Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Millena Marques
Publicado em 25 de setembro de 2023 às 05:00
Se tem um mês que o baiano gosta, do ponto de vista culinário, é setembro. Os convites para os tradicionais carurus, feitos em homenagem aos Ibêjis do Candomblé e os santos gêmeos da Igreja Católica, começam a ser especulados antes mesmo do dia oficial de São Cosme e Damião, 27 de setembro. O que muita gente não sabe é que as pessoas que mantêm a tradição precisam desembolsar um pouco mais no período. Isso porque o quiabo, ingrediente chave da comida, praticamente dobra de valor se comparado ao preço estabelecido no primeiro mês do ano. >
De acordo com dados do Boletim Informativo Diário da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia (SDE-BA), o saco com 25 kg custava R$ 75 no dia 30 de janeiro. Oito meses depois, o valor varia entre R$ 150 e R$ 200. Esse aumento reflete diretamente no valor repassado ao consumidor, como aponta Carlito Santana, 56 anos, vendedor de quiabo na Feira de São Joaquim há quatro décadas. >
“O saco tem que ter 1.100 ou 1.200 unidades, para que a gente consiga algum lucro, porque compramos o saco por R$ 150 e vendemos o cento por R$ 15. Infelizmente, a gente tem que repassar o aumento para o consumidor”, disse o vendedor na última quarta-feira (20), quando havia comprado um saco por R$ 150. Dois dias depois, o valor era de R$ 200.>
Na barraca de Marivaldo dos Santos, 53, o preço também aumentou de quarta para sexta. Isso porque, com a proximidade da festa de Cosme e Damião, o saco do quiabo sofre alterações. “Na quarta comprei de R$ 150, hoje eu já comprei de R$ 200, e a tendência é de que o saco alcance R$ 220. Então, o valor do cento pode variar de um dia para o outro, chegando até R$ 25, depende do valor do saco”. Em janeiro, quando Marivaldo vendeu 12 sacos, o cento saía de R$ 8 ou R$ 10. Em setembro, a expectativa de venda é de ultrapassar 20 sacos.>
Arnaldo Pereira, 56, vendedor de quiabo na Feira de São Joaquim há 43 anos, explicou que o quiabo é um item sazonal, ou seja, sofre alterações em certos períodos do ano, como o mês de setembro, e também de dezembro, que inicia com tradicional festa de Iansã e Santa Bárbara. Em janeiro, Pereira vende o cento de R$ 8 a R$ 12. "É um mercado de altos e baixos. Janeiro não é época de caruru, o saco pode sair até R$ 50 e R$ 60", explicou.>
Até a quarta-feira, Daniel dos Santos, 46, vendia o cento por R$ 15, valor apresentado por seis vendedores da Feira de São Joaquim. Na sexta, o saco com 100 unidades por R$ 20. "Depende muito da quantidade de sacos que chegam aqui. Se forem muitos sacos, o preço permanecerá o mesmo. Se vier pouco, aumenta", disse Daniel.>
Apesar do estado da Bahia ser o quarto maior produtor de quiabo, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a elevação dos preços do legume é inevitável neste período, como aponta o economista Denilson Lima, coordenador da Pesquisa de Índice de Preços ao Consumidor da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia.>
"Normalmente há um aumento significativo no preço do quiabo, pois este é o principal componente utilizado na elaboração do caruru. A sazonalidade influencia o aumento da procura pelo item", explicou Lima. >
Impacto no bolso do cliente>
A técnica em enfermagem Bárbara do Reis, 50, auxilia na tradição de distribuir quentinhas de caruru da mãe, Aida da Silva. Há 60 anos, a matriarca da família faz essa homenagem a São Cosme e Damião depois de ter feito uma promessa pelo restabelecimento da saúde de um filho. Não há uma data fixa para homenagem, que pode acontecer no mês de setembro ou na primeira semana de outubro. >
Antigamente, Aida comprava aproximadamente 10 centos de quiabo, para a produção de 50 quentinhas. Com o preço elevado do quiabo, mãe e filha pretendem reduzir a produção deste mês: as quentinhas serão feitas com três centos, para atender 30 pessoas. "Só o quiabo encarece o preço do caruru, além da galinha, camarão, amendoim e outros ingredientes. Tudo fica mais caro. Infelizmente vamos ter que reduzir a quantidade", disse Reis. >
Jó Rocha, 59, começou a tradição em 2015, após obter uma graça atribuída a uma promessa feita aos santos gêmeos. Assim como Aida, ela não estabelece uma data fixa para o cumprimento da promessa: realiza em setembro ou até meados de outubro, para cerca de 100 pessoas. "A gente acha o quiabo baratinho nos primeiros meses do ano, até de R$ 5 o cento, mas em setembro sobe muito. Dói no bolso, porque compramos até três vezes mais caro do que nos outros meses", disse. Apesar do aumento, Jó Rocha disse que não vai reduzir a quantidade de caruru. >
Na tentativa de diminuir o impacto financeiro, a baiana de acarajé e chefe do restaurante Cozinha da Mari, Marilene da Paixão, 62, comprou 800 unidades no início do mês de setembro, entre os dias 8 e 10. Cada cento saiu por R$ 10 na Feira de São Joaquim. Em janeiro, quando o item está mais barato, a empreendedora vende 100 unidades de quentinhas de comida baiana, que levam 100 gramas de caruru. Em setembro, o número é seis vezes maior - cerca de 600 quentinhas são vendidas em setembro. >
"Compramos antes e congelamos, para evitar o aumentar do preço e não perder o lucro das vendas", explicou Marilene, salientando que ainda deverá comprar mais 500 unidades, para atender os clientes que reservam as quentinhas em cima da hora.>
Procura tímida>
Se comparado a setembro de 2022, o preço do quiabo nas barracas da Feira São João Joaquim não sofreu alterações neste mês. No ano passado, o cento do ingrediente chave para os tradicionais carurus de São Cosme e Damião saía entre R$ 15 e R$ 25, valores que predominam nos pontos de vendas uma semana antes da comemoração em 2023, de acordo com os comerciantes do local. >
Apesar da manutenção dos preços, o movimento é fraco em São Joaquim. Antes das 16h do dia 20 de setembro de 2022, Carlito já não tinha mais quiabo no cesto. Neste ano, o movimento foi reduzido em 20%, de acordo com o vendedor. "Ainda está devagar. A previsão é que o movimento aumente até o dia 30. O povo deve fazer mais caruru", disse Santana, um pouco mais esperançoso. >
Raimunda de Jesus, que vende coentro e quiabo na feira, disse que nesse mesmo período do ano, em 2022, os balaios já estavam vazios. Apesar do valor do cento continuar o mesmo, a procura é diferente. "Os sacos estão cheios. Hoje eu não vendi nem 300 quiabos. O cliente passa aqui e só leva meio cento", afirmou.>
Na tarde de sexta, os comerciantes tinham tempo para jogar cartas e conversar com os colegas de feira, porque os clientes não apareciam. Agnaldo Pereira disse que o movimento era o mesmo de um dia comum, longe da demanda de uma semana que antecede as comemorações: "Basta olhar os balaios, o movimento está fraco", pontuou.>
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.>