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Maysa Polcri
Publicado em 12 de novembro de 2024 às 07:20
Qualquer brasileiro com mais de 18 anos pode escolher como quer ser tratado no final da vida. Basta apresentar documentos pessoais e fazer uma declaração em cartório, online ou de forma presencial. Nos testamentos vitais, os autores detalham quais tipos de cuidados desejam receber caso não consigam se comunicar por questões de saúde. A prática é utilizada para garantir, inclusive, a “morte digna”, quando pacientes preferem não ser submetidos a tratamentos invasivos. >
O caso do poeta Antônio Cícero, que passou pelo suicídio assistido na Suíça, reacendeu o debate sobre os direitos individuais no fim da vida. O procedimento feito no exterior acontece quando a pessoa ingere ou aplica uma substância letal no próprio corpo - o que não é permitido no Brasil. >
Os testamentos vitais, nome popular para as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs), devem contar apenas práticas autorizadas pela lei brasileira. Uma pessoa pode, por exemplo, decidir que não quer ter a vida prolongada por ventilação mecânica ou diálise contínua, seja em casa ou no hospital. A oficialização dos desejos feita em cartório garante maior segurança jurídica no final da vida de pacientes internados. >
“A Diretiva Antecipada visa preencher a lacuna de consciência. A pessoa expressa, previamente, perante a um tabelião de notas, o que ela gostaria que fosse feito com seu corpo que ainda continua vivo, mas sem consciência”, explica Giovani Gianellini, presidente do Colégio Notarial do Brasil na Bahia. Segundo o órgão, 28 testamentos vitais foram feitos em cartórios baianos entre 2015 e 2024. >
Apesar de serem chamados de “testamentos”, as diretivas são menos complexas e mais baratas. Não é preciso apresentar testemunha ao fazer o documento, que custa R$203,90. O valor é quase um terço do cobrado para a realização de testamentos. Apesar de o número de adeptos ser pequeno, Giovani Gianelli analisa que as pessoas têm se interessado mais em deixar documentado como desejam ser cuidadas no final da vida. >
Durante a pandemia, houve um aumento significativo da demanda. Foram feitos cinco testamentos em 2021 na Bahia. Apenas uma pessoa fez o testamento vital no estado neste ano. Para especialistas, o desconhecimento e o tabu em relação à morte explicam a demanda restrita. As diretivas evitam conflitos familiares e fazem com que o desejo dos pacientes seja respeitado, diz René Viana, presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA).>
"Ao formalizar suas preferências, o paciente assegura que suas vontades em relação aos cuidados médicos serão respeitadas, mesmo quando não puder manifestá-las diretamente, preservando sua autonomia e dignidade. Elas também oferecem orientação clara para os médicos, evitando ambiguidades", explica René Viana, que também é professor de Ética Médica.
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Os testamentos podem ser feitos online, através da plataforma e-Notariado. O cidadão precisa de um Certificado Digital Notarial (emitido gratuitamente pelos cartórios de notas) ou de um certificado ICP-Brasil. Assim, o usuário acessa a plataforma, agenda uma videoconferência para a validação do documento e preenche com sua assinatura.>
Em 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM) elaborou a resolução 1.995, que orienta os médicos a respeitarem os desejos referentes a cuidados e tratamentos expressados previamente pelos pacientes. As diretivas antecipadas têm ficado mais comuns desde então. “A equipe médica tem obrigação de honrar os desejos do paciente, desde que eles não firam os princípios da ética e da legislação do Brasil”, explica a médica Silvia Seligmann, especialista em cuidados paliativos e professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). >
Um ano após a recomendação do CFM, uma advogada paulista foi a primeira pessoa a conseguir uma sentença favorável à “morte digna” na Justiça brasileira. Rosana Chiavassa conseguiu, por vias legais, garantir que não passe por tratamento invasivo caso desenvolva, no futuro, doença irreversível que comprometa capacidade física e de consciência. Nesse caso, será aplicada a ortotanásia, quando se permite que a morte ocorra de forma natural. >
A prática varia conforme a situação de cada paciente, como explica a médica Silvia Seligmann. “Imagine um paciente que acabou de descobrir um câncer de pulmão e chegou no hospital com uma pneumonia muito grave. Ele precisa ser entubado porque, depois de tratada a pneumonia, vai ser possível tirar o tubo”, exemplifica. A situação é diferente de um paciente que tem uma doença terminal. >
“No caso de paciente que tenha um câncer de pulmão muito avançado, sem possibilidade de tratamento e que está o impedindo de respirar, entubar não vai resolver”, completa. Não entubar um paciente nesse caso e permitir a morte natural, é previsto na lei brasileira. A prática é diferente da eutanásia, quando há intervenção para terminar com a vida de alguém. No Brasil, a eutanásia é considerada homicídio, apesar de ser legal em países como Colômbia, Bélgica e Suiça. >
A estudante Carolina Arruda, 27, ficou conhecida por fazer uma vaquinha para arrecadar dinheiro e custear o suicídio assistido, na Suíça. Ela foi diagnosticada na adolescência com neuralgia do trigêmeo, uma doença que afeta os nervos do rosto e provoca dor intensa. >
Ela, que mora em Minas Gerais, estima que precisaria de R$200 mil para fazer o mesmo procedimento realizado pelo poeta Antônio Cícero, em outubro. A prática é similar a eutanásia, porém é o próprio paciente que administra a dose letal. Neste ano, Carolina Arruda decidiu dar início a um novo tratamento para a doença.>
Número de Diretivas Antecipadas de Vontade feitas em cartórios na Bahia >
2024: 1>
2023: 3>
2022: 1>
2021: 5>
2020: 2>
2019: 2>
2018: 4>
2017: 5>
2016: 4>
2015: 1>