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Wendel de Novais
Publicado em 29 de setembro de 2023 às 05:30
O que era para terminar em prisão de um assaltante de carro acabou em tragédia com dois policiais e um suspeito mortos em um bar da Rua Astrozildo Sepúlveda, no bairro do IAPI.>
Marcelo Santana, policial militar do Batalhão Gêmeos, trabalhava à paisana em uma perseguição a um suspeito de roubo a carro. Ele encontrou o criminoso no estabelecimento e o abordou com a arma em punho dizendo: “perdeu, perdeu”. No bar, o soldado Anderson Souza Santana, conhecido como Sinho, que não estava em serviço, achou que o policial fosse um bandido e estava dando “voz de assalto”. Ele reagiu e começou a troca de tiros. >
O PM que trabalhava foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde passou por cirurgia, mas morreu na unidade. Já o policial que estava de folga foi levado ao Ernesto Simões Filho, onde também faleceu. O suspeito, que usava uma tornozeleira eletrônica, teve a morte confirmada dentro do próprio bar. >
“Ele já entrou falando ‘perdeu, perdeu. Cadê a arma?’. Se ele entrasse falando ‘polícia’, se identificando, com certeza Santana (Sinho), meu amigo, jamais iria atirar. Então, acabou que um atirou no outro por conta dessa confusão. Ele [Marcelo] ainda seguiu baleado na moto na garupa com um cara que tinha vindo e caiu só lá no Pau Miúdo”, conta a dona do bar, que não quis se identificar.>
Um morador de um prédio em frente ao bar, que se identificou apenas como Zama, conta que ouviu muitos tiros de casa. “Estava na frente da televisão e do nada começou os pipocos. Foram mais de dez tiros, com certeza. Na hora que passou, eu desci e vi Sinho e o ladrão no chão do bar. O povo me falou que o outro policial tinha tomado tiro, mas ainda assim saiu do local na moto”, diz Zama. Informações de fontes ligadas à polícia apontam que Marcelo, inclusive, teria chegado ao local de moto-táxi. Ele chegou a passar em frente ao bar, mas notou o suspeito e voltou para prendê-lo.>
“O rapaz era grande, tinha as tatuagens e tinha cara de sério, mas era sossegado. Gente boa, cumprimentava todo mundo. Ele bebia aqui sempre e nunca deu trabalho”, fala Zama. >
Especialista em segurança pública e coronel reformado da Polícia Militar da Bahia (PM-BA), Antônio Jorge Melo explica que ações com PMs disfarçados são estratégicas.>
“Não é comum que um PM esteja descaracterizado, mas existem operações em que o policial tem que atuar sem estar uniformizado. Nas ações de inteligência, normalmente, o policial não atua fardado para não ser facilmente reconhecido ou identificado. Dentro dessas ações, usa-se veículos sem o padrão da corporação para isso”, afirma ele, ressaltando que essas ações são direcionadas a casos em que se atesta o cometimento de crime e a necessidade de prisão de seus autores, e não em patrulhamentos de rotina, onde os agentes responsáveis estão devidamente fardados.>
Foi justamente esse o caso de Marcelo que, enquanto realizava um monitoramento contra roubo de ônibus na região da Avenida San Martin pelo Batalhão Gêmeos, identificou o suspeito que tinha roubado um veículo e iniciou uma perseguição que acabou no IAPI. Apesar de pessoas presentes no local afirmarem que, por conta da confusão, um policial teria matado o outro em uma troca de tiros, ainda não se sabe de onde saíram as balas que vitimaram cada um deles e o suspeito, que também faleceu e pode ter participado da troca de tiros. Procurada pela reportagem, a PM-BA não informou o que foi apreendido no local após as mortes.>
Fato é que, para Antônio Jorge Melo, a ação de um policial nas circunstâncias de Marcelo tem consequências diferentes em relação a quem está de farda. “O policial à paisana está sujeito a riscos”, garante. Ele pondera, porém, que é preciso aguardar a investigação para entender o que aconteceu e atribui a confusão entre os PMs à situação da capital. >
“Vejo isso como um reflexo da situação em que nós estamos vivendo. Todo mundo está assustado, preocupado com o que está acontecendo. O policial, inclusive, está sempre sendo alvo da ação de grupos criminosos armados. Claro que existem protocolos, mas nem sempre a situação ocorre dentro daquilo que foi planejado. O policial que estava no bar não era da unidade, não tinha conhecimento da operação que estava sendo realizada e acabou ocorrendo uma fatalidade”, completa ele.>
Uma fonte da PM, que prefere não se identificar e conversou com a reportagem sobre o caso, destaca que, dentro de uma ação policial, onde é preciso lidar com suspeitos perigosos de forma rápida, nem sempre é possível pensar em cada palavra dita no momento da abordagem. “As pessoas estão criticando porque ele entrou falando ‘perdeu, perdeu’. No entanto, em uma perseguição em que você está atrás de um criminoso desde a San Martin, nem sempre dá para pensar nas palavras mais corretas no sentido de explicar a sua identidade. Ele poderia ter anunciado que era polícia, mas com tudo rápido e a necessidade de se fazer cumprir a lei em instantes, nem tudo sai como o planejado. Só é lamentável que dois agentes e guerreiros tenham partido em uma infelicidade como essa”, fala.>
A PM foi procurada para informar o número de policiais que foram mortos em serviço na Bahia em 2023 e também no ano de 2022, mas não respondeu. O Instituto Fogo Cruzado, que monitora a violência armada em Salvador e Região Metropolitana (RMS), divulgou uma atualização do número de agentes das forças de segurança que foram vítimas em serviço durante confrontos armados. >
Até aqui, em 2023, 28 agentes de segurança baleados, sendo que 16 ficaram feridos e 12 acabaram mortos. O fogo cruzado considera como agentes de segurança os policiais militares, civis e federais, bombeiros, guardas municipais, agentes penitenciários e militares das forças armadas.>
A Polícia Militar lamentou as mortes e disse que um inquérito será instaurado e as circunstâncias do ocorrido serão apuradas. "Neste momento, a Polícia Militar acompanha e presta todo apoio às famílias dos policiais militares através do Departamento de Promoção Social (DPS) da Corporação".>
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) diz que se solidariza com as famílias dos dois policiais e informa que a Polícia Civil iniciou a investigação coletando depoimentos de testemunhas e buscando possíveis imagens de câmeras da região. Ressalta ainda que as perícias solicitadas ao Departamento de Polícia Técnica (DPT) auxiliarão na apuração da dinâmica do caso. O caso é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). >