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Raquel Brito
Publicado em 11 de outubro de 2023 às 21:00
“Nós não temos acompanhamento, não temos ninguém. Nossas crianças estão desassistidas pelas pessoas, pelos médicos. Ficamos por nossa conta”. A fala é de Aline Santana, de 35 anos, mãe de uma menina autista de quatro anos, mas poderia ser de muitos dos outros pais presentes na manifestação realizada no Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CRE-TEA) na manhã desta quarta-feira (11). >
No protesto, responsáveis por crianças autistas se manifestaram pela disponibilização de vagas para terapias multidisciplinares pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou rede particular, que deveriam ser disponibilizadas pelo governo estadual. De acordo com os pais, a liminar favorável que receberam no dia 16 de agosto não está sendo cumprida, o que tem como consequência o fim das inscrições do CRE-TEA e impossibilita o atendimento das pessoas com autismo.>
Em busca de tratamentos para a filha, Aline já foi em Dias D’Ávila e Camaçari, no que descreve como atos de desespero. Entretanto, também não encontrou atendimento nas outras cidades. “A minha filha faz uso da risperidona. Sem essa medicação, ela se machuca muito, se agride muito, se morde a ponto de sangrar. Isso para mim como a mãe dela é muito triste, porque eu quero aprender como cuidar, quero aprender o que eu tenho que fazer, e para isso eu preciso do auxílio médico”, diz, emocionada.>
Tatiane Souza, de 26 anos, é presidente do Centro Palmares de Estudos e Assessoria por Direitos e mãe de Nairobi Souza Moura, criança de quatro anos e autista de nível dois de suporte. Segundo ela, a manifestação é um pedido de socorro. “Os autistas têm que estar dentro do sistema, e não do lado de fora, na véspera do dia das crianças, gritando para que nossos direitos sejam cumpridos. [É preciso] ocupar o espaço que é destinado aos autistas”, defende.>
As principais reivindicações da manifestação foram a reabertura da fila de inscrição no CRE-TEA, a criação da carteira de identificação da pessoa com TEA, um mutirão de atendimento para diagnóstico e acompanhamento dos autistas e que sejam disponibilizadas terapias multidisciplinares, se não pelo SUS, que sejam de imediato através da rede particular.>
Rosana Souza, de 41 anos, moradora de Vera Cruz, fez um grupo num aplicativo de mensagens com outras mães de autistas – as chamadas “mães atípicas” – da região, para que pudessem dar umas às outras o suporte que não recebem do governo. No início, eram 50. Hoje, o grupo acumula 300 participantes.>
“Eu sei que, sozinha, não vou ter voz, eu não vou ter como brigar. Isso é muito maior do que a gente, então a única forma de alcançar e chamar atenção é em grupo, unidas”, diz.>
Ao chegar na manifestação, elas relatam uma surpresa ao perceber empecilhos para que chegassem perto do CRE-TEA e entrassem em contato com representantes. “Nós reunimos mais de 100 pessoas, inclusive de Catu, Camaçari e Vera Cruz. Chegamos no ato, como nos outros, de forma pacífica. Mas fomos recebidos com uma barricada na frente do CRE-TEA e uma polícia ostensiva. Estávamos 99% mulheres e crianças”, diz Tatiane.>
“Em nenhum momento houve um xingamento, uma falta de respeito. Só queríamos um pouco de atenção, tudo que a gente queria era ser respeitada. Porque nós não estamos pedindo, só estamos lembrando que existimos e que nossas reivindicações estão na lei”, afirma Rosana.>
O Correio procurou o Governo do Estado para questionar sobre as condições em que as mães foram recebidas no CRE-TEA, mas não houve resposta sobre o assunto. >
Em resposta à manifestação, o Governo do Estado anunciou, em nota, a construção de 15 novos Centros Especializados de Reabilitação (CER) e a ampliação, de modo emergencial, do número de atendimentos na rede estadual. >
Atualmente o Governo do Estado possui três unidades que atendem 686 pacientes: o Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CRE-TEA), o Centro Estadual de Prevenção e Reabilitação da Pessoa com Deficiência (Cepred) e o Centro Especializado em Reabilitação das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid). >
Na nota, o Governo convoca os 417 municípios baianos a “implementar e expandir o atendimento a pacientes com TEA”, destacando que, hoje, apenas 15 têm serviços habilitados pelo SUS e que, apenas em Salvador, há uma demanda reprimida de 2.760 pacientes.>
“Cabe ressaltar que o processo de cuidado das pessoas com TEA deve ser iniciado e acompanhando, de preferência, inicialmente nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e ambulatórios especializados. Em caso de necessidades específicas, devem ser encaminhados para os CERs, que é o equipamento de saúde reconhecido pelo Ministério da Saúde como parte da rede de cuidado às pessoas com TEA”, completa o texto.>
*Com orientação da subeditora Fernanda Varela. >