viatura ficou de plantão na praça e algumas pessoas saíram para caminhar, mas, segundo outro morador, o movimento estava fraco. “O tiroteio foi às 22h, mas fico pensando que se fosse mais cedo poderia ter sido bem pior, porque essa região é bastante movimentada com crianças jogando bola, pessoas caminhando, passeando com cachorro e andando de bicicleta”, disse. >
A Praça Lord Cochrane deveria ser motivo de orgulho, porque faz uma homenagem a um dos heróis das lutas pela independência do Brasil na Bahia. Thomas Cochrane comandou a Batalha de 4 de maio de 1823, um combate naval ocorrido durante o bloqueio do porto de Salvador, onde brasileiros e portugueses se enfrentaram pelo comando da cidade. >
Ele foi um oficial naval, político e membro da Marinha Britânica, além de 10º Conde de Dundonald e Marquês do Maranhão, por isso, o título de Lord. Porém, para os moradores o local tem sido motivo de muita vergonha. >
Na manhã desta quinta-feira (13), investigadores da 1ª Delegacia de Homicídios (DH/ Atlântico) estiveram no local do crime procurando por imagens . Câmeras de segurança filmaram o momento do tiroteio e a morte de Camila. Enquanto os agentes da PC checavam os postes, as casas e estabelecimentos comerciais para encontrar as cenas, do outro lado da rua policiais militares abordavam pessoas na Avenida Padre Domingos de Brito. A movimentação das três viaturas e seis motocicletas chamou a atenção da vizinhança. A PM informou que prendeu duas pessoas com drogas, que foram apresentados à Central de Flagrantes. Questionada, porém, a corporação não disse as substâncias encontradas. >
A auxiliar de produção Érica Santiago, 31 anos, é esposa de Jeferson, um dos homens levados pelos policiais, e contou que o marido estava em casa quando o tiroteio aconteceu. O casal e os dois filhos, de 10 e 7 anos, ouviram os disparos e também ficaram assustados com os tiros. >
“Eles [policiais] disseram que apreenderam drogas com meu marido. Eles estiveram mais cedo, abordaram e não encontraram nada, mas voltaram de novo. Jeferson é trabalhador. Ele trabalhava em uma empresa, no Rio Vermelho, e quando saiu de lá montou um lava-jato. Quando não tem trabalho, ele carrega material, ajuda um, faz um serviço para outro, ele é pai de família”, disse, indignada. >
O outro detido foi identificado como Felipe e, segundo a vizinhança, também trabalha no lava-jato. Policiais militares da Rondesp Atlântico, do Grupamento Águia e da 41º Companhia Independente (CIPM/ Federação) intensificaram as rondas na região.>
Na noite desta quinta-feira (13), a Policia Civil informou à reportagem que os dois detidos pela PM foram ouvidos e sem seguida liberados e que nenhum material ilícito foi encontrado.>
No mês passado, três ocorrências envolvendo tiroteios entre grupos rivais de traficantes ou entre suspeitos e guarnições da PM ocorreram no Parque São Brás, Rua Direta do Calabar e Alto das Pombas, todas localidades da Federação (leia ao lado). >
As três situações resultaram em pelo menos um morto e duas pessoas feridas, segundo os registros da própria Polícia Militar. >
28 de junho – Um homem morreu e outro ficou ferido durante uma tentativa de assalto que terminou em tiroteio na Rua Engenheiro Afonso Oliva, no Parque São Brás, na Federação. A polícia informou que eles tentaram roubar um carro e que foram surpreendidos por pessoas armadas que estavam na região. >
16 de junho – Um homem foi baleado na Rua Direta do Cabalar, na Federação, durante uma troca de tiros entre bandidos. A vítima foi socorrida para o Hospital Geral do Estado (HGE), por meios próprios. Policiais militares chegaram ao local quando o confronto ainda estava ocorrendo e também participaram do tiroteio. >
3 de junho – Moradores da comunidade do Alto das Pombas, na Federação, viveram uma madrugada de tensão durante um confronto intenso entre bandidos e policiais militares. Os PMs foram até o local depois de receberem uma denúncia de que havia homens armados na região. O tiroteio levou mais de 1h, mas ninguém ficou ferido.>