Nova reunião entre Devoção do Bonfim e Arquidiocese de Salvador termina sem acordo

Devoção entrou na Justiça contra intervenção da Arquidiocese na Basílica do Senhor do Bonfim

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  • Maysa Polcri

Publicado em 28 de maio de 2024 às 15:19

Eduardo Carrera e Otoney Alcântara, que representam as duas partes do processo, posaram juntos após a reunião
Eduardo Carrera e Otoney Alcântara, que representam as duas partes do processo, posaram juntos após a reunião Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A cada novo capítulo, as tentativas de reconciliação entre a Arquidiocese de Salvador e a Devoção do Senhor do Bonfim se aproximam de um dos maiores textos da Bíblia. Ao longo de 66 capítulos, o livro de Isaías narra a missão do profeta em proteger Israel, que passa por tempos de rebeldia. No sentido contrário da paz católica, integrantes de ambas as partes, em Salvador, encerraram mais uma reunião sem acordo, na manhã desta terça-feira (28).

Dessa vez, no entanto, os ânimos foram arrefecidos. Após a reunião entre advogados da arquidiocese e integrantes da antiga mesa diretora da devoção, que foi dissolvida no ano passado, a expectativa é que um acordo seja firmado no dia 13 de junho. É quando outra audiência do processo de conciliação acontecerá no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).

A reunião desta terça-feira durou três horas e aconteceu na sede da arquidiocese, no Garcia. Além dos representantes das partes, estiveram presentes o cardeal Dom Sérgio da Rocha e a procuradora de Justiça Cleonice de Souza e Lima, que representou o Ministério Público da Bahia (MP-BA). Esses últimos não concederam entrevista à reportagem, que não pôde acompanhar o encontro.

O imbróglio teve início no ano passado, com a disputa entre membros da Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim e Edson Menezes, reitor da Basílica do Senhor do Bonfim. As desavenças culminaram em um decreto de intervenção, que dissolveu a mesa diretora. A devoção, então, entrou na Justiça contra a interferência da arquidiocese nas atividades administrativas da empresa.

Eduardo Carrera, que representa a devoção e integrava a diretoria dissolvida, e Otoney Alcântara, advogado da arquidiocese, posaram juntos para fotos após a reunião. O clima amigável dá sinais de que a resolução do conflito está próxima. Nenhum deles deu detalhes sobre os pontos que ainda travam o acordo. Eduardo Carrera declarou, porém, que a remuneração do padre Edson Menezes não é mais um entrave.

“Nós [devoção] somos sempre a favor do cumprimento dos estatutos que não vinham sendo cumpridos pelas administrações anteriores. O cerne da questão não tem problema religioso ou eclesiástico, e sim por causa de pontos administrativos que determinadas pessoas das mesas anteriores não cumpriram. Nós lutamos justamente para isso e acredito que tudo foi bem esclarecido ao cardeal, que concorda plenamente com o cumprimento”, disse Eduardo Carrera, após a reunião, sem detalhar os estatutos.

O advogado Otoney Alcântara também se esquivou de detalhar os impasses. “No momento, é mais interessante manter as coisas no sigilo. São questões ainda pendentes. Chegamos ao consenso em relação a bastante coisa, e tem um outros pontos que precisam ser ajustados. Não podemos tomar a decisão diretamente sem ouvir outras pessoas”, falou o representante da arquidiocese.

Quando a discussão veio a público, um dos pontos questionados pela devoção foi a remuneração do padre Edson Menezes que, segundo prega o regimento, deveria ter a carteira assinada pela devoção e receber o equivalente a quatro salários mínimos. Em entrevista anterior ao CORREIO, Eduardo Carreira chegou a estimar que o reitor da basílica receba R$ 50 mil por mês.

“Isso já foi tratado porque, de fato, no estatuto da igreja diz que o padre é empregado da devoção. Mas, uma nova lei, diz que o padre não pode ser tido como empregado das organizações religiosas. Então, chegamos a um denominador comum”, afirmou Eduardo Carreira. Em agosto do ano passado, foi sancionada a lei que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e estabeleceu a inexistência e vínculo de trabalho entre igrejas e sacerdotes.

Padre Edson Menezes com bandeira que será tema da festa
O padre Edson Menezes está à frente da igreja há 17 anos Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

“Um decreto cardinalístico, de 2019, prevê que o padre tem direito de receber três salários mínimos. A devoção, inclusive, quer fixar em três ou quatro salários. O que ele não pode é receber as doações de todas as sextas-feiras, o que alcança uma verba bastante alta. O cardeal assentiu quanto a isso e vamos chegar a um denominador comum”, explicou Eduardo Carreira.

A reportagem entrou em contato com o padre Edson Menezes, que disse apenas, por telefone, que acompanha as discussões e que aguarda que a “Justiça seja feita”. O advogado Otoney Alcântara, da arquidiocese, falou sobre as expectativas para o próximo encontro.

“Vamos ouvir as partes envolvidas, tanto o grupo que entrou com ação judicial, quanto os associados que hoje compõem a mesa. Até a próxima reunião, pretendemos que os pontos que ficaram para serem fechados e, se Deus quiser, na próxima audiência, no dia 13, dia de Santo Antônio, consigamos resolver o problema e dar segmento a vida da associação”, ressaltou.

Audiência de conciliação entre Arquidiocese e irmandade do Bonfim
Audiência de conciliação entre Arquidiocese e irmandade do Bonfim no TJ-BA, em maio deste ano Crédito: Gilberto Barbosa/CORREIO

Relembre o caso

Em janeiro do ano passado, o padre Edson Menezes, da Basílica do Senhor do Bonfim, disse ser alvo de "perseguição" de parte da Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim. Em maio, a disputa se tornou pública e houve reações de ambos os lados: manifestação em defesa do padre e agendamento de reunião extraordinária.

As primeiras brigas foram motivadas por desavenças durante os preparativos para a festa do Bonfim de 2023, com tentativas de interferências da Irmandade na programação, há 17 anos organizada pelo padre Edson.

Em agosto, o cardeal Dom Sergio da Rocha, arcebispo de Salvador, tornou padre Abel Pinheiro interventor da devoção. Outra mesa diretora foi eleita, mas o grupo anterior judicializou o caso. Neste ano, duas reuniões de conciliação já aconteceram no TJ-BA com a presença do desembargador e relator do processo Jorge Barreto. Nenhum acordo foi firmado até agora.